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Man of Steel, o Superman versão Zack Snyder

Man of Steel (2013)

O chamado Universo Marvel Cinematográfico teve início em 2008 com o primeiro filme do Iron Man. Diferente dos filmes de super heróis produzidos até então, o objetivo desse projeto era desenvolver um verdadeiro universo com filmes inter-relacionados, basicamente seguindo o modelo de histórias com personagens solo (Iron Man, Hulk, Thor, Capitão América, etc.) que preparam o caminho para uma saga maior reunindo vários personagens (Os Vingadores).

Este modelo fez muito sucesso, se tornando uma franquia bilionária. Em 2013 foi a vez da DC tomar a mesma iniciativa com o Universo DC Cinematográfico e em Man of Steel está o início¹. Em seguida viria um filme reunindo Superman e Batman, depois o Esquadrão Suicida, a Mulher Maravilha e, por fim, o primeiro filme da Liga da Justiça, em 2017.

O principal diretor neste empreendimento foi Zack Snyder, um diretor que tem um estilo sombrio e com experiência em filmes de guerra e terror, como 300 (2006) e Dawn of the Dead (2004). Também trabalhou no obscuro Watchmen (2009), um filme de super heróis com uma abordagem pessimista e crítica.

Man of Steel (2013)

Em Man of Steel, Zack Snyder não tem medo de caprichar na violência e produz o filme do Superman com mais morte e destruição que já se fez. A invasão alienígena do General Zod se torna um evento realmente perigoso, reduzindo o cenário de Metrópolis a escombros e a luta do Super com Zod mostra bem o nível de poder de ambos, literalmente arrasando quarteirões enquanto trocam socos.

Mas além de toda ação e uma batalha épica (com direito a uma épica trilha do Hans Zimmer), Man of Steel desenvolve uma nova mitologia do Superman. A história de Krypton é recriada, mostrando uma civilização avançada, baseada em controle genético, mas em crise de recursos. O clássico “S” do Superman ganha um significado especial, sendo um ideograma para a palavra “esperança” no idioma de Krypton, uma espécie de brasão da família de Kal-El.

Man of Steel é um daqueles filmes que dividem opiniões. Alguns críticos odiaram o filme e não viram sentido na destruição de Metrópoles. Outros gostaram da ideia, pois mostra como seres superpoderosos podem ser realmente destrutivos e devem ser levados a sério. Também a complexa mitologia criada para a origem do Superman é digna de atenção. 

Um problema em especial é o gosto do Zack Snyder por filtros escuros, algo que está em seu DNA como diretor desde o início de sua carreira em Dawn of the Dead (2004). Ora, uma ambientação escurecida faz sentido em filmes de zumbis, mas com super heróis, ainda mais um arauto da esperança como o Superman, era de se esperar mais cores. Até seu uniforme azul ficou bem escuro, quase um Batman.

Man of Steel (2013)
Cadê as cores, Zack Snyder?

Essa primeira tentativa de construir um DCU até agora não deu muito certo, mas de certa forma o Superman teve sua trilogia sob o comando de Zack Snyder, com Man of Steel, Batman Versus Superman e Justice League. Falei sobre isso em outro post (aqui).

Notas:

1: É bom notar que a nova fase da DC no cinema na verdade começou em 2005 com o Batman do Christopher Nolan. Ele produziu uma trilogia com um tom "sombrio e realista" que se tornaria um modelo para o futuro DCU. Man of Steel, inclusive, foi roteirizado pelo próprio Nolan, mas então a direção ficou a cargo de Snyder que assumiu o novo projeto, de modo que também um novo Batman foi criado, tornando o Batman do Nolan uma versão de outro universo diferente do snyderverso.

Perfume e um dos melhores serial killers da ficção

Perfume (2006)

Patrick Süskind (1949) nasceu na Alemanha e estudou história medieval e moderna, se tornando escritor e roteirista. Seu primeiro sucesso foi em 1981 com a peça O Contrabaixo, mas a sua obra máxima viria poucos anos depois com O Perfume (1985), livro que já vendeu mais de 15 milhões de exemplares.

Em 2006 foi lançado o filme Perfume: The Story of a Murderer, dirigido por Tom Tykwer (Run Lola Run, Cloud Atlas), estrelando Dustin Hoffman (Rain Man) e Ben Whishaw (Cloud Atlas) no elenco. Antes de Tom Tykner, outros grandes diretores já haviam demonstrado interesse ou foram considerados para realizar este filme, como Julian Schnabel, Martin Scorsese, Milos Forman, Stanley Kubrick, Roman Polanski, Ridley Scott e Tim Burton.

Note-se que o título do livro é O Perfume e não O Perfumista, pois o protagonista Grenouille se tornará obcecado em buscar a fórmula perfeita, um perfume supremo, e vai conseguir isto de maneira macabra, matando garotas para extrair delas a essência.

Perfume (2006)

Mas antes de simplesmente julgarmos o caráter de Grenouille como sendo um monstro, é preciso entendê-lo. Sim, ele é de fato desumano, pois já nasceu sem conhecer a humanidade, rejeitado por sua mãe como um aborto, literalmente como um lixo, um pedaço de carne que ela, logo após parir, chuta para o meio do entulho.

E é aí, já no nascimento, que Grenouille mostra seu primeiro talento: um poder enorme de sobrevivência, sobre-humano até. Ele parece um parasita resistente, um “carrapato”, nas palavras do autor. Luta para viver, apesar de ser rejeitado pela vida e o mundo. Só esta resistência instintiva já faz dele um personagem mítico. Há, porém, algo mais: o seu olfato absurdamente desenvolvido.

Ironicamente, ele não tem cheiro próprio, o que causa uma repulsa inconsciente por parte das outras pessoas, pois não o reconhecem como parte deles, como gente. A ausência de cheiro faz de Grenouille um ser quase invisível, geralmente ignorado por todos, o que só contribui para formar em sua personalidade um estado de afastamento. As pessoas não o identificam como parte delas, mas ele também não se identifica com elas.

Também sem beleza ou nada que o faça ser atraente e se destacar, seu destino é ser um serviçal, um goblin trabalhando nas masmorras, assim desde cedo ele se torna um trabalhador braçal numa fábrica de couros e vive sem propósito, até que visita pela primeira vez uma perfumaria.

Perfume (2006)

Grenouille não era totalmente desprovido de prazer. A sua alegria e distração estava em sentir odores, quaisquer que fossem. Seu faro era tão complexo que para ele não existia cheiro ruim. Tudo era apreciável e ele conseguia distinguir o cheiro das coisas com uma grande exatidão e detalhismo, além de ser capaz de memorizar e catalogar os cheiros em sua mente. O mundo dele é o mundo dos odores. Não à toa ficou encantado com a fábrica de odores que é uma perfumaria.

Antes mesmo dele conhecer a perfumaria, já tivera a experiência mais marcante de sua vida que foi a descoberta de um cheiro que lhe pareceu diferente de todos que já conhecia, algo especial e único. Seguindo o rastro do odor, descobre que ele vem de uma garota, jovem e ruiva. É nesse momento que Grenouille mostra também a sua total indiferença moral, pois mata friamente a garota no esforço de cheirá-la, depois abandona o corpo.

Na verdade ele não é sádico ou malvado. Não mata por prazer. Matar para ele é algo tão banal quanto mergulhar pétalas numa solução para extrair o perfume. Ele sequer tem desejos com relação às pessoas. Não sente ódio ou amor, nem mesmo tem atração sexual. É indiferente e assexuado, no máximo o que sente pelas pessoas é um desprezo, e o prazer que teve ao cheirar a garota era o mesmo que tinha ao cheirar qualquer outro objeto. Ele estava interessado apenas no cheiro em si.

Perfume (2006)

Quando se torna perfumista, graças ao seu brilhante talento que convence um velho perfumista a adotá-lo como aprendiz, Grenouille vai tentar extrair a essência de tudo o que pode, fazendo muitos experimentos. E assim vai crescer a sua ambição de produzir uma obra prima, o melhor perfume. E ele já sabia de onde extrair a essência: de garotas semelhantes àquela primeira que ele conheceu.

Assim ele se torna um serial killer, matando 26 garotas (13, no filme) e aplicando nelas uma técnica de extração de essência com gordura. Quando finalmente Grenouille é capturado e condenado à morte, ele já tem em mãos o seu precioso perfume e vai comprovar que essa essência retirada do próprio corpo humano tem um poder fantástico, mágico.

Perfume foi o filme mais caro do cinema alemão até 2006 (50 milhões de euros). O livro inspirou músicas como Scentless Apprentice (1993), de Kurt Kobain, You Smell so Good (1995), da banda Rammstein e o título do álbum Smells Like Children (1995), de Marilyn Manson.

O filme naturalmente é mais conciso que o livro, inclusive reduzindo à metade o número de assassinatos. Apesar de ser uma história de crime envolvendo um serial killer, há uma fantasia e realismo mágico na narrativa que tornam os crimes algo secundário. É a personalidade incomum, o talento e o mundo psicológico de Grenouille que chamam atenção e fazem dele um dos personagens mais interessantes da literatura e do cinema.

Perfume (2006)

To the Bone, um filme sobre anorexia

To the Bone (2017)

Vamos direto ao ponto: To the Bone (2017) é um filme sobre anorexia. O título em português ficou O Mínimo para Viver, o que ameniza o peso (com perdão pelo trocadilho) do título original que tem uma ideia de corpo descarnado até o osso.

To the Bone (2017)

Protagonizado pela linda Lily Collins (e falando em beleza, também temos o Keanu Reeves como o médico bonitão e a bela Liana Liberato), que obviamente emagreceu bastante para o papel (mas também deve ter usado dublê de corpo em certas cenas), mostra a rotina dela e alguns pacientes em uma clínica-pensão dedicada a tratar anorexia. 

To the Bone (2017)

O filme não se dedica a ficar dando explicações médicas e nem soluções mágicas, mas dá um panorama geral sobre os hábitos e dramas destes pacientes. Tendo isto como pano de fundo, desenvolve a jornada de autoconhecimento da protagonista.

To the Bone (2017)

As causas da anorexia são diversas e é algo difícil de se rastrear. Não é simplesmente a pressão dos padrões de beleza ou páginas do Tumblr ou famílias disfuncionais ou abuso sexual ou perfeccionismo, etc. Pode ser algo disso ou uma mistura ou alguma coisa totalmente peculiar e idiossincrática. 

A mãe da garota inclusive suspeita de algo bem mais remoto, o fato dela ter tido depressão pós parto e não manteve muito contato físico com a filha, talvez nem mesmo a tenha amamentado. Então, num interessante momento de catarse, sugeriu segurá-la no colo e a alimentar com uma mamadeira, o que é um gesto simbólico, obviamente, de compensação para essa falta de intimidade primordial. Aparentemente esse gesto ajudou a personagem a perseverar no tratamento.

To the Bone (2017)

LIMBO e outros jogos de purgatório

LIMBO (2010)

LIMBO foi um dos primeiros jogos que provei quando criei minha conta na Steam lá em 2016. É um joguinho indie dinamarquês de 2010 e já é um clássico do gênero. Aliás, assim como temos jogos roguelike, diablolike e metroidvania, LIMBO pode nomear uma categoria limbolike, jogos de puzzle ambientados em um mundo estilo purgatório.

LIMBO (2010)

É importante destacar que se trata de um purgatório ou um limbo e não o inferno, pois esse ambiente em que o personagem se encontra tem uma saída e sua jornada é uma espécie de expiação, de redenção.

LIMBO (2010)

No caso de LIMBO, temos um cenário 2D pelo qual o personagem se move como em um típico jogo de plataforma. Para avançar é preciso resolver os puzzles que são obstáculos no caminho, puzzles mortais. Assim, na tentativa e erro, você verá seu personagem morrer das formas mais cruéis, atacado por aranhas gigantes, perfurado por setas, serrado ao meio, caindo em precipícios, eletrocutado... O coitado realmente vive um inferno até conseguir sair dali. O final tem uma delicadeza e um sentimento de catarse que dão um charme a mais ao jogo.

Eldritch (2013)

Eldritch, lançado em 2013, tem um visual 3D meio Minecraft, mas com uma ambientação peculiar que se pode chamar de lovecraftiana. Você está em um mundo bizarro habitado por monstros e cheio de segredos e deve encontrar a saída enquanto desenvolve seus poderes mágicos e adquire armas pra enfrentar os monstros. 

Nihilumbra (2013)

Em Nihilumbra (2013), você é uma criatura fantasmagórica se movendo em cenários fantásticos, resolvendo puzzles e enfrentando criaturas e um mal maior chamado Void, que a tudo consome. O diferencial desse jogo é a mecânica que envolve o uso de diferentes elementos da natureza.

Back to Bed (2014)

Back to Bed (2014) não é bem um jogo infernal, mas merece entrar nessa lista pela ambientação surrealista. É localizado no subconsciente de um homem que é sonâmbulo e caminha por um cenário 3D onírico que lembra uma mistura da arte de Salvador Dali com Escher. Você deve interagir com o cenário para guiar o caminho do homem de volta à cama e evitar que caia do edifício.

Lovely Planet (2014)

Lovely Planet (2014) é um joguinho japonês que tem a peculiar fofura kawaii do Japão. Não há uma história e basicamente você atravessa cenários surreais que são tipo umas montanhas flutuantes entre as nuvens e com uma metralhadora de bolinhas vai derrubando uns inimigos fofinhos. A música é bem infantil e diferente do que se esperaria em um shooter. De toda forma, o jogo entra aqui na lista por causa do ambiente que parece ser algum tipo de limbo, apesar de ser um limbo bem colorido e com coraçõezinhos por toda parte.

Dreaming Sarah (2015)

Dreaming Sarah (2015) tem um visual bem simples, meio 8 bits ou 16 bits. A personagem está em coma e deve atravessar um cenário onírico, resolvendo puzzles, a fim de sair daquele mundo e acordar.

Gonner (2016)

Gonner (2016) tem um visual 2D minimalista e bem agradável. À primeira vista nem parece que se passa em um ambiente infernal, já que os bonecos têm um design fofinho, mas esses bichinhos fofos são demônios querendo te despedaçar e você irá enfrentá-los com armas de fogo que vai adquirindo ao longo do jogo. A jogabilidade é roguelike, ou seja, se morrer tem que começar do zero, mas as armas e equipamentos que você vai desbloqueando ficam disponíveis nas novas partidas.

Soulless: Ray of Hope (2016)

Soulless: Ray of Hope (2016) tem um cenário e puzzles que lembram vagamente o próprio LIMBO, porém não chega aos pés deste. É um LIMBO mais infantil.

HUE (2016)

HUE (2016), apesar do nome, não tem nada a ver com a zoeira brasileira (hue hue hue). "Hue" em inglês significa "matiz", a propriedade que nos permite distinguir cada espectro de cor. O jogo lembra um pouco LIMBO, pois inicia em um ambiente preto e cinza, mas o diferencial é que a sua missão é encontrar as cores, de modo que ao longo do jogo você vai desbloqueando cores para o mundo.

As cores têm um papel essencial na mecânica do jogo, pois você irá utilizá-las para tornar visíveis ou invisíveis itens do cenário como caixas, obstáculos e portas. Existem certos perigos, como espinhos e pedras rolantes que podem te matar, mas a jogabilidade é bem menos tensa e macabra do que LIMBO. 

Você também vai encontrando umas cartinhas narradas por uma meiga voz feminina, o que contribui para tornar a história menos sombria.

Gloom (2017)

Gloom (2017) é outro jogo de inspiração lovecraftiana. Você está em um cenário sombrio e encontra outras pessoas que também estão presas nesse mundo do sonho ou purgatório, além de criaturas hostis. A clara referência a Lovecraft está no fato de que você vai coletando partes do livro Necromonicon. O jogo é roguelike.

Pinstripe (2017)

Pinstripe (2017) é um belo jogo com um visual meio Tim Burton e puzzles satisfatórios. O personagem é um ex-padre que parte em uma jornada para recuperar sua filhinha raptada pelo vilão Pinstripe. A ambientação surreal sugere que ele na verdade está morto e atravessa o purgatório carregando a culpa por ter perdido sua filha e esposa em um incêndio. 

Ao mesmo tempo, existe essa sugestão de que Pinstripe é um abusador de crianças. Olhando desta forma, é um jogo bem pesado e creepy, mas ao mesmo tempo o final, quando o padre se reúne à sua família, tem aquela agradável catarse da redenção. A trilha sonora (composta pelo próprio desenvolvedor do jogo, Thomas Brush) é muito boa.

Plasticity (2019)

Plasticity (2019) não é beeem ambientado num purgatório, mas simbolicamente pode-se dizer que sim. O jogo (que é gratuito aliás) basicamente pretende passar uma mensagem ecológica e temos um garotinho percorrendo o cenário e lidando com problemas de poluição envolvendo o plástico.

É estranhamente mal otimizado e mesmo nos gráficos mínimos chegou a rodar entre 5 e 15 FPS, além de ter controles pouco responsivos (e olha que são controles bem simples: as setas de movimento e o Ctrl para interações).

Hell is Other Demons (2019)

Hell is Other Demons (2019)

Hell is Other Demons (2019) é um belo joguinho pixelado, com uma ambientação infernal. O mapa consiste em salas onde você enfrenta ondas de monstros. É preciso zerar as ondas de uma sala pra desbloquear a próxima e à medida em que avança as salas vão ficando mais difíceis, algumas possuem bosses e também há lojas onde você gasta seus pontos com itens que aprimoram seu personagem. É um joguinho divertido, mas é preciso grindar muito pra evoluir, tanto que há salas com ondas infinitas que servem justamente para ficar farmando pontos.

The Fountain, o filme mais transcendental de Aronofsky

The Fountain (2006)

Esta interessante história fantástica e dramática se passa em três camadas. Na vida real e no tempo presente, o pesquisador Tommy Creo (Hugh Jackman) busca a cura do câncer motivado pela esperança de salvar sua esposa, Izzi (Rachel Weisz), de um câncer terminal. Izzi, por sua vez, parece bastante confiante na aceitação da morte. 

Durante seu tratamento, ela escrevera um livro contando a história de Tomas, um conquistador espanhol que parte para o Novo Mundo em busca da lendária Árvore da Vida, mencionada no Gênesis e também em mitos maias. Esta é a segunda camada, a história fictícia criada pela personagem, acontecendo no passado medieval.

The Fountain (2006)

Por fim, há uma terceira camada da história envolvendo Tom, uma espécie de astronauta num futuro remoto que parte em direção a uma nebulosa para descobrir a fonte da vida em uma estrela prestes a morrer numa explosão supernova. Esta nebulosa é identificada com o deus maia Xibalba, que curiosamente é o deus do submundo, o Senhor da Morte, mas também considerado pelos maias o Primeiro Pai, aquele que morreu para dar início à vida do mundo.

Numa das capas do DVD há uma certa dica sobre o período em que cada camada ocorre, mostrando o ano de 1500 para indicar a época da história medieval envolvendo o explorador espanhol, no centro o ano de 2006 que é a época do cientista Tommy e, no fim da contagem, 2500, o possível século em que o astronauta faz sua viagem rumo a Xibalba. Isto também representa uma visão geral do ciclo da existência: passado, presente e futuro.

The Fountain (2006)

O filme, escrito por Darren Aronofsky, revela certa influência do “futurismo transcendentalista” de 2001: Uma Odisseia no Espaço e o autor assumiu ter sido muito influenciado por Matrix, que reinaugurou o gênero de filmes de ficção mesclados com conceitos metafísicos e transumanistas, o homem buscando superar sua condição, inclusive a condição de mortal.

O círculo, como símbolo do renascimento, aparece frequentemente: na aliança de casamento, na estrela, na esfera em que Tom viaja até a estrela, enfim, o círculo, ou anel, é uma representação da Fonte, a origem e fim que o homem está sempre em busca.

The Fountain (2006)

A árvore é símbolo da vida, fonte de regeneração, imortalidade e também uma imagem cabalística usada para esquematizar o universo ou a divindade ou mesmo o homem. A torre representa o desafio, o obstáculo que o homem deve enfrentar em sua busca. 

Após subir a torre ele tem de enfrentar um mago ou um anjo com uma espada de fogo. É o guardião do segredo, assim como na Bíblia, após expulsos Adão e Eva do jardim, foi posto um anjo com espada de fogo para guardá-lo.

Trata-se, portanto, de um drama sobre a busca do homem pelo sentido da vida, pela imortalidade, por Deus até; busca pela compreensão do Todo e a superação do grande dilema que é a morte.

The Fountain (2006)

Não é um filme “religioso” num sentido de propaganda ou doutrinação. Na verdade é uma história transcendental, abordando questões primordiais que todo humano enfrenta, especialmente o mistério da morte. “A morte é uma doença”, diz o cientista Tommy. Ao mesmo tempo, Izzi aceita e entende a morte apenas como parte do ciclo da existência.

Não bastando ser uma história de grandeza cósmica, possui um lindo romance do casal que nem mesmo a sombra da morte é capaz de separar. Um romance que atravessa milênios.

The Fountain (2006)

As egrégoras modernas em Branded

Branded (2012)

Quando criança, Misha é atingido por um raio, mas sobrevive. Adquire um poder sobrenatural de ver no céu uma constelação em forma de vaca e até ouvir sua voz. Isto aparentemente não faz diferença alguma. 

Quando adulto, ele descobre seu talento para o marketing e envolve-se nesta carreira, tornando-se um premiado empresário de uma agência publicitária. Todavia, ele passa por um momento de crise e se recolhe numa fazenda, tornando-se criador de vacas.

Enfim seu “poder sobrenatural” retorna. Após um momento de isolamento, de ascetismo e de purificação das culpas (pois a carreira publicitária também o levou a prejudicar pessoas), ele volta a ouvir a constelação da vaca que lhe orienta a praticar um ritual ancestral de sacrifício. É aí que o filme começa a ficar bizarro.

Ele sacrifica uma vaca vermelha, com direito a altar e pira funerária. Banha-se com as cinzas da vaca e, ao voltar pra cidade, descobre que tem o poder de ver estranhas criaturas parasitando as pessoas. São as marcas comerciais. 

Ele irá entender que as marcas são uma espécie de doença mística, quase como demônios ou parasitas espirituais que se apoderam das pessoas e as obrigam a consumir produtos.

Isto é uma visão totalmente nova acerca do funcionamento do mercado e da propaganda. Misha acreditava que o criador do marketing fora Lenin, com todo o aparato propagandístico que usou pra vender a ideia do comunismo (a cor vermelha, a estrela, a promessa de felicidade...). Ele sempre acreditou que o sucesso do marketing dependia exclusivamente de técnica, de usar os artifícios certos.

Sua clarividência revela esta nova e revolucionária verdade: a vontade das pessoas pode ser controlada não por técnica publicitária, mas por forças ocultas, invisíveis, sobrenaturais. E estas entidades se tornam mais fortes quanto mais popular se torna uma marca.

Agora Misha, conhecendo o grande segredo, irá travar uma batalha mitológica, criando entidades para combater as entidades do mercado que encheram a população de hábitos não saudáveis e viciados.

A ideia de uma entidade criada e alimentada pelo pensamento das pessoas não é exclusiva do filme. Na teosofia, desenvolvida no século XIX, fala-se em “formas pensamento” e em “egrégoras”. São seres produzidos pela mente humana e mesmo pela coletividade. Décadas depois o psicanalista Jung iria desenvolver uma teoria semelhante acerca do inconsciente coletivo. 

Sem contar que todas estas ideias podem remontar a Platão, que via uma segunda realidade além do mundo físico, o mundo das ideias. Na verdade, seria esta a primeira realidade e o nosso mundo material seria apenas uma criação posterior.

Curiosamente, o episódio 134 dos Simpsons, exibido em outubro de 1995 por ocasião do Halloween, aborda uma história em que as marcas de produtos ganharam vida, aterrorizando as pessoas.

Branded é um filme genial e pouco compreendido, pois ganhou pouca repercussão. É altamente recomendado para interessados em publicidade e marketing, e, claro, para estudiosos de gnosticismo e filosofias neoplatônicas. Além disso, é um tipo diferente de distopia onde a decadência da sociedade se dá pelo domínio das marcas sobre a vontade das pessoas.

Natalie Portman e aliens bizarros em Annihilation

Annihilation (2018)

Um pequeno meteoro cai em um farol e desencadeia um estranho fenômeno, criando uma espécie de bolha que vai se expandindo e causando alterações no ambiente. Um grupo de militares é enviado, mas só um homem retorna, depois enviam um grupo de cientistas e só uma mulher retorna.

Annihilation (2018)

A história é bem simples e, apesar dos personagens estarem sempre falando que não entendem o que está acontecendo, está claro que algum esporo alienígena que veio com o meteoro operou mutações genéticas naquela região, criando novas formas de vida, criaturas estranhas, e a tendência era que isso se expandisse, "terraformando" todo o planeta, moldando um novo ecossistema alienígena. 

O desenrolar da história focada nas cinco cientistas tem um tom de terror, especialmente a cena do urso mutante que após atacar uma delas passa a imitar a voz da vítima gritando por socorro, o que é realmente bem medonho. Tem algumas cenas gore e de suspense, mas também há uma beleza gráfica nos cenários (as gazelas com chifres que parecem galhos com flores são bem bonitas).

Annihilation (2018)

No fim, a protagonista, interpretada pela Natalie Portman, chega no farol e entra num ambiente uterino, enfrentando e incendiando uma criatura humanoide, o que faz com que todo o resto do ecossistema se desfaça. Todavia, fica no ar uma sugestão de que os dois sobreviventes, a mulher e o homem, já não são mais humanos e carregam em si a mutação, de modo que serão como novos Adão e Eva, trazendo uma nova espécie ao mundo. Isso tudo fica subentendido apenas, não há muitas explicações.

No mais, é uma história pouco atraente, ao menos para mim. Em certos momentos pareceu até entediante, mesmo com o suspense e as cenas de perigo. Um detalhe interessante foi o da cientista lendo um livro chamado A Vida Imortal de Henrietta Lacks, que é um livro interessantíssimo (inclusive virou filme) sobre essa mulher cujas células apresentaram um processo de multiplicação perpétua, como uma linhagem imortal, de modo que até hoje muitos laboratórios utilizam cópias destas células em suas pesquisas.

Annihilation (2018)

Além dessa camada superficial em que temos a história de uma contaminação alienígena em um ambiente, o filme também pode ser uma metáfora para o câncer, um tema comentado com frequência pelos personagens. O envio de soldados e cientistas para o cenário mutante pode representar as medidas para se combater o câncer. O fato da entidade alienígena ser incendiada, por exemplo, pode ser uma figura para a radioterapia que queima as células cancerígenas.

Titans

Titans (2018-)

Quando essa série foi anunciada, a primeira impressão que tive foi que a aparência dos personagens estava muito cospobre (até postei sobre isso aqui). O Robin até que estava com um visual bem fiel, mas os outros eram mais ou menos e a Starfire parecia irreconhecível com aquele cabelo rosa e roupas de perua.

De toda forma, resolvi dar uma chance. A série já começa chutando a porta e sem medo de adotar o famoso tom dark da DC. O Robin parece um psicopata, espanca, aleija e até mata; a Starfire carboniza pessoas e depois age como se nada tivesse acontecido. 

O mais normalzinho e inocente do grupo é o Mutano. Starfire sofre de amnésia ao longo da primeira temporada. Robin vive conflitos de identidade e tem claramente issues não resolvidos sobre a sua experiência anterior com o Batman. A Ravena, em vez de simplesmente ter poderes místicos, parece mais que sofre de dissociação de personalidade ou que está possessa por uma entidade. Enfim, são jovens bem problemáticos, o que é legal para a série.

Outra coisa legal são os crossovers. Assim como outras séries da DC (o Arrowverse, Legends of Tomorrow, etc.), eles não economizam em trazer novos personagens dos quadrinhos. Tem a Donna Troy, Jason Todd, Columba e Rapina, além do grupo Doom Patrol (que depois ganhou um spin-off). Aliás, na primeira vez que apareceu o Doom Patrol cheguei a achar que o Robotman era o Cyborg numa versão cospobre.

Robotman, Titans (2018-)
Homem de Lata do Mágico de Oz, digo Cyborg, digo Robotman.

O arco envolve um grupo fanático perseguindo a Ravena e apesar dela ser possivelmente a mais poderosa do grupo, foi reduzida a uma garotinha medrosa (e até fofa demais, se comparar com a Ravena da série animada) e que os outros estão sempre tentando proteger. Paralelamente, o Robin tem seu arco de superar os problemas com o Batman e a Starfire de recuperar a memória. Quanto ao Mutano é o menos desenvolvido dos personagens e seu poder é meio patético, já que apenas vira um tigre e sempre tem que se despir antes da transformação. 

A trama na verdade não me interessou, mas as cenas de ação são boas e não há receios em ter cenas violentas e sanguinárias. Curiosamente, o episódio que mais gostei não envolvia os Titans em si, mas a dupla Rapina e Columba (versão brasileira de Hawk and Dove, que em inglês realmente parece mais cool). Um episódio de flashback mostra como o casal se conheceu em meio à perda de entes queridos e como se identificaram no desejo de se tornarem vigilantes.

A temporada termina com uma história que se passa na cabeça do Robin (que está sob efeito de um encantamento). Batman passou dos limites e matou o Coringa, então Robin tenta convencê-lo a não ceder ao lado negro e acaba tendo de lutar contra ele. Batman só aparece como uma silhueta ou nas sombras, de modo que nunca vemos o rosto, mas até que isso deu um ar interessante, fazendo do morcego uma ameaça fantasmagórica.

Batman, Titans

60's Batman reference in Titans
Olhaí uma referência ao Batman do Adam West.


A nonalogia Star Wars

Star Wars

É inegável a popularidade da franquia Star Wars. É a obra máxima da carreira de George Lucas, a space opera mais célebre e um dos fenômenos mais marcantes da cultura nerd e de ficção científica. 

A série e seus personagens como Yoda e Darth Vader, bem como o famoso sabre de luz com seu zumbido peculiar (uooom), são conhecidos até por quem nunca assistiu um episódio sequer. Star Wars está impregnada na cultura popular, já se tornou folclórica, uma mitologia moderna. Seu sucesso também se mede em dinheiro. Foi a terceira franquia mais lucrativa do cinema, depois de Harry Potter e James Bond.

Darth Vader

A série aborda uma galáxia habitada por diversas civilizações que vivem sob um governo central, inicialmente uma república que se torna um império tirânico após um golpe de Estado. Esta tirania será combatida por grupos rebeldes e nisto consiste a “guerra nas estrelas”. 

Natalie Portman as Padmé

Um tipo especial e raro de guerreiro existe nesta galáxia, os jedi, seres de raças diversas que têm em comum um talento relacionado ao poder cósmico e espiritual conhecido como “a Força”. A Força tem também um lado negro, seguido pelos sith, antagonistas dos jedi. Ambos usam a mesma arma, o sabre de luz, uma espada com lâmina de pura energia.

Darth Maul

A mitologia Star Wars é realmente vasta. A lista de fanfics e livros não oficiais baseados na série é imensa, além de ter inspirado jogos eletrônicos, especiais de TV, revistas em quadrinhos e as séries animadas Clone Wars (2003-2005), The Clone Wars (2008-2012), Star Wars Rebels (2014-2018), dentre outras.

Luke and Leia

Quanto aos filmes clássicos, a ordem cronológica da saga é a seguinte:

Episódio 1: A Ameaça Fantasma (lançado em 1999);
Episódio 2: O Ataque dos Clones (lançado em 2002);
Episódio 3: A Vingança dos Sith (lançado em 2005);
Episódio 4: Uma Nova Esperança (o primeiro, lançado em 1977 e que ganhou 6 Oscars);
Episódio 5: O Império Contra-ataca (lançado em 1980);
Episódio 6: O Retorno de Jedi (lançado em 1983).

Darth Tyranus

Os filmes não foram lançados segundo a ordem cronológica, pois, na década de 70, George Lucas preferiu começar pela parte que considerava mais atraente para o grande público, envolvendo Luke Skywalker e seu pai Darth Vader. Só após um hiato de 15 anos lançou uma trilogia que contaria as histórias mais antigas, desde a infância daquele que seria o Darth Vader. 

Em 2012 a Disney comprou a franquia e deu início a uma nova série de filmes, continuando a história dos anteriores e assim dando prosseguimento a uma das mais longas séries do cinema.

A primeira produção da Disney foi Star Wars: The Force Awakens (2015), que é, portanto, o episódio 7 da saga. Em seguida veio Rogue One (2016), uma história derivada, spin-off. Em 2017 temos o episódio 8, Star Wars: The Last Jedi, seguido por outro spin-off sobre  Han Solo (2018). Por fim, em 2019 teremos o episódio 9.

Star Wars

Assim completa-se uma nonalogia, uma trilogia de trilogias. A trilogia clássica foi centrada em Luke, Leya e Han Solo, a trilogia dos anos 90 e 2000 (considerada a pior, até pelos fãs) é centrada no Darth Vader, Obi Wan e tem o controverso Jar Jar Binks. Já nessa trilogia mais recente a saga segue adiante para uma nova geração de heróis e vilões, especialmente a Rey (que é um novo Luke Skywalker) e Kylo Ren (um novo Darth Vader). Politicamente, as três trilogias se dividem em Era da República, Era da Rebelião e Era da Resistência.

Leia and Darth Vader