Na história do cinema, houve diferentes fases e tipos de heróis de ação. Logo no comecinho teve os heróis de "capa e espada", bem como de "bang bang", o famoso western. Dois bons exemplos destes tipos são o Zorro e os personagens do Clint Eastwood.
Aí a influência da guerra fria inspirou os heróis militares e espiões, como James Bond, e os tipos mais futuristas, chegando ao auge da popularidade com os jedi de Star Wars, que curiosamente eram uma versão futurista dos clássicos capa e espada. O jedi é um Zorro do espaço.
Um ator que marca a transição do western para os heróis urbanos é o Charles Bronson. Ele teve sua fase western, por exemplo, em Era uma vez no Oeste (1968) e Sete Homens e um Destino (1960) e se tornou bastante popular na pentalogia Desejo de Matar (1974-1994), sendo uma inspiração para outros brucutus com uma pegada mais policial.
Eis que, no finalzinho dos anos 70 e especialmente nos anos 80 e 90, reinou a era dos brucutus. Eram os caras fortões, cheios de músculos e armas, resolvendo as coisas no tiro, porrada e bomba. Os atores desta fase ficaram milionários. Aí temos o Stallone, Schwarza, Van Damme, Jet Li, etc.
Pois bem, foi no Rambo que esta fórmula se consagrou, lá em 1982. É curioso que os tais filmes de brucutu se tornaram famosos pela superficialidade de seus personagens e o absurdo das cenas de ação, com marmanjos cobrindo o corpo de granadas e atirando com metralhadoras nas duas mãos, mas o primeiro Rambo foi bem diferente disto. Rambo era profundo, pode-se dizer que foi um filme cult.
Rambo é o primeiro brucutu. Ele é o cara que sozinho dá uma surra em um bando de marmanjos, o exército de um homem só. A cena de fuga em uma moto, perseguido por uma viatura, será bem comum em diversos outros filmes de ação. Escondido na floresta, ele se torna o survivalista, se virando com o que acha no cenário. Fabrica de improviso uma manta de frio com uma lona, usa o cenário da floresta para criar armadilhas contra seus perseguidores, tática repetida em 1987 por Schwarzenegger contra o Predador.
Foi depois de Rambo que veio a versão sci-fi do brucutu, no Terminator (1984) do Schwarza. Chuck Norris seguiu o caminho inverso no tempo e voltou para o passado em Braddock (1985). Braddock é como uma prequel de Rambo, pois conta a história de um soldado ainda nos tempos do Vietnã.
Com estes três, Stallone, Arnold e Chuck Norris, estava criado o gênero de brucutus, produzindo uma grande safra de filmes genéricos de guerra focada no soldado fodão, o exército de um homem só, o brucutu.
A fórmula seguiu recebendo novos ingredientes. Van Damme, em O Grande Dragão Branco (um título bem mais chamativo que a versão original em inglês Bloodsport, 1988), optou por seguir a influência do gênero de ação asiático de artes marciais, especialmente a inspiração de Bruce Lee.
Nem todo brucutu, porém, era uma montanha de músculos. Foi o caso do já citado Jet Li que, seguindo o modelo do Bruce Lee, era um artista marcial que se destacava não pela força bruta, mas pelo talento na arte da luta.
Jet Li consolidou o gênero de artes marciais em Hollywood, um gênero que no oriente era bastante popular há décadas e que ganhou alcance mundial com o Bruce Lee.
Chuck Norris foi outro que conseguiu ser o fodão do cinema de ação sem precisar exibir um corpo gigantesco. Também é o caso do Bruce Willis. Enfim, pra ser brucutu não necessariamente é preciso ser uma montanha de músculos, mas tem que ser durão.
Em Duro de Matar (1988), Bruce Willis encarna o brucutu, mas não como soldado ou artista marcial, e sim um policial das ruas. Ele é o cara que enfrenta sozinho toda uma máfia e "escapa fedendo", mas vivo.
Em 1999 somos apresentados a um tipo bem peculiar de brucutu, em Matrix. Neo, bem como seus parceiros Morpheus e Trinity, são os rambos do mundo virtual, enfrentando agentes e travando uma guerra contra toda aquela realidade digital. Ora usando "guns, lots of guns", ora lutando kung fu, Neo e os demais são uma mistura de Rambo com Van Damme, em um cenário sci-fi.
Tom Cruise, na franquia Missão Impossível, reviveu o gênero de espião (o filme foi baseado na série dos anos 60), mas dando ares de brucutuzice ao personagem. Diferente de um James Bond, que atuava mais com foco em gadgets tecnológicos e seu charme, o Ethan Hunt, embora recorresse muito à tecnologia, se destacava mais pelas suas habilidades atléticas e seu impressionante intelecto.
Assim, o Tom Cruise criou o brucutu gênio. É um cara que tem as habilidades básicas dos brucutus, sabe lutar, usar armas diversas, etc, mas seu forte mesmo é a inteligência fora do comum. Ele consegue memorizar números gigantescos, uma lista inteira de telefones, consegue devendar enigmas, enfim, é quase um Batman.
Já nos anos 2000, surgiu a série de filmes Bourne, começando por Identidade Bourne (2002), depois outros tantos títulos com "Bourne alguma coisa". Jason Bourne, interpretado por Matt Damon, é bem no estilo Ethan Hunt, um cara com uma inteligência fora do normal e que ele direciona em atividades como espionagem e caçada a criminosos.
Em 2012, foi a vez do Tom Cruise reviver o tipo de herói brucutu-gênio com o Jack Reacher. Reacher até que é bom de briga, mas não é fortão e em algumas cenas de luta ele vence mais pela malandragem do que pela força. Seu negócio mesmo é o intelecto.
O segundo filme, Jack Reacher: Never Go Back (2016), investe mais no aspecto emocional do personagem, quando ele conhece uma garota que supostamente é sua filha e com a qual logo desenvolve um laço afetivo, quebrando a sua casca durona e aparentemente sem sentimentos.
Por fim, agora em 2022 o personagem ganhou uma série, mas não interpretada pelo Tom Cruise e sim pelo gigante de 1,88 m Alan Ritchson. Ritchson acabou criando um híbrido de brucutu dos anos 90, alto e fortão, com o brucutu-gênio do tipo do Ethan ou do Bourne.
Aliás o Reacher da série tem uma mente bem mais afiada que a versão do Tom Cruise. A série segue mais o modelo de programa de investigação criminal, de modo que este Reacher parece uma versão musculosa do Sherlock, da série Elementary. Só que ele não fica só na investigação e deduções brilhantes baseadas em mínimos detalhes. Quando é preciso, este Reacher cai na porrada e manda um monte de gente pro hospital ou pro cemitério.
Há, porém, um detalhe no personagem Reacher (que originalmente surgiu numa série de livros do autor Lee Child) que o torna peculiar: ele é um andarilho. O cara simplesmente não tem casa, nem veículo, nem família, nem mesmo telefone (mas tem uma conta bancária por meio da qual recebe uma pensão, pois ele é um ex-militar).
Reacher anda pelo mundo sem nem mesmo levar uma mochila. Ele literalmente só tem a roupa do corpo e leva uma vida minimalista, viajando de ônibus e hospedando-se em motéis de beira de estrada. É o brucutu mais desapegado de todos.
O gênero de brucutus se tornou um dos mais marcantes e influentes do cinema, oferecendo ao mundo um panteão de memoráveis figuras. O game Broforce (2014) faz uma interessante homenagem a diversos destes personagens, incluindo homens, mulheres, aliens e robôs.
É bom notar que Rambo não foi o "primeiro filme de brucutu" no sentido de ter sido ele o primeiro personagem desse estilo. Ora, anos antes tivemos o Mad Max (1979) ou a Ellen Ripley de Alien (1979). Rambo, porém, consagrou o gênero, se tornou seu grande símbolo e sinônimo.
O gênero de ação desde o início dos anos 2000 foi sendo gradativamente dominado pelos filmes de super-heróis, começando com Blade (1998) e os X-Men (2000) e chegando ao auge em Vingadores Ultimato (2019).
Assim, os filmes de brucutu foram perdendo espaço, se resumindo a continuações de antigas franquias, como é o caso do próprio Rambo, ou homenagens em tom de paródia, como a série de filmes Os Mercenários, a partir de 2010.
Até que o gênero renasceu. Não mais como o mainstream do cinema de ação, agora ocupado maciçamente pelos super-heróis, mas com um ar mais cult. Eis que surge John Wick (2014).
John Wick traz tudo que os filmes dos anos 80-90 tinham: muitas armas, luta corporal e um cara que sozinho enfrenta o mundo. A isso se acrescenta uma estética visual noir e neon, criando uma ambientação para aquele mundo fictício em que as ruas parecem estar cheias de mafiosos disfarçados, vivendo em uma sociedade paralela.
Outro diferencial é que John Wick não é um honorável veterano de guerra ou um homem da lei. Ele é um mafioso aposentado, um matador de aluguel. Não que antes não houve casos semelhantes. Leon, em O Profissional (1994) é um bom exemplo de brucutu que não é exatamente um mocinho.
Diferente de um Reacher, que leva uma vida simples, John Wick é um cara rico, com uma fortuna acumulada após vários serviços prestados à máfia. Ele não é um brucutu fortão e também não é um gênio, mas é um cara focado em apenas uma habilidade: matar. Ninguém mexe com John Wick, pois ele é uma força imparável quando estabelece um alvo.
John Wick não tem lado, não está lutando pela pátria ou por ninguém, nem mesmo está vingando a morte de algum ente querido. Ok, pode-se dizer que ele vinga o cachorrinho, mas a verdade é que ele não vingou o cachorro. O fofo bichinho foi a última lembrança deixada por sua falecida esposa, de modo que, quando mataram o cachorro, despertaram a fúria adormecida do assassino Wick que teve seu luto perturbado. Ele não estava se vingando, mas se irando. John Wick era o demônio adormecido que arde em fúria quando algum aventureiro o desperta de seu sono.
Nisto John Wick se diferencia de todos os outros brucutus. Ele assemelha-se um pouco com Mad Max, no sentido que seu objetivo, sua missão enquanto personagem, é simplesmente sobreviver. Mas até o Mad Max tentou salvar pessoas, praticar atos heroicos, enquanto Wick só queria extravasar a fúria e, depois disso, sobreviver àqueles que tentarão dar o troco.
John Wick é o mais individualista dos brucutus e o menos heroico. Isto não o torna menos honrado, inclusive ele age seguindo certos protocolos da etiqueta da máfia e até demonstra algum tipo de piedade para alguns adversários. Mas no fim das contas, a mensagem que John Wick passa é: não quero fazer inimigos, quero seguir em paz, mas quem se meter no meu caminho eu vou atropelar. Afinal brucutus nunca levam desaforo pra casa.
John Wick foi a grande renascença do filme de ação baseado em armas e pancadaria, uma homenagem aos velhos tempos antes de toda esta pirotecnia de CGI e heróis com superpoderes.
No mesmo ano em que saiu John Wick 3 (2019), também fomos surpreendidos com o retorno de Rambo em Last Blood (2019). Há uma notável semelhança em ambos, pois o Rambo de Last Blood já não é mais um soldado e sim uma força vingativa imparável.
Nota-se, portanto, que o gênero brucutu está de volta, após alguns anos de dormência. O herói que é o exército de um homem só voltou a brilhar no cinema e agora munido com muito mais qualidade técnica, melhores efeitos práticos e CGI do que as tosqueiras dos anos 90.
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