A única coisa paia no filme foi este poster. |
Dá-se muito o mérito da impressionante filmagem aparentemente sem cortes de 1917 (2019) ao trabalho de edição. A edição deste filme é primorosa, com certeza, mas a verdade é que são usados truques bem simples para dar a impressão de plano-sequência.
Por exemplo, logo na primeira cena, acompanhamos a dupla de soldados caminhando pela trincheira e, após cerca de 3 minutos, uns soldados passam na frente deles carregando uma caixa que cobre toda a tela. É o momento ideal para fazer um corte de cena. Quando a caixa desobstrui a tela, a caminhada dos dois continua e eles entram numa toca para encontrar o general. Quando saem da toca, a tela fica preta por um momento, quando estão passando pela cortina. Eis outra oportunidade para um corte.
Estes dois exemplos já bastam para mostrar como é possível, com truques simples, ir montando cenas que foram gravadas em takes diferentes a cada 3 ou 5 minutos. Estas cenas, porém, não seriam possíveis se não fosse a ampla e detalhista composição do cenário. É o imenso cenário que possibilita a construção do plano-sequência.
Normalmente os cenários de filmes são feitos de vários sets construídos em locais diferentes. O set pode ser uma pequena sala para uma cena indoor, um galpão para um cenário maior ou um campo aberto para algo ainda mais amplo. Pode ser uma rua em uma cidade, de modo que a produção solicita à prefeitura permissão para interditar alguns quarteirões e assim colocar os atores e figurantes para gravar ali.
Logo, os cenários são picotados, distribuídos em sets diferentes e é a edição que irá criar um link entre as cenas. No caso de 1917, quase não existem sets separados, mas apenas um gigantesco set no qual os protagonistas vão se movendo acompanhados pela câmera. É este formidável cenário que permitiu a criação de um plano-sequência tão elaborado.
O set começa nas proximidades de uma trincheira, com os dois soltados cochilando. Eles acordam e caminham até a trincheira, passam por ela até a toca do general, saem e seguem dobrando as esquinas da trincheira e sobem para um campo devastado, cheio de crateras, árvores queimadas, carcaças de cavalos, corpos de soldados, etc, etc. É a chamada "terra de ninguém" (no man's land), tão emblemática quanto as trincheiras na história da Primeira Guerra.
O Benedict Cumberbatch tem uma rápida aparição como o arrogante Coronel Mackenzie. |
E o cenário vai se expandindo à medida em que Schofield, o protagonista, avança. Ele passa por edificações semidestruídas, encontra colegas e inimigos, é levado por um rio e caminha em uma floresta, enfim chegando em outra trincheira onde deve entregar sua mensagem. Até mesmo na floresta vemos o detalhismo da montagem de cenário, pois algumas árvores estão retorcidas.
Isto é algo que o filme faz questão de enfatizar: em toda parte a guerra deixa marcas, o cenário está todo maculado, a natureza danificada intencional ou acidentalmente. Há árvores derrubadas, animais mortos, crateras.
Além do trabalho de edição e da construção do cenário, também outro elemento importante nesta obra-prima foi a movimentação da câmera. A câmera acompanha o protagonista de forma obsessiva, focada, subindo e descendo, entrando e saindo, dando voltas. Se ele sobe em um caminhão, a câmera sobe junto, se é levado pelo rio, a câmera o acompanha correnteza abaixo. É difícil imaginar como diabos eles conseguiram fazer isto. Drones? Gruas? Guindastes? Trilhos? De fato usaram de tudo.
Além dos atores, a equipe de câmera também teve que correr muito durante as cenas. |
A câmera é como um protagonista no filme. Ela está presente como um repórter de guerra a correr junto com os soldados. A mesma câmera ora está na mão de um cameraman, ora é transferida para uma grua ou para um veículo, no esforço contínuo de não perder o protagonista de vista e proporcionando ao público uma impressionante sensação de imersão.
Quanto à história, lembra o clássico evento da batalha de Maratona, quando o soldado Fidípedes foi enviado em busca de ajuda e correu dezenas de quilômetros para cumprir sua missão solitária e quase impossível.
No começo, dois soldados, Blake e Schofield, são enviados numa missão de entregar uma ordem superior para o Coronel Mackenzie a fim de salvar centenas de soldados de uma emboscada alemã. Blake é morto logo no início, de modo que Schofield se torna o Fidípedes, sempre avançando obstinado, superando todo o trauma da guerra e os terrores que presencia a fim de evitar um massacre.
A morte de Blake serviu para deixar claro que eles estavam em uma guerra, pois ingenuamente tentaram ajudar um soldado alemão ferido e o sacana puxou uma faca e matou Blake. Guerra é isto. Não há espaço para confiança cega em estranhos.
No final, após passar por toda essa maratona, Schofield senta-se debaixo de uma árvore, quando enfim pode descansar. Assim o filme termina com uma cena semelhante ao começo, só que agora Schofield está sozinho, enquanto olha as fotos de sua esposa e filhas que o aguardam em casa.
1917 é um filme bastante autoral e até intimista de Sam Mendes. Ele está presente na obra tanto no roteiro quanto na produção e direção, além disso, a história é baseada em um relato de seu avô, Alfred Mendes, que lutou na Primeira Guerra.
O mérito deste brilhante filme deve ser justamente distribuído, pois além do trabalho dedicado de Sam Mendes, também foi importantíssima a participação de Roger Deakins, o diretor de fotografia (que ganhou Oscar por isto), também Krysty Wilson-Cairns, que foi co-roteirista, Lee Smith, responsável pela edição e Thomas Newman, que compôs a trilha sonora.
Na cena mais climática, quando Schofield corre em meio a um bombardeio, a câmera o acompanha em um carro. As explosões não são CGI, mas efeitos práticos. |
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