Breaking Bad (2008-2013) foi um fenômeno, uma das melhores séries de máfia já feitas. Dois anos depois de seu término, surgiu um spin-off focado no advogado malandrão Jimmy McGill, Better Call Saul (2015-). Em 2019 veio o filme El Camino, agora tendo como protagonista o Jesse Pinkman.
Assim como Breaking Bad, Better Call Saul mostra o mundo do crime. Há crime em toda parte, tráfico de drogas, assassinatos e pequenas malandragens, que é onde o Saul (na verdade um pseudônimo de Jimmy) se encaixa. O caso dele, porém, é mais complexo.
Ele não é uma pessoa amoral ou sem compaixão. Ao contrário, em diversas situações ele demonstra sentir o peso da consciência e se importa com o bem estar de outras pessoas. Todavia, ele tem algo na sua natureza, uma rebeldia e teimosia naturais.
No primeiro episódio da segunda temporada, essa natureza do personagem é bem ilustrada em uma pequena cena. Ao entrar em uma sala, ele vê um interruptor na parede com um aviso: "Mantenha sempre ligado, não desligue". A maioria das pessoas simplesmente deixaria a coisa como está, mas para ele aquele recado foi um desafio à sua rebeldia. É como uma coceira existencial. Ele não resiste à vontade de quebrar uma regra. Então removeu o papel com o aviso e apertou o botão do interruptor.
Outro momento trivial que também serve para descrever a psiquê de Jimmy é a cena do porta-copos do carro. Todos os dias quando entra no carro ele passa raiva porque o porta-copos é milimetricamente menor que o copo que ele usa, de modo que nunca consegue encaixar o copo. Um dia ele decide resolver isso e quebra um pedaço do porta-copos, finalmente abrindo espaço para o copo.
Ou seja, ele deu um jeitinho no que estava "certo" segundo o padrão de fábrica, para que a coisa se encaixasse na sua necessidade. Assim é ele na vida. Ele quebra coisas, mas para torná-las úteis aos seus propósitos. Se algo que está perfeito não lhe serve, ele escolhe o jeito imperfeito. Jimmy é um pragmático e de um pragmatismo hedonista, pois o fim último é encontrar uma forma de viver que lhe agrade.
O momento mais descritivo e decisivo sobre a formação da mente dele está em uma memória de infância (temporada 2, episódio 7). Jimmy tinha um pai muito honesto e trouxa. Um dia entrou um malandro na loja dele e inventou uma história para pedir dinheiro. O jovem Jimmy percebeu logo que era um golpe, mas o pai preferiu dar um voto de confiança. Essa ingenuidade decepcionou o garoto.
Então o malandro falou para o menino: "Existem lobos e ovelhas no mundo. Descubra qual você vai ser". A partir daí o garoto passou a roubar dinheiro do caixa do pai porque ele entendeu que a honestidade era uma fraqueza dele e não um bom exemplo. Se o mundo está cheio de pessoas mal intencionadas, ser honesto é deixar que elas se aproveitem de você. Como um mecanismo de sobrevivência, ele optou pelo caminho da malandragem para não ser vítima de malandros, como seu pai fora.
Por outro lado, o irmão dele, Chuck, seguiu à risca o exemplo do pai e provavelmente não presenciou os momentos em que este era tapeado por pilantras, de modo que sua fé na honestidade seguiu imaculada. Chuck passou a odiar o irmão porque este se desviou do caminho honesto ensinado pelo pai e assim seguiram ambos em rumos opostos, num perpétuo conflito de visões de mundo.
Todavia, não se pode dizer que Jimmy se tornou malandro só porque viu o seu honesto pai sendo vítima de malandragem. Talvez o Chuck reagisse de forma diferente. Pode ser tudo uma questão inata, a natureza da personalidade de cada um. Chuck é ordem, Jimmy é caos.
A Kim, companheira de Jimmy, também faz parte deste conflito de ordem e caos. Ela é alinhada à ordem, quer fazer tudo certo, possui muita disciplina, um senso de hierarquia e é bastante focada em seus objetivos profissionais. Sua personalidade é forte e independente. Na relação com o Jimmy, ele é o namorado meloso, enquanto ela tem um romantismo mais contido, porém claro, convicto e sem rodeios.
Diferente do Chuck, que encara o caos do irmão como um adversário à sua ordem, Kim, ainda que cultive a ordem e discorde abertamente das decisões caóticas do Jimmy, não tenta transformá-lo. Ela respeita os limites da individualidade. "Você tem o seu jeito de fazer as coisas e eu tenho o meu". Para ela, desde que ela possa viver da maneira dela, não é um problema que alguém como Jimmy viva da maneira dele e ela consegue conciliar este contraste entre ambos de modo a nutrir um romance, a união pacífica de uma pessoa caótica e uma ordeira.
Afinal, Kim também sabe abrir espaço para um pouco de caos em sua vida. Ocasionalmente ela aceita participar dos golpes que ele dá em estranhos no bar só pela brincadeira, mas para ela existe um limite. Isso é apenas um momento de zoeira para ela, enquanto para ele é estilo de vida.
Kim também tem seus momentos triviais que a descrevem. Em uma ocasião, por exemplo, ela trabalhou até tarde digitando um documento e cismou com um trecho em que ficou em dúvida se usava ponto ou ponto de vírgula. Enfim decidiu, imprimiu o documento e já estava pronta para sair. Aí arrependeu-se e voltou ao computador para rever essa questão da pontuação, um detalhe minúsculo que para a maioria das pessoas não teria a menor importância, mas ela fez questão de dedicar vários minutos de trabalho só para resolver isso.
Kim é claramente perfeccionista e detalhista, mais um aspecto em que é diferente de Jimmy que não faz a menor questão por fazer algo perfeito. Ele gosta de impressionar, mas não se atém a detalhes mínimos e sua prioridade não é fazer o melhor, mas simplesmente fazer e o quanto antes.
Ele não é uma pessoa amoral ou sem compaixão. Ao contrário, em diversas situações ele demonstra sentir o peso da consciência e se importa com o bem estar de outras pessoas. Todavia, ele tem algo na sua natureza, uma rebeldia e teimosia naturais.
No primeiro episódio da segunda temporada, essa natureza do personagem é bem ilustrada em uma pequena cena. Ao entrar em uma sala, ele vê um interruptor na parede com um aviso: "Mantenha sempre ligado, não desligue". A maioria das pessoas simplesmente deixaria a coisa como está, mas para ele aquele recado foi um desafio à sua rebeldia. É como uma coceira existencial. Ele não resiste à vontade de quebrar uma regra. Então removeu o papel com o aviso e apertou o botão do interruptor.
Outro momento trivial que também serve para descrever a psiquê de Jimmy é a cena do porta-copos do carro. Todos os dias quando entra no carro ele passa raiva porque o porta-copos é milimetricamente menor que o copo que ele usa, de modo que nunca consegue encaixar o copo. Um dia ele decide resolver isso e quebra um pedaço do porta-copos, finalmente abrindo espaço para o copo.
Ou seja, ele deu um jeitinho no que estava "certo" segundo o padrão de fábrica, para que a coisa se encaixasse na sua necessidade. Assim é ele na vida. Ele quebra coisas, mas para torná-las úteis aos seus propósitos. Se algo que está perfeito não lhe serve, ele escolhe o jeito imperfeito. Jimmy é um pragmático e de um pragmatismo hedonista, pois o fim último é encontrar uma forma de viver que lhe agrade.
O momento mais descritivo e decisivo sobre a formação da mente dele está em uma memória de infância (temporada 2, episódio 7). Jimmy tinha um pai muito honesto e trouxa. Um dia entrou um malandro na loja dele e inventou uma história para pedir dinheiro. O jovem Jimmy percebeu logo que era um golpe, mas o pai preferiu dar um voto de confiança. Essa ingenuidade decepcionou o garoto.
Então o malandro falou para o menino: "Existem lobos e ovelhas no mundo. Descubra qual você vai ser". A partir daí o garoto passou a roubar dinheiro do caixa do pai porque ele entendeu que a honestidade era uma fraqueza dele e não um bom exemplo. Se o mundo está cheio de pessoas mal intencionadas, ser honesto é deixar que elas se aproveitem de você. Como um mecanismo de sobrevivência, ele optou pelo caminho da malandragem para não ser vítima de malandros, como seu pai fora.
Por outro lado, o irmão dele, Chuck, seguiu à risca o exemplo do pai e provavelmente não presenciou os momentos em que este era tapeado por pilantras, de modo que sua fé na honestidade seguiu imaculada. Chuck passou a odiar o irmão porque este se desviou do caminho honesto ensinado pelo pai e assim seguiram ambos em rumos opostos, num perpétuo conflito de visões de mundo.
Todavia, não se pode dizer que Jimmy se tornou malandro só porque viu o seu honesto pai sendo vítima de malandragem. Talvez o Chuck reagisse de forma diferente. Pode ser tudo uma questão inata, a natureza da personalidade de cada um. Chuck é ordem, Jimmy é caos.
A Kim, companheira de Jimmy, também faz parte deste conflito de ordem e caos. Ela é alinhada à ordem, quer fazer tudo certo, possui muita disciplina, um senso de hierarquia e é bastante focada em seus objetivos profissionais. Sua personalidade é forte e independente. Na relação com o Jimmy, ele é o namorado meloso, enquanto ela tem um romantismo mais contido, porém claro, convicto e sem rodeios.
Diferente do Chuck, que encara o caos do irmão como um adversário à sua ordem, Kim, ainda que cultive a ordem e discorde abertamente das decisões caóticas do Jimmy, não tenta transformá-lo. Ela respeita os limites da individualidade. "Você tem o seu jeito de fazer as coisas e eu tenho o meu". Para ela, desde que ela possa viver da maneira dela, não é um problema que alguém como Jimmy viva da maneira dele e ela consegue conciliar este contraste entre ambos de modo a nutrir um romance, a união pacífica de uma pessoa caótica e uma ordeira.
Afinal, Kim também sabe abrir espaço para um pouco de caos em sua vida. Ocasionalmente ela aceita participar dos golpes que ele dá em estranhos no bar só pela brincadeira, mas para ela existe um limite. Isso é apenas um momento de zoeira para ela, enquanto para ele é estilo de vida.
Kim também tem seus momentos triviais que a descrevem. Em uma ocasião, por exemplo, ela trabalhou até tarde digitando um documento e cismou com um trecho em que ficou em dúvida se usava ponto ou ponto de vírgula. Enfim decidiu, imprimiu o documento e já estava pronta para sair. Aí arrependeu-se e voltou ao computador para rever essa questão da pontuação, um detalhe minúsculo que para a maioria das pessoas não teria a menor importância, mas ela fez questão de dedicar vários minutos de trabalho só para resolver isso.
Kim é claramente perfeccionista e detalhista, mais um aspecto em que é diferente de Jimmy que não faz a menor questão por fazer algo perfeito. Ele gosta de impressionar, mas não se atém a detalhes mínimos e sua prioridade não é fazer o melhor, mas simplesmente fazer e o quanto antes.
Quem rouba a cena é o Mike. No começo ele é apenas o velho rabugento que cuida da cancela de um estacionamento e tem poucos segundos de tela, quando interage com o Jimmy. Então no episódio 6 finalmente é apresentado um pouco da sua história, a relação com a nora e sua saga para vingar o filho morto.
O personagem tem uma presença forte. É um idoso durão, com um passado de policial e mesmo agora aposentado você nota que ele não é alguém que possa ser intimidado. Sua personalidade racional, direta e de poucas palavras acrescenta um curioso charme.
O senso de responsabilidade de Mike, porém, faz com que ele acabe se envolvendo mais e mais em problemas que tenta resolver. Seus problemas vão se acumulando como um grande karma. Cada vez que resolve uma treta, outra maior aparece, de modo que termina se tornando capanga do mafioso Gus Fring.
Fring foi um dos personagens mais marcantes de Breaking Bad, um homem frio, robótico, metódico e ao mesmo tempo carismático e diplomático, um enxadrista que planeja bem cada decisão, sendo um amigo leal e um inimigo implacável. Ele surge na terceira temporada de Better Call Saul para completar a coleção de personagens interessantes deste universo.
Better Call Saul funciona como uma prequel de Breaking Bad. Enquanto BrBa conta a história de ascensão e queda do Walter White, aqui vemos tudo o que aconteceu antes dele, a história dos outros personagens que fizeram parte de sua saga: o advogado Jimmy/Saul, o mafioso Fring, o durão Mike, etc.
O senso de responsabilidade de Mike, porém, faz com que ele acabe se envolvendo mais e mais em problemas que tenta resolver. Seus problemas vão se acumulando como um grande karma. Cada vez que resolve uma treta, outra maior aparece, de modo que termina se tornando capanga do mafioso Gus Fring.
Fring foi um dos personagens mais marcantes de Breaking Bad, um homem frio, robótico, metódico e ao mesmo tempo carismático e diplomático, um enxadrista que planeja bem cada decisão, sendo um amigo leal e um inimigo implacável. Ele surge na terceira temporada de Better Call Saul para completar a coleção de personagens interessantes deste universo.
Better Call Saul funciona como uma prequel de Breaking Bad. Enquanto BrBa conta a história de ascensão e queda do Walter White, aqui vemos tudo o que aconteceu antes dele, a história dos outros personagens que fizeram parte de sua saga: o advogado Jimmy/Saul, o mafioso Fring, o durão Mike, etc.
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