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PC versus console na experiência de games

PC vs console

Minhas primeiras experiências com video game na infância foram em console. A primeira vez que pus as mãos em um controle foi o Atari (é, sou véio). Na época o troço era chamado de joystick, o que, pensando bem, é um nome bem estranho ("bastão do prazer"?). Consistia em uma caixinha quadrada com um pau no meio e um botão. Era suficiente para os joguinhos pixelados da época.

Então veio a era Nintendo e Sega e pude experimentar estes revolucionários consoles jogando nas locadoras. Nunca cheguei a ter um em casa, mas eu compensava isso indo todo fim de semana para uma locadora onde passava a manhã jogando no Mega Drive ou Super Nintendo.

Um detalhe curioso: não sei se era assim no país todo, mas na minha cidade a hora de Super Nintendo era mais cara que do Mega Drive. A Sega era considerada mais popular, enquanto a Nintendo era a elite dos jogos. E em certos aspectos era mesmo. O hardware da Nintendo era um pouco melhor, o que permitia jogos mais coloridos e com uma resolução maior.

Estes consoles, porém, foram tratorizados nos anos 2000 com a chegada do Playstation (que era o presente mais desejado nos sorteios do programa Bom Dia & Cia, com a Priscilla e o Yudi cantando "Preisteichon! Preisteichon!").

Ainda cheguei a jogar um Tekken do Playstation nas locadoras, mas a essa altura eu já era adulto e fui me ocupar com mil coisas. Até que comprei um computador. A partir daí me tornei um "PC gamer".

Lembro que gostava de jogar o Damas que vinha no Windows XP, e tinha uns joguinhos tipo Ski na Neve, que você descia esquiando e era engolido por um urso. Também logo descobri os emuladores e matei a saudade dos joguinhos da Nintendo e Sega.

Vivi a era dos MMORPGs, jogando Tibia e Runescape, depois conheci a Steam e foi aí que mergulhei no mundo dos jogos para PC. Só agora em 2020 resolvi finalmente ter um console, o primeiro de toda minha vida. Comprei um Xbox One.

Eu já estava com as mãos bastante habituadas a usar teclado e mouse por mais de uma década e qualquer memória muscular que eu tinha do uso do controle já havia se perdido com o tempo. Quando segurei o controle do Xbox, me pareceu algo estranho e que não encaixava nas mãos.

A primeira surpresa foi quanto ao peso. Lembro como o controle do Super Nintendo era miúdo e levinho, algo que uma criança de sete anos pode segurar com facilidade. Estes controles de hoje parece que são feitos pensando em adultos ou no máximo adolescentes, porque o troço é grande e pesado (principalmente por causa dos dois vibradores que leva nas extremidades).

Eu estava muito acostumado com a leveza do mouse, sem contar que a gente joga com o mouse apoiado na mesa. Essa é uma diferença marcante entre os aparelhos. Jogar com mouse no PC é uma atividade delicada, fina. Não à toa o mouse é preferido em jogos de tiro que exigem mira precisa. A gente move o mouse com as pontas dos dedos, delicadamente. É uma atividade de pouco esforço e muita precisão.

O controle, por outro lado, é um troço pesado e que você não apoia em nada. Todo o peso dele fica nas suas mãos e, à medida que você se concentra no jogo, a tendência é segurá-lo com mais força e apertar os botões com mais força.

A memória muscular, obviamente, é totalmente diferente. Jogando com teclado e mouse, nós criamos uma divisão de tarefas, uma especialização em cada mão. A mão do mouse se habitua a mirar e apertar botões ou rolar o scroll. A mão do teclado tem à sua frente um dispositivo com mais de 50 teclas, mas no momento do jogo se concentra ali na região do WASD e teclas em volta. O fato é que cada mão está ocupada em uma tarefa totalmente diferente.

No controle, as duas mãos agem de forma quase espelhada. O polegar direito fica no stick direito, o esquerdo no stick esquerdo. Os botões de trás são simétricos e há até uma correspondência entre as 4 setas direcionais da esquerda e os quatro botões da direita. Enfim, as duas mãos trabalham de maneira espelhada. Você realiza praticamente os mesmos movimentos em ambas.

Vou precisar ainda de muito treino até adquirir uma memória muscular no controle, principalmente no uso dos bastões. Me parece bem mais difícil mirar e mover a câmera nos bastões do que no mouse. Acho impossível alcançar a mesma precisão. Os bastões são mais duros, mais brutos, o mouse consiste em um feixe de luz sobre uma superfície. Não dá para os bastões competirem com a leveza e sutileza do mouse.

Por outro lado, os comandos dos botões no controle são mais práticos do que os do teclado. O fato dos botões de tiro ficarem na parte de trás (Rigth Trigger - RT e Left Trigger - LT), por exemplo, é bem intuitivo. Parece que você está apertando o gatilho de uma arma, e você só precisa de um dedo, geralmente o dedão, para lidar com os quatro botões de comandos (A, B, X, Y).

No teclado, geralmente estes comandos ficam bindados ali no Q, E, F e G, o que exige muita distribuição de tarefas entre seus dedos, já que eles ficam ocupados nas teclas de direção (W, A, S, D). É um malabarismo jogar assim, mas nada que a prática não resolva. O fato é que estas tarefas são mais simples no controle.

Outra diferença curiosa é a experiência táctil. O controle tem a vibração, algo que jogadores de PC jamais podem experienciar. A vibração contribui para a imersão no jogo, mas também ajuda na jogabilidade e previsão de eventos. A intensidade da vibração, por exemplo, pode indicar se seu personagem levou um dano fraco ou forte. Certas vibrações anunciam a chegada de inimigos mais perigosos, etc.

Em jogos de exploração, as vibrações são bastante úteis porque podem acontecer quando você entra em determinados locais, indicando então que você está indo no caminho certo ou tem algo interessante a ser explorado ali. Também é possível sentir a vibração localizada especificamente em certos botões do controle, de modo que isto serve para te informar que botão deve apertar em certa ocasião.

No PC, toda essa informação só é passada pela sonoplastia. No console há um combo de informações, a sonoplastia e a vibração, o que enriquece e deixa ainda mais claro o dado que o jogo quer te informar.

Obviamente, hoje em dia muitos consoles já têm portas USB para uso de teclado e mouse e da mesma forma é possível usar controles de console no PC, então no fim das contas não há um conflito entre console e PC com respeito ao periférico usado. Fica ao gosto do freguês.

A diferença entre a experiência no PC e no console vai além dos dispositivos físicos. Ao menos no meu caso, notei uma interessante diferença no clima psicológico que cada aparelho provoca. O PC é uma máquina multiuso. A gente usa ele pra tudo, pra trabalho, lazer, informação, assistir séries, escrever textos, navegar nas redes sociais, etc, etc. O PC é um aparelho que leva você a ter uma disposição mental multitarefa.

Ora, eu tenho até o hábito de fazer duas tarefas simultâneas no PC. Às vezes deixo uma janela com uma série rodando na metade da tela, e na outra metade estou escrevendo ou lendo ou até jogando. Tem jogos que jogo assim, sem usar a tela inteira. Além disso, mesmo quando uso a tela inteira, é comum dar uma pausa e um Alt + F4 pra voltar à área de trabalho e fazer alguma outra coisa. Jogar no PC não exige imersão total, é algo mais casual e multitarefa.

Já no console não existe toda essa variedade de recursos. É uma máquina focada em uma tarefa por vez. Quando você entra no jogo, não tem essa de dividir janelas, de ficar alternando entre janelas. Ou você joga ou não joga. Há mais comprometimento e imersão, portanto. Há mais foco. O console parece dizer: "agora que você me ligou, é o momento de jogar e nada mais".

A impressão psicológica e eu diria até afetiva que o PC passa é a de que ele é um eletrodoméstico, um instrumento de trabalho e informação. O console, por outro lado, é claramente um brinquedo. Você olha para aquela caixa, para o controle, e vê um brinquedo. Você sabe que o propósito do aparelho é diversão antes de tudo.

Existe a questão da compatibilidade. Nisto o PC em muito supera os consoles. No PC dá pra jogar de tudo, inclusive jogos de console (com exceção dos chamados exclusivos). Os consoles têm uma biblioteca bem mais restrita e você não pode simplesmente entrar na Steam e baixar um jogo pra rodar no console. Consoles são feudos de jogos. O Xbox tem os seus, o Playstation tem os seus, a Nintendo tem os seus, etc. O PC é uma metrópole que recebe jogos vindos de todas as plataformas.

Por fim, tem a questão do desempenho e custo-benefício. Nisso os consoles têm vantagem. Se um jogo está na biblioteca do Xbox, você sabe que ele vai rodar com boa qualidade no aparelho. Não existe essa preocupação de "será que roda?". No PC, principalmente quem tem um aparelho modesto, é comum a gente se deparar com limitações gráficas.

Meu velho PC tem um processador i5 e uma plaquinha de vídeo de alguma marca genérica. Ele não roda os jogos chamados triple A nem a pau. Dos jogos de tiro, consigo rodar um Paladins, um Team Fortress, mas isso porque são incrivelmente bem otimizados. Um Fortnite já não roda bem. No console eu sei que vou poder jogar um Cyberpunk 2077 sem problemas, algo que provavelmente vai exigir um PC com no mínimo um processador i7 e uma robusta e caríssima placa de vídeo.

As placas de vídeo hoje são o grande tchan dos PCs. Se você quer ter um PC gamer de verdade, algo que consiga rodar os jogos de console com a mesma qualidade, vai ter que comprar uma placa de vídeo mais cara que um console. Vai ser preciso uma boa placa-mãe, um processador que também pode custar mais que um console. Enfim, um PC com a mesma capacidade de um console pode custar o valor de uns 2 ou 3 consoles. O custo-benefício realmente não se compara.

Em um futuro relativamente breve (5-10 anos?) toda essa comparação aqui será desnecessária. O futuro dos jogos é o streaming e o hardware não vai mais importar. Imagine aí. Lá pra 2030, com internet 6G ou 7G, jogos pesadíssimos vão rodar nos supercomputadores quânticos das provedoras. Você vai acessar o jogo em seu PC ou celular ou simplesmente na TV. Vai precisar apenas de um controle (ou talvez até lá os controles já estejam inseridos no cérebro, como a Neuralink do Elon Musk). 

Não haverá mais isso de PC ou console. Todos vão jogar em computadores quânticos, só que via streaming, por meio de uma internet super potente e onipresente.

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