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Liberdade e limite

Freedom

Limite significa existência. Nada poderia existir em si mesmo sem estar limitado. A ausência completa de limites, que seria a liberdade absoluta, também é a ausência completa de identidade. O nada absoluto, esse é completamente livre, a não ser por uma exceção: o nada está livre de todas as limitações que as coisas existentes possuem, sendo que a única limitação do nada é não estar sujeito a limites. 

Se o nada em algum momento "quer" existir, ele abdica de sua liberdade absoluta e limita-se dentro das dimensões de algo que existe. Isto se pensarmos que é possível algo surgir do nada, ou seja, o nada tornar-se algo, mas até o momento não se tem provas disso e o que parece mais natural no mundo é que "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". 

Com base nesse axioma que parece universal, o próprio universo então é eterno e não surgiu do nada? Exatamente. É uma hipótese. Se houve um princípio, como o Big Bang, este na verdade partiu de alguma matéria prima anterior. Talvez outro universo que entrou em colapso formando a partícula inicial. Talvez haja um ciclo de vida eterno do universo ou de vários universos que estão sempre inflando, implodindo e reiniciando o processo em sucessivos big bangs. Talvez a partícula do Big Bang tenha surgido de uma fonte eterna que está além do universo. 

Talvez Deus ou deuses eternos tenham criado o universo ou o fenômeno simplesmente espontâneo e absurdo do surgimento do nada pode ter acontecido apenas naquele momento inicial do Big Bang e desde então isto não mais acontece, pois agora reina a lei natural de que nada surge do nada. Neste caso, o nada vir tornar-se algo é uma exceção, uma gigantesca exceção. Todo esse nosso imenso universo e nós nele seriamos fruto de uma exceção primordial.

Mas especular sobre as origens do mundo é uma digressão. Apenas chegamos a isto para exemplificar o fato de que a própria existência em si do que quer que seja implica em uma limitação da liberdade. A liberdade absoluta é algo impossível de se aplicar a qualquer coisa que exista além do nada. Dito isto, devemos superar a ideia ingênua de que liberdade é o bem e restrição é o mal. Há liberdades e liberdades, restrições e restrições. 

Há restrições boas e que nos são desejáveis, que tornam a vida possível. O próprio fato de termos vontades é uma restrição. Por que não somos totalmente isentos de vontades? Ou por que não temos todas as infinitas vontades possíveis? No primeiro caso, seríamos absolutamente apáticos e no segundo caso seríamos atormentados por uma torrente de vontades conflitantes. Nossas vontades têm limites, logo, mesmo tendo vontades, elas não são livres no sentido mais superior. Todavia, ainda que sejam limitadas, são nossas e relativamente espontâneas. Então como classificar os limites de nossa liberdade? Não é difícil, de fato, se entendermos uma noção simples: a gradação.

O dualismo é um conceito presente em toda parte. Luz e treva, frio e calor, vida e morte, bem e mal. Há coisas que são facilmente classificadas em um sistema dualista, mas ficamos confusos ao tentar classificar de maneira tão rígida certas ideias mais complexas. Se aprendemos que existe preto e branco, como podemos classificar o cinza? É preto ou branco? É aí que entra a noção de gradação. O cinza possui graus de composição que misturam tanto o preto quanto o branco. Há infinitos tons, variando conforme as infinitas possibilidades de combinação das cores. Se misturamos 99,9% de preto com 0,1% de branco, temos certo grau de cinza. E assim, fazendo diversas misturas, teremos a paleta infinita das gradações. Assim é com a liberdade e a restrição.

Não podemos nos considerar 100% livres, muito menos 100% restritos. Em termos de liberdade de movimento somos mais livres que uma pedra estática que sequer pode escolher se mover, mas somos menos livres que uma partícula de luz que pode atravessar milhões de galáxias no percurso de sua existência, enquanto passamos a vida toda aqui na Terra e apenas em uma pequena porção geográfica dela. Entre a pedra e a partícula de luz há uma gradação de liberdades e nós nos encontramos ali em algum lugar da paleta

Quando pensamos na grandeza do universo e das estrelas e galáxias, concluímos que somos partículas insignificantes. mas esta conclusão só é possível se olharmos para o que é fisicamente maior que nós, mas e se olharmos para o que é menor? Existe uma infinidade de coisas tão menores do que nós, como somos menores que estrelas. Logo, somos imponentes diante destas coisas minúsculas. Onde está a insignificância agora? 

Além disso, podemos nos considerar insignificantes diante das estrelas em relação a tamanho, mas e quanto a outros atributos? Nós temos intelecto, enquanto as estrelas (até onde sabemos) são tão burras quanto uma porta. Não é fantástico o nosso potencial de pensar, de imaginar e observar o universo? Mas sem as estrelas nunca teríamos nascido. Elas moldaram os planetas e sua luz alimenta a vida. Enfim, é infindável esse pingue pongue de comparações. Somos melhores nisso, piores naquilo, mais nisso, menos naquilo. 

Somos livres, em certo grau, bem como limitados, em certo grau. Há limites necessários, fundamentais para nos dar existência, substância, propriedade. Há limites supérfluos e até prejudiciais. Há liberdade necessária e há liberdade que dilui e dissolve. Cabe a cada um discernir e buscar o seu peculiar grau de limite e liberdade.

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