Sou contra proibições arbitrárias. A vida em sociedade não é uma ciência exata e não basta simplesmente criar uma pilha de leis para cada situação do cotidiano. É preciso ter bom senso e tato para entender as relações humanas e o real impacto de uma lei na psique coletiva.
Um exemplo de lei arbitrária, para não dizer estúpida, é a proibição de saleiros nas mesas de restaurante. Pois é, tem algumas cidades onde existe esta lei que ultrapassa o bom senso. Alegando proteger a saúde do cidadão, os legisladores apenas inventam mais um mecanismo para a indústria de multas.
Ora, a simples presença do saleiro não vai forçar o cliente a se entupir de sal. Se o cliente for do tipo que gosta de muito sal, ele vai consumir muito sal em casa, em qualquer lugar. Na ausência do saleiro, ele vai pedir os pacotinhos de sal e se entupir de todo jeito.
Além disso, não existe por parte do restaurante algum objetivo de induzir o cliente a consumir mais. O restaurante não ganha nada com isto. A tradição do saleiro nas mesas existe por causa dos próprios clientes. É uma conveniência. As pessoas costumam pedir por ele, então para facilitar a vida de todos é melhor já deixar o saleiro na mesa.
Por outro lado, há certas proibições que considero justas, mesmo sendo controversas, como é o caso do cigarro.
Eu entendo o sentimento de insatisfação dos fumantes, pois não poder fumar na hora que dá vontade em um espaço público é frustrante. Há pessoas que precisam do cigarro para aliviar a ansiedade (em muitos casos causada pelo próprio vício do cigarro) e a tensão de não poder fumar em um restaurante, uma sala de espera ou ônibus, aumenta o nível stress nestas pessoas.
Entendo isto. Todavia, também enxergo a coisa na ótica das pessoas que se incomodam ou são prejudicadas pelo cigarro alheio e estou incluso na segunda categoria.
Quando era criança, durante o São João eu estava brincando com a famosa chuvinha, aquele canudinho de papel cheio de pólvora. Acabei aspirando aquela fumaça quente e tóxica da pólvora e passei muito mal. Fiquei a noite deitado com muita falta de ar, à beira da morte.
Desde então, meu organismo ficou bastante sensível a fumaça, qualquer uma. Todo ano durante o São João, a fumaça das fogueiras nas ruas se espalhava pelo ar, entrava nas casas e era sempre um sufoco para mim, pois depois daquele acidente da chuvinha parece que meus brônquios ficaram alérgicos e com a fumaça eles se contraíam.
Em certa ocasião, fui com meus pais até a casa de um tio. Ele e a esposa eram fumantes compulsivos e estavam ali todos conversando à vontade e o casal fumando muito. A casa era pequena e eu percebia que o ar estava todo embaçado com tanta fumaça. Meus pais pareciam não se importar, mas eu estava chegando ao limite do sufocamento e pedi para sair até a calçada.
Moral da história: não se trata apenas de um mero incômodo. Há pessoas que não gostam do cheiro do cigarro, mas também há pessoas com problemas respiratórios, asmáticos, alérgicos, etc. que não podem se expor a fumaça. Sem contar o óbvio fato de que a fumaça do cigarro contém toxinas.
Sou contra proibir qualquer pessoa de expor o próprio corpo a toxinas. Cada um deve ter a liberdade de expor o corpo aos perigos que quiser: cigarro, bebidas, excesso de sal, de açúcar, drogas, tatuagem, tintura de cabelo, whatever. O corpo é seu. Proibir uma pessoa de tratar mal o próprio corpo é bastante problemático, porque pode estabelecer um princípio de que o corpo é uma propriedade do estado e isto é muuuito perigoso. O corpo é do indivíduo. É, de fato, seu bem mais fundamental: seu corpo, sua vida, sua mente.
Assim como sou livre para fazer o que quiser com meu corpo, este mesmo princípio implica que não tenho o direito de fazer nada prejudicial ao corpo das outras pessoas, pois só elas têm este direito. Eu posso danificar meu corpo se eu quiser, você não.
Esta é uma grande diferença entre álcool e cigarro. Eu ingiro o álcool e ele fica no meu corpo. Já o cigarro é algo que não tem limites espaciais. A fumaça se espalha pelo ar e outras pessoas vão ingerir contra a vontade delas, afinal estamos todos respirando o mesmo ar.
"Os incomodados que se retirem" é um ditado problemático e não é justificativa para alguém fumar perto de outras pessoas que não aprovam isto.
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