Política é basicamente a arte da convivência entre as pessoas.
Onde houver pessoas, a política é inevitável, pois naturalmente haverá a necessidade de um entendimento comum, de um acordo para que as pessoas possam conviver com um mínimo de harmonia, afinal cada indivíduo tem seus próprios interesses e rejeições. Se o que uma pessoa faz incomoda outra que vive próximo dela, será preciso um acordo, uma política para evitar o conflito.
A solução mais primitiva para as divergências de convivência é a violência. É a solução dos bárbaros, das feras. No filme 2001, vemos uma situação em que dois bandos de hominídeos encontram uma fonte de água. Em vez de negociarem o acesso à água, eles começam a gritar e gesticular histericamente, e o grupo que conseguir afugentar o outro terá a água para si. Este é o fundamento da guerra. Ou era, pois as guerras modernas, embora ainda envolvam disputa de recursos e territórios, têm causas bem mais complexas.
Acontece que a guerra é insustentável a longo prazo. Como disse Gandhi: "olho por olho, e o mundo acabará cego". A humanidade não pode existir em um perpétuo estado de guerra, não sem ter um grande prejuízo para todos os lados envolvidos. Se a guerra escala, ela chegará no ponto da extinção. Já sabemos qual é este ponto: a hecatombe nuclear.
A guerra, portanto, existe quando a política falha, no caso, um dos braços da política que é a diplomacia.
Em termos mais individuais, a política serve para evitar a guerra do indivíduo contra o indivíduo, para garantir que as pessoas convivam em uma "pólis", daí o nome "política". À medida em que esta arte se desenvolveu, tornou-se refinada, sendo banhada pela filosofia e teologia desde a época milenar dos egípcios, gregos e romanos.
Mais recentemente, a política também enriqueceu-se com as ciências, especialmente a economia, de modo que várias escolas de pensamento se desenvolveram. No geral, estas escolas de pensamento resumem-se em três grandes correntes, de maneira simplificada apelidadas de direita, esquerda e centro.
Há livros e livros sobre a teoria da política, debates e mais debates entre os grupos com pensamentos antagônicos. Um fato muitas vezes ignorado, porém, é que o fundamento intelectual da política é apenas uma de suas camadas. Existe outra camada mais íntima, mais humana, ou melhor, mais reptiliana e límbica: a camada das emoções e paixões.
Por mais que as pessoas argumentem a respeito de suas opiniões políticas, muitas delas não têm consciência das motivações profundas por trás destas opiniões. O que levou uma pessoa a se alinhar à direita ou à esquerda? Será mesmo que foi apenas uma adesão intelectual ou existe uma causa primordial que tocou suas paixões?
Citarei um exemplo bem simplório para ilustrar: imagine uma criança que um dia viu um policial agredindo gratuitamente um feirante na rua. Esta cena pode ficar gravada na memória da criança de tal maneira que ela crescerá com um sentimento profundo de aversão à força policial e talvez até mesmo à força estatal.
Esta criança pode, ao longo da vida, ir se identificando com correntes de pensamento mais anarquistas. Ao ler sobre a teoria do anarquismo, o conceito fará sentido em sua mente, mesmo que esta pessoa nem se lembre daquele evento da infância e não faça a correlação entre sua atual identificação com o anarquismo e o trauma de infância.
Eu sei, é um exemplo simplório, mas que dá uma pista de como uma ideia pode ser semeada na mente de uma pessoa desde a infância e crescer e ramificar-se a partir de breves momentos de imprinting, de visão de mundo.
Não que a visão de mundo não possa mudar. De fato há pessoas que ao longo da vida vão mudando de opinião sobre a política, sobre a vida, a religião e tudo mais. Isto mostra que as experiências individuais, tudo o que uma pessoa viveu, viu e sentiu, vai moldando o seu caminho, vai guiando suas decisões e pensamentos ao longo da vida. Se o pensamento é uma vela de navio, as experiências individuais são o vento que a empurra para este ou aquele caminho.
Não raro as pessoas abraçam determinada ideologia por influência de pessoas próximas, de amigos, de parceiros amorosos, familiares, o meio em que convivem. Também o inverso pode ocorrer, e uma pessoa afasta-se daquelas que pensam diferente dela e busca novas amizades com pessoas que pensam parecido. A aglomeração dos semelhantes é algo natural nas sociedades.
Nota-se, portanto, que a política vai muito além das ideias. Não se trata apenas de qual escola de pensamento está com a razão. Trata-se de pessoas e seus sentimentos. Política é paixão.
Por isto a política também pode catalisar o que há de pior no ser humano. A profissão de político proporciona certas oportunidades que são atraentes para pessoas pervertidas, psicopatas, aproveitadores. Alguns dos humanos mais perversos na história da humanidade foram políticos.
Se isto é regra ou exceção, não sou eu que vou dizer. Como em todas as atividades humanas, há pessoas bem intencionadas e mal intencionadas. Convenhamos, todavia, que há certas atividades que são mais atraentes para pessoas mal intencionadas, assim como outras são menos atraentes. Alguém que tem uma índole perversa e que satisfaz-se em mentir e tirar proveito das pessoas, tendo a oportunidade de escolher entre ser um professor ou um político, provavelmente vai preferir ser político, uma vez que a profissão de professor é pouco gratificante para almas gananciosas.
Sendo, enfim, uma atividade essencialmente humana, a política é essencialmente defeituosa e problemática, pois somos humanos e não anjos. Mesmo pessoas bem intencionadas podem cometer erros na política e erros que podem prejudicar gravemente milhares, milhões, bilhões de pessoas. É por isto que utopias são por definição impossíveis, pois não é possível que o perfeito seja alcançado por agentes imperfeitos.
Utopias não me apetecem, mas não sou necessariamente contra a ideia de se acreditar em uma utopia, pois o simples fato de ser motivado pela crença utópica pode trazer algum bem para indivíduos e sociedades. Um indivíduo que sonha com um mundo melhor pode ele próprio se esforçar para fazer o mundo melhor.
Por outro lado, há pessoas maquiavélicas que pensam que é justificável cometer atos moralmente questionáveis em nome da utopia, do bem maior. É no mínimo irônico que alguém sonhe com um suposto mundo melhor e uma sociedade mais justa ao mesmo tempo em que considera válido buscar este sonho colocando no gueto ou no paredão aqueles que discordam.
Também há pessoas que usam a utopia como um pretexto para seus desejos de poder e dominação, tentando impor sobre os demais as suas vontades e planos. É por isto que na história humana algumas utopias se tornaram distopias, quando um sonho de criar uma suposta sociedade perfeita resultou em tiranias e na barbárie.
Eis que agora, após milênios de civilização humana, com todas as voltas e reviravoltas da política, com toda a ramificação de escolas de pensamento, estamos diante de uma mudança radical que será promovida pela inteligência artificial.
A inteligência artificial veio para aliviar os fardos humanos, para fazer coisas que humanos faziam, a fim de que estes não precisem mais fazer. Logo, inevitavelmente a política também será dominada pelo trabalho robótico. Os políticos humanos até vão tentar resistir a isto, atrasar este processo, afinal eles não querem perder seus empregos, mas a automação é um caminho sem volta.
Com a IA assumindo a política, haverá uma certa descontaminação das paixões humanas. Tomemos como exemplo os nossos legisladores, os parlamentares. Cada parlamentar é um humano com seus próprios interesses e, quando ele propõe um projeto de lei, sua intenção não é simplesmente tentar melhorar a sociedade. Pode haver diversas motivações por trás disto, pode haver um lobby, a influência de um grupo de interesse, ou pode haver simplesmente uma vaidade humana, o desejo de ser aplaudido pela criação de uma lei que talvez seja bonita no papel, mas ineficiente na prática.
Por exemplo, as legislações no mundo todo estão cheias de leis ecológicas que parecem bonitas, bem intencionadas, mas que na prática pouco bem fazem à natureza, como, digamos, criar uma lei obrigando o uso de canudos de papel em vez de plástico, para "salvar as tartarugas". Quão eficiente de fato é esta medida? Será mesmo que faz alguma diferença ou é um mero enfeite jurídico, uma sinalização de virtude, um varrer o problema para debaixo do tapete?
A IA não será movida por tais sentimentos. Ela buscará a eficiência com base em dados. Todavia, a IA precisará de uma dose de humanidade, de empatia, para não buscar a eficiência a todo custo e causar dano às pessoas neste processo. Convenhamos, porém, a política tem mais a ganhar do que a perder com a IA.
Em termos econômicos, a estrutura política de uma sociedade poderá ser mais eficiente e enxuta com a IA. Um computador poderá fazer o trabalho de centenas de políticos, de modo que o que antes custava milhões ou mesmo bilhões (ainda mais levando em conta a sangria de dinheiro público causada pela corrupção política) vai custar centavos por hora com o trabalho da IA.
Obviamente, a IA também pode ser usada para fins de corrupção, como no grande exemplo fictício do Big Brother, do livro 1984. Neste caso, a IA poderá favorecer um sistema tirânico, oprimindo as pessoas com uma eficiência muito superior à das tiranias puramente humanas. Este é um assombroso risco que corremos.
A ficção sempre esteve repleta de temores quanto a uma revolta dos robôs, mas Isaac Asimov, nadando contra a maré de pessimismo, escreveu diversas histórias nas quais os robôs se mostram grandes amigos da humanidade. No conto Evidente (1946), por exemplo, ele especula justamente sobre a possibilidade de um robô ocupar um cargo político e que, neste caso, provavelmente seria muito mais benéfico do que um humano, justamente por não ter as paixões cruéis de um humano.
Logo, a IA é uma grande aposta. Ela pode dar muito certo ou muito errado. O fato é que este é o caminho inevitável. A tecnologia já alcançou uma velocidade quase impossível de ser freada e a civilização agora só tem a opção de seguir em frente. Acredito, porém, que a implementação da IA na política é bastante promissora e só em pensar que enfim estaremos livres de corruptos e psicopatas que serão substituídos por uma máquina sem paixões, já sinto um certo alívio. A era da farra dos políticos está acabando.
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