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O terror furry em The Farm

The Farm (2018)

O canibalismo é um tema bastante comum no terror e um dos personagens mais memoráveis do gênero é um canibal, o Hannibal¹. Algumas das criaturas mais populares da ficção de horror são canibais, como os vampiros e zumbis. Apesar da aparente saturação deste tema, histórias envolvendo canibalismo nunca cansam de nos impressionar.

Há algo de fortemente simbólico no ato de um ser humano devorar outro. Ser devorado por animais, por leões, corvos, criaturas marinhas, é um temor frequente no folclore, mitologia e ficção, mas um humano devorando outro... isto é outro nível de horror.

Além disso, o canibalismo resulta em um efeito que é um dos mais temidos na consciência coletiva: a desumanização. O canibal torna-se um monstro, um pós-humano. Dependendo da maneira com que é representado, pode até parecer um humano superior, uma espécie evoluída, como o Drácula. Já a pessoa canibalizada se torna um ser inferior, uma presa do predador sobre-humano, um mero objeto, uma pilha de carne a ser retalhada. O gado humano.

The Farm (2018)

The Farm (2018), do novato e desconhecido Hans Stjernswärd, segue nesta linha. A história é bem clichê, sem grandes ambições e o roteiro tem alguns furos. Em uma cena, por exemplo, os "fazendeiros" distribuem uma lavagem para alimentar os humanos, mas eles estão dentro de gaiolas e simplesmente não conseguem pegar a comida. Um dos figurantes até tenta pegar a comida, atravessando os dedos na grade, mas claramente é impossível, tornando todo este ritual de alimentação do gado sem sentido.

Um dos erros mais notáveis é no final, quando duas mulheres são servidas à mesa como se fossem porcos assados inteiros. Nota-se que não houve um esforço em maquiar as atrizes de modo a realmente parecer que foram assadas vivas, pois elas continuam com os cabelos intactos, algo impossível se elas fossem submetidas ao calor intenso de um forno.

Mas ok, como é um filme indie e barato, a gente deixa passar e aceita a ideia, o valor simbólico. Na verdade há umas cenas gore bem feitas e convincentes, mas a questão é que a maneira como os humanos, tanto as vítimas como os vilões, são representados, dá a este filme um ar assustador.

A trama envolve mais um clichê do terror, a ideia de uma cidade pequena onde existe uma espécie de culto macabro com pessoas aparentemente comuns que secretamente compartilham de um estilo de vida grotesco e demoníaco. Vemos uma pequena comunidade com umas pessoas andando pra lá e pra cá usando máscaras de animais, de vacas, porcos e coelhos. São como furries do mal.

The Farm (2018)

Vemos que aquele lugar funciona mesmo como uma fazenda, o líder é um empresário. Ele fala ao telefone com clientes para os quais fornece seus banquetes. Um dos clientes até reclama que encontrou um dente na comida. Isso deixa uma dúvida se estas pessoas sabem que estão comendo carne humana ou se é como a história do churrasquinho de gato, em que a gente come uma carne de procedência duvidosa.

Como no final, porém, tem a cena das mulheres defumadas, podemos entender que sim, existem clientes que sabem que estão comendo humanos, provavelmente ricaços excêntricos e pervertidos. A verdade é que o filme não se importa em explicar todos estes detalhes.

The Farm (2018)

Curiosamente, o líder não usa máscara, bem como um de seus capangas, sabe-se lá por quê. Todos os outros vivem mascarados e se comportam como robôs, dedicados a cuidar da fazenda humana. Quanto ao líder, se destaca pela aparência do ator, um total desconhecido (nem no IMDb consegui achar o nome dele nos créditos) e que parece ter uma deformidade natural, com o rosto meio torto e uma das orelhas bastante fora do lugar. Rostos deformados na ficção costumam ser vilanescos. 

As vítimas são mantidas em jaulas, esperando pelo dia em que serão abatidas para virar comida. Os homens parecem ser mortos mais rápido, enquanto as mulheres têm um destino ainda mais desesperador, mantidas vivas e engravidadas artificialmente como vacas. O leite delas é ordenhado por sondas e seus filhos são abatidos como vitela. 

Há uma cena em que vemos uma mãe abraçada a seu bebê em uma gaiola. Vivendo naquela condição subumana e enlouquecedora, o bebê é o único resquício de humanidade ao qual ela pode se apegar, até que friamente um dos capangas toma dela o bebê e o mata na frente dela, batendo a cabeça dele contra o chão como se fosse um bicho qualquer. É com certeza a cena mais chocante do filme.

Não há muito o que falar do casal de protagonistas. São dois idiotas, algo típico de filmes de terror. Chegamos até a desprezar personagens assim, pois eles se tornam vítimas pela burrice, pelas decisões erradas, mas ok, é normal neste gênero.

The Farm (2018)

A última cena tenta fazer um charme com a equipe da fazenda reunida diante de uma mesa retangular, simulando a famosa pintura da Última Ceia, uma ceia com furries canibais.

Pela semelhança do tema, The Farm lembra o The Bad Batch (2016), sobre o qual já falei em outro post².

Notas:



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