Um abismo tecnológico separa a infância de quem nasceu na era da internet e todos os que viveram antes disso. A chamada geração millenial, da qual faço parte, vivenciou na infância ou adolescência a grande transição entre estes dois mundos. Logo, temos uma curiosa mistura de lembranças de coisas que antes eram comuns e agora são obsoletas. Uma delas é o "telefone de rodinha".
O telefone fixo já era a forma mais rápida de comunicação há meio século nas casas dos boomers e continuou sendo na infância dos millenials. Esse aparelhinho era item obrigatório na maioria das casas. Nos ano 80 era item de luxo aqui no Brasil, custava caro mesmo, mas nos anos 90 já estava bastante popular e presente também nas casas de baixa renda.
Ele costumava ficar na sala de estar, mas algumas famílias se davam ao luxo de ter uma extensão, que ficava em algum quarto. O curioso é que, se alguém estivesse usando um dos aparelhos, era possível ouvir a conversa no outro aparelho, um hábito relativamente comum e desrespeitoso dos parentes que ficavam xeretando as conversas uns dos outros.
Também existia o fenômeno da linha cruzada, que era um problema no gerenciamento da própria operadora de telefonia. Às vezes acontecia de você fazer uma ligação e caia no meio de uma conversa aleatória de outras pessoas, criando situações embaraçosas ou engraçadas.
Era relativamente comum acontecerem ligações erradas, pois discar um número era uma tarefa complicada. O termo "discar" vem justamente do telefone de disco. Você tinha que girar o disco várias vezes para compor o número do telefone, como se estivesse acertando a combinação de um cofre, e nessa processo podia facilmente errar um dos números. Hoje em dia os celulares têm as agendas de contatos e até atendem a comandos de voz.
É curioso então que o telefone fixo analógico fez com que acidentalmente falássemos com vários estranhos por causa das linhas cruzadas e ligações erradas. Também havia o trote, um costume de crianças e brincalhões que consistia em ligar para algum número aleatório e fazer alguma pegadinha, alguma piada besta tipo:
- Alô, aí vocês trabalham com roupa?
- Não, garoto, aqui é uma livraria.
- Então vocês trabalham pelados?
Pois é, trotes eram bem bestas mesmo, mas era o que tinha na época. O humor pré-internet era bem bobinho e repetitivo, pois obviamente a comunicação por telefone, mesmo sendo veloz, não tinha a riqueza e pluralidade da internet.
A internet é um grande brainstorm mundial. Piadas correm o mundo, ideias passam de pessoa para pessoa e se modificam, se multiplicam. Hoje todo dia surgem memes novos e rapidamente ficamos entediados com as mesmas piadas. Naqueles velhos tempos, as pessoas levavam anos contando as mesmas piadas de novo e de novo, e rindo sempre com elas, o que hoje ficou conhecido como "piadas de pavê".
Hoje em dia há muitas maneiras de se comunicar com pessoas conhecidas e desconhecidas, tem redes sociais, salas de bate-papo, chats nos canais de streamers, fóruns, etc. E a maioria destes recursos pode ser acessada de graça. Na era do telefone tudo era pago, tudo vinha cobrado na conta telefônica, o que gerava surpresas desagradáveis, pois as crianças descobriam estes serviços "disque alguma coisa" e ficavam brincando sem se dar conta do custo.
Havia números que você discava e ouvia piadas. Imagine isso, pagar pra ouvir piadas por telefone, e piadas bestas, piadas de pavê. Tinha números para uma espécie de sala de bate-papo por telefone. Pois é, isso já existia antes da internet. Imagine várias pessoas ao mesmo tempo falando no telefone. Tinha, claro, o disque sexo, com atendentes que ficavam falando sacanagem e gemendo. Isso era um big deal nos anos 90 e já teve até filmes sobre isso.
Ao lado do aparelho de telefone vivia outro item sagrado, o catálogo ou lista telefônica. Era um calhamaço feito com papel de baixa qualidade e que continha todos os números telefônicos de pessoas, empresas, instituições, enfim, quem quer que tivesse um telefone, teria seu número listado ali. Geralmente o catálogo era estadual, pois um catálogo nacional, convenhamos, seria gigantesco.
Veja só como éramos relaxados com questões de privacidade. Nestes catálogos constava não só o seu número de telefone, mas seu nome completo e endereço. Isso mesmo, facilmente se podia encontrar a casa de alguém por meio do número. Mesmo assim, não era comum acontecerem incidentes desagradáveis ou crimes por meio desta exposição de dados pessoais. Eram tempos mais simples.
De fato este catálogo era extremamente útil, principalmente para encontrar serviços, hotéis, hospitais, restaurantes, procurar empregos e profissionais diversos, inclusive do sexo. As famosas "páginas amarelas" é onde ficavam os anúncios, tanto de serviços e produtos quanto de empregos. Estava tudo lá para o bom pesquisador. Hoje basta dar um Google.
A transição para a era da internet se deu por meio do próprio telefone fixo, pois antes da popularização da internet banda larga via fibra ótica, havia a internet discada, que era feita conectando o cabo da linha telefônica à placa de modem do computador. Mas isso já é outra história.
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