Geralmente associamos as atitudes e políticas de uma rede social à figura do CEO ou fundador, como se realmente uma pessoa fosse a responsável direta pelas decisões deste site. Por exemplo, quando o Facebook bane determinada pessoa ou página, as reclamações são direcionadas ao Mark Zuckerberg, mas a coisa é mais complexa.
Logo no começo das grandes empresas do Vale do Silício, como Google, Facebook e Microsoft, realmente as decisões e até a filosofia da empresa estavam mais diretamente ligadas à vontade de seus fundadores, mas aí com o tempo e o crescimento destas empresas outras influências começaram a tomar espaço.
Como boa parte da receita das empresas de internet vem de anúncios, é natural que evitem qualquer conteúdo que possa desagradar os anunciantes. Há anunciantes que não querem ver suas marcas associadas a temas polêmicos, exigindo do site uma política mais rigorosa de restrição de conteúdo.
Além disso, todas essas grandes empresas em algum momento de sua ascensão foram abordadas por políticos e militares a fim de estabelecer parcerias, de ceder dados para vigiar criminosos e sabe-se lá quantas informações compartilham com governos acerca da população. O governo pode exercer pressões no sentido de cobrar que a rede social seja mais rigorosa no tratamento de determinados assuntos, pessoas ou grupos.
Por exemplo, todos sabem que as redes sociais chinesas, como Weibo, precisam seguir direitinho as "orientações" do Partido, censurar certos temas e banir quem o governo indicar como subversivo. Nos países democráticos, também o governo dá seu pitaco nas redes sociais, embora de forma mais sutil.
Este estado das coisas já há tempos se tornou o padrão no reino da internet, de modo que as redes sociais são bem mais restritivas e rigorosas em banir, punir, silenciar ou dar um shadowban por questões políticas, ideológicas, etc. Já houve algumas tentativas modestas de criar redes sociais independentes de toda essa vigilância de discurso, mas nenhuma conseguiu até agora ter a popularidade de um Facebook, Twitter ou Instagram.
Eis que veio o Elon Musk e pegou todos de surpresa, comprando o Twitter e propondo um modelo bem à moda antiga, bem internet raiz, de interferir o mínimo possível na liberdade de expressão dos usuários, evitando uma arbitragem enviesada e promovendo o amplo debate.
Esta proposta despertou a fúria de muita gente e a desconfiança de quem estava acostumado a manter as redes sociais na rédea curta, como governos e acionistas com interesses ideológicos. Elon Musk agora virou persona non grata em parte da opinião pública, principalmente por influência da mídia mainstream.
Ora, pergunte a alguns haters do Elon Musk qual o motivo por que o odeiam, e darão respostas bem vagas. Aparentemente, muitos haters simplesmente não gostam da personalidade dele, de seu humor sarcástico no Twitter, o que é um motivo bem besta para considerar alguém um inimigo público.
O fato é que ele está trazendo essa proposta de como uma rede social deve funcionar e de fato está chamando atenção até de quem já é veterano nesse negócio como o Mark Zuckerberg. Segundo a Reuters¹, Zuckerberg demonstrou respeito pelo Elon Musk e está observando o seu modelo de gestão do Twitter, acreditando que ele pode funcionar. Acrescenta: "I'm 100% convinced he's trying to help the world with all of his endeavors".
Tenho impressão que com este comentário o Zucka não quis simplesmente ser diplomático, mas ele deve nutrir uma expectativa de que o modelo de "internet livre" do Elon Musk realmente inspire outras empresas e a Big Tech, porque todos saem ganhando. Ganham os usuários, que podem se comunicar nas redes sociais sem ficar pisando em ovos com medo de restrições, ganham as redes sociais, que se tornam um ambiente acolhedor e que atrai público em vez de espantá-lo.
Olhando o big picture, o modelo do Elon Musk não é apenas para o Twitter ou as redes sociais, mas para o mundo e os governos. Se outras empresas seguirem este caminho e a valorização do amplo debate e da liberdade de expressão se tornarem mais presentes no mainstream, haverá cada vez menos espaço para governos totalitários, que silenciam sua população, governos onde é proibido criticar o próprio governo.
Em uma verdadeira democracia, é possível criticar o governo e a própria democracia; em uma ditadura, é proibido criticar a ditadura e seus governantes.
Se nas redes sociais as pessoas sentirem a liberdade para expor suas opiniões e críticas, elas se tornarão menos tolerantes com imposições totalitárias de seus governos. Foi assim que aconteceu a famosa Primavera Árabe, quando o Twitter foi usado pela população como uma ferramenta de comunicação e para espalhar o fogo da insatisfação contra a corrupção do governo.
As redes sociais, quando permitem a livre comunicação, quebram a espiral do silêncio na sociedade, pois uma pessoa, vendo que outras pessoas estão se manifestando acerca de algo que não concordam, passa a ter coragem de expor também a sua voz.
A verdade é que, pensando de forma maquiavélica, é muito melhor para qualquer governo, a longo prazo, que seu povo seja feliz e livre para falar, pois isto reduz a tensão social, reduz o risco do sistema quebrar.
A ficção nos deixou dois grandes modelos de mundo com uma forte ordem social: 1984 e Brave New World. O modelo 1984 opta pela tirania explícita, reprimindo a população sem dó. Este tipo de ordem social acaba semeando a própria queda, alimentando na alma da população o desejo de mudança, de revolução, de ruptura. Algum dia haverá uma rachadura nessa represa e o caos se instalará.
Já o modelo Brave New World é baseado na satisfação de seus cidadãos, inebriados pelo entretenimento, a pílula da felicidade (Soma) e uma vida relativamente livre. É difícil este sistema quebrar, pois ninguém tem motivação para fazê-lo, já que está tudo bem.
De certa forma, o modelo apresentado pelo Elon Musk tem esta feição de Brave New World. O bizarro é que tem pessoas que preferem o modelo 1984, pessoas talvez tomadas por algum tipo de síndrome de Estocolmo, amantes da sensação de temor.
Notas:
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