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O neo-western apocalíptico em Amores Canibais

The Bad Batch (2016)

O western foi o primeiro gênero de "super-heróis" do cinema e literatura pulp no começo do século XX e reinou por várias décadas. Por volta da década de 60, o gênero já estava desgastado, sendo substituído por histórias de ação mais modernas com espiões ou aventuras espaciais. Surgiu então o western revisionista ou post-western, que pretendia desconstruir, brincar, fazer uma homenagem aos clássicos.

Eis então que o clássico renasceu no mundo moderno na forma do neo-western, por volta dos anos 90. Um bom exemplo é Os Imperdoáveis (1992), dirigido por Clint Eastwood, que foi ninguém menos que um dos mais famosos atores dos filmes clássicos de velho-oeste. Ninguém melhor do que ele para ressuscitar o gênero.

The Bad Batch (2016)

O chamado neo-western se desenvolveu com liberdade e adquiriu várias formas. O Kill Bill (2003-2004) de Tarantino é um bom exemplo e ele ousa em substituir o típico protagonista masculino por uma mulher, e o revólver é trocado por uma katana.

Para citar outros exemplos dessa nova safra inspirada nos clássicos, temos O Regresso (2015), Os Oito Odiados (2015) e até a versão X-Men do neo-western em Logan (2017).

Amores Canibais (The Bad Batch, 2016) é um filme indie da iraniana Ana Lily Amirpour, a mesma autora do esquisito Garota Sombria Caminha pela Noite (2014). Em Amores Canibais ela faz uma experimentação misturando gêneros.

A história se passa em um mundo pós-apocalíptico com um ar quase Mad Max, mas sem os carros e a busca por gasolina. É um ambiente bem mais miserável. Subentende-se que a civilização ainda existe, mas as pessoas indignas dela por diversos motivos são expurgadas, os "bad batch". Assim começa a história com a protagonista Arlen (Suki Waterhouse) sendo abandonada numa terra de ninguém, expulsa da civilização.

De cara ela já se depara com a barbárie desse mundo desértico, sendo raptada por canibais que cortam-lhe um braço e uma perna. Agora o filme migra para o terror gore, mas isto não dura muito. Arlen consegue escapar e encontra um vilarejo razoavelmente civilizado. 

Suki Waterhouse and Jason Momoa in The Bad Batch (2016)
Ma man!

Conhecemos três mundos distintos nesse cenário. Os mais selvagens se agrupam numa vila de canibais. São grandes, musculosos, passam o dia malhando; é uma verdadeira sátira da tribo urbana dos marombeiros. Provavelmente se tornaram canibais porque é a única forma de suprirem sua necessidade de muita proteína, já que neste fim de mundo não existe whey. É aí que se encontra o personagem do Jason Momoa, Miami Man.

Por outro lado, tem a pequena cidade chamada Conforto que, diferente da vila dos canibais, parece ser mais civilizada, próspera, para os padrões do apocalipse. As pessoas vivem pacatamente e consomem muitas drogas. O responsável pelo funcionamento deste lugar é o personagem do Keanu Reeves, The Dream, que é uma espécie de líder religioso e político que inspira as pessoas, proporciona raves e lazer, engravida as mulheres e mantém a ordem.

Keanu Reeves in The Bad Batch (2016)

São dois mundos opostos. Em um reina a anarquia e o cada um por si, em outro há bastante ordem e uma sociedade baseada na submissão a um governo centralizado. Em cada um você paga um preço. Você será "livre" nas terras selvagens, mas terá de ser durão; ou será uma ovelhinha em Conforto, mas terá o que o nome sugere, conforto.

Há ainda um terceiro cenário, o mundo dos eremitas. Ele é representado pelo personagem do Jim Carrey, The Hermit. Carrey, aliás, está de parabéns pela forma como encarnou um velho solitário e mudo, com um brilho melancólico no olhar. Ele optou pelo caminho do meio. Nem está com os bárbaros, nem com os pacatos cidadões. Ele é, de fato, o mais livre de todos, e o preço que paga pela sua liberdade é a solitude. Não que isso seja um fardo para ele, ao contrário, parece estar confortável com isso.

Jim Carrey in The Bad Batch (2016)

Quanto a Arlen, ela começa como uma protagonista de western que, em uma terra hostil, irá buscar vingança por ter sido canibalizada. A história, porém, acaba mudando de rumo e amenizando quando Arlen se compromete em encontrar e devolver a filha do brucutu Miami, e entre os dois rola um romance meio forçado, daí em português terem inventado o título sem sentido Amores Canibais.

O final me decepcionou, pois o filme perdeu a oportunidade de ser uma saga de vingança bem ao estilo western, e se tornou um pseudo-romance. De toda forma, valeu a pena na primeira parte e também pela presença de um surpreendente elenco para um filme indie.

Suki Waterhouse in The Bad Batch (2016)


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