O western foi o primeiro gênero de "super-heróis" do cinema e literatura pulp no começo do século XX e reinou por várias décadas. Por volta da década de 60, o gênero já estava desgastado, sendo substituído por histórias de ação mais modernas com espiões ou aventuras espaciais. Surgiu então o western revisionista ou post-western, que pretendia desconstruir, brincar, fazer uma homenagem aos clássicos.
Eis então que o clássico renasceu no mundo moderno na forma do neo-western, por volta dos anos 90. Um bom exemplo é Os Imperdoáveis (1992), dirigido por Clint Eastwood, que foi ninguém menos que um dos mais famosos atores dos filmes clássicos de velho-oeste. Ninguém melhor do que ele para ressuscitar o gênero.
O chamado neo-western se desenvolveu com liberdade e adquiriu várias formas. O Kill Bill (2003-2004) de Tarantino é um bom exemplo e ele ousa em substituir o típico protagonista masculino por uma mulher, e o revólver é trocado por uma katana.
Para citar outros exemplos dessa nova safra inspirada nos clássicos, temos O Regresso (2015), Os Oito Odiados (2015) e até a versão X-Men do neo-western em Logan (2017).
Amores Canibais (The Bad Batch, 2016) é um filme indie da iraniana Ana Lily Amirpour, a mesma autora do esquisito Garota Sombria Caminha pela Noite (2014). Em Amores Canibais ela faz uma experimentação misturando gêneros.
A história se passa em um mundo pós-apocalíptico com um ar quase Mad Max, mas sem os carros e a busca por gasolina. É um ambiente bem mais miserável. Subentende-se que a civilização ainda existe, mas as pessoas indignas dela por diversos motivos são expurgadas, os "bad batch". Assim começa a história com a protagonista Arlen (Suki Waterhouse) sendo abandonada numa terra de ninguém, expulsa da civilização.
De cara ela já se depara com a barbárie desse mundo desértico, sendo raptada por canibais que cortam-lhe um braço e uma perna. Agora o filme migra para o terror gore, mas isto não dura muito. Arlen consegue escapar e encontra um vilarejo razoavelmente civilizado.
Ma man! |
Conhecemos três mundos distintos nesse cenário. Os mais selvagens se agrupam numa vila de canibais. São grandes, musculosos, passam o dia malhando; é uma verdadeira sátira da tribo urbana dos marombeiros. Provavelmente se tornaram canibais porque é a única forma de suprirem sua necessidade de muita proteína, já que neste fim de mundo não existe whey. É aí que se encontra o personagem do Jason Momoa, Miami Man.
Por outro lado, tem a pequena cidade chamada Conforto que, diferente da vila dos canibais, parece ser mais civilizada, próspera, para os padrões do apocalipse. As pessoas vivem pacatamente e consomem muitas drogas. O responsável pelo funcionamento deste lugar é o personagem do Keanu Reeves, The Dream, que é uma espécie de líder religioso e político que inspira as pessoas, proporciona raves e lazer, engravida as mulheres e mantém a ordem.
São dois mundos opostos. Em um reina a anarquia e o cada um por si, em outro há bastante ordem e uma sociedade baseada na submissão a um governo centralizado. Em cada um você paga um preço. Você será "livre" nas terras selvagens, mas terá de ser durão; ou será uma ovelhinha em Conforto, mas terá o que o nome sugere, conforto.
Há ainda um terceiro cenário, o mundo dos eremitas. Ele é representado pelo personagem do Jim Carrey, The Hermit. Carrey, aliás, está de parabéns pela forma como encarnou um velho solitário e mudo, com um brilho melancólico no olhar. Ele optou pelo caminho do meio. Nem está com os bárbaros, nem com os pacatos cidadões. Ele é, de fato, o mais livre de todos, e o preço que paga pela sua liberdade é a solitude. Não que isso seja um fardo para ele, ao contrário, parece estar confortável com isso.
Quanto a Arlen, ela começa como uma protagonista de western que, em uma terra hostil, irá buscar vingança por ter sido canibalizada. A história, porém, acaba mudando de rumo e amenizando quando Arlen se compromete em encontrar e devolver a filha do brucutu Miami, e entre os dois rola um romance meio forçado, daí em português terem inventado o título sem sentido Amores Canibais.
O final me decepcionou, pois o filme perdeu a oportunidade de ser uma saga de vingança bem ao estilo western, e se tornou um pseudo-romance. De toda forma, valeu a pena na primeira parte e também pela presença de um surpreendente elenco para um filme indie.
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