Martin Scorsese faz parte da trindade dos grandes diretores de filmes de crime e máfia, junto com Brian De Palma (Scarface, Os Intocáveis) e Francis Ford Coppola (a trilogia O Poderoso Chefão). Scorsese começou a desenvolver esse gênero em seus Taxi Driver (1976), Touro Indomável (1980) e O Rei da Comédia (1982). Nestes três casos, ele trabalhou com Robert De Niro, estabelecendo uma parceria que entraria para a história do cinema.
Na década de 90 a dupla voltou a trabalhar em Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995) e depois disso seus caminhos se bifurcaram. De Niro passou a atuar em diversos filmes mais genéricos de ação e até comédia, enquanto Scorsese adotou um novo queridinho: Leonardo DiCaprio. Daí resultaram filmes como Gangues de Nova York (2002), Os Infiltrados (2006), Ilha do Medo (2010) e O Lobo de Wall Street (2013).
O Irlandês (The Irishman), produzido e lançado pela Netflix agora em 2019, antes de tudo é um reencontro daquela dupla que nascera nos anos 70. De Niro e Scorsese estão juntos novamente, agora bem mais velhos, experientes, trazendo uma enorme bagagem acumulada ao longo de quase meio século.
Scorsese, que já está com seus 77 anos, pode ainda produzir muita coisa futuramente, mas nota-se no The Irishman um clima de retirement, de despedida. É um último trabalho da dupla Scorsese-De Niro, uma última parceria.
Também o diretor se despede do gênero de máfia, talvez até com a intenção de produzir o "último filme do gênero", como o Clint Eastwood fez no seu Os Imperdoáveis (1992). Claro que eles não extinguiram o gênero, mas como que produziram o último exemplar da era de ouro, a última amostra da geração old school. Clint fez isso com o western e Scorsese agora faz com o filme de máfia.
Migos para sempre. |
No The Irishman acompanhamos uma narrativa em camadas cronológicas, saltando no tempo e envolvendo diversas fases da vida do trio de colegas criminosos (interpretados por De Niro, Al Pacino e Joe Pesci). O protagonista, o irlandês, relembra como entrou para o mundo do crime, desenvolveu uma amizade e fidelidade com um chefão da máfia e cometeu crimes, inclusive assassinatos, que assombrariam a sua consciência na velhice.
Ao longo dos anos estas "aventuras" cobraram seu karma. Alguns criminosos morreram, outros foram presos e o irlandês terminou sua vida em um asilo, velho e solitário, esquecido pelo mundo e acompanhado pelas memórias do passado. É assim que Scorsese aposenta o gênero de máfia.
O filme possui toda a qualidade técnica digna de um grande diretor e um elenco experiente, mas a narrativa de cerca de três horas é de fato maçante (oh, perdoem-me os cinéfilos por ousar falar isso). Não existe a mesma tensão e ação dos clássicos filmes de máfia. Até as cenas de violência não têm o mesmo impacto daquelas que víamos no Scarface, no Taxi Driver, no Chefão. É, como eu posso dizer, um filme de velhos, com a velocidade dos velhos. É preciso estar no espírito para apreciar esse ritmo.
Destaque para o trabalho de CGI feito para rejuvenescer o De Niro. |
Mas se você não conseguiu curtir as três horas ininterruptamente e sem dar uma conferida no celular, não se culpe nem se deixe intimidar pelos sacrossantos cinéfilos que por acaso exigirem a sua total concentração durante a missa. Como eu disse, o longa (e dá-lhe longa) é maçante mesmo, o que não tira a sua importância enquanto velório do gênero.
Sim, velório. Scorsese está aqui encerrando essa fase do cinema, aposentando o velho gênero de máfia, com um dos atores mais importantes deste gênero, o cara que foi o Chefão e o bandido taxista vida louca dos anos 70. De Niro e Scorsese despedem-se dos filmes de máfia e fazem uma lenta cerimônia de velório.
Tudo o que vier a partir de agora será homenagem, será algo novo e desligado da escola original que criou o gênero.
Uma notinha de rodapé:
É uma curiosa coincidência que a filha do irlandês seja interpretada pela Anna Paquin. Ela foi ninguém menos que a Vampira nos filmes dos X-Men. Lembremos que recentemente o Scorsese soltou uns comentários polêmicos dizendo que "os filmes da Marvel não são cinema".
Com isso, obviamente, ele quis cutucar essa indústria bilionária de blockbusters que investe pesado em efeitos especiais e visa mais o puro entretenimento do que a apreciação artística da obra ou whatever. Talvez o Scorsese tenha falado isso da boca pra fora ou só pra chamar atenção (o que de fato conseguiu), mas enfim, essa questão não vem ao caso.
O curioso é a presença de uma "atriz Marvel" nesse filme e ela é como que a descendente. O irlandês morre e com ele o velho gênero de máfia, enquanto sua filha segue adiante, representando a nova geração e seus filmes de super heróis.
Ok, posso estar forçando a metáfora, mas vai que foi isso que o Scorsese pensou ao colocar essa menina no elenco hein.
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