Star Trek é a franquia de ficção espacial com a mais longa e produtiva história de sucesso. Começou na série clássica de 1966 a 1969, seguida por uma série animada (1973-1974), depois The Next Generation (1987-1994), Deep Space Nine (1993-1999), Voyager (1995-2001), Enterprise (2001-2005) e agora a Discovery (2017-). Sem contar que em 2020 já vem mais uma: Star Trek Picard. E nem falamos dos vários filmes lançados ao longo das décadas.
É um universo muito amplo e rico em personagens, mundos e histórias. Star Trek Discovery vem para enriquecer ainda mais este universo, trazendo uma nova espaçonave com uma peculiar missão: a USS Discovery não é apenas uma nave de exploração espacial, mas tem uma missão militar secreta. Suas pesquisas conseguem descobrir uma nova forma de transporte que supera o clássico warp drive.
O conceito apresentado é simplesmente fantástico e inédito. A partir da análise de um tardígrado gigante encontrado no espaço e que tinha uma habilidade de teleporte, os cientistas da Discovery descobriram que existe uma ampla rede de fungos cósmicos (micélios) distribuída não só em seu universo como através do multiverso.
Criando uma conexão entre a nave e a rede, conseguiram desenvolver um método instantâneo de salto no espaço. Tal tecnologia baseada em biologia é uma ideia inovadora trazida por essa série e que pode ser muito bem aproveitada em todo o futuro da franquia.
O fan service e as referências estão em toda parte nessa nova série. Tiveram o cuidado de replicar detalhes mínimos da ambientação clássica, como a sonoplastia da nave, os bips e bops que eram frequentes nas máquinas de Star Trek e seus aparelhos de mão. Em certa ocasião, quando Michael visita o planeta Talos, vemos as mesmas flores azuis e "cantantes" que apareceram no primeiro piloto de Star Trek. Há diversas referências deste tipo ao longo da série e que são um prato cheio para os fãs mais aprofundados.
Outra referência bem feita é quando eles viajam acidentalmente para um universo paralelo onde encontram suas versões malignas e a Federação é um Império. Isto aconteceu com Kirk e a Enterprise em um episódio da série clássica.
Também há uma interessante referência à estética dos últimos filmes do cinema: a presença dos famosos "lens flares do J. J. Abrams". Essa técnica, que consiste em atravessar a tela com fachos de luz, o que dá uma sensação de imersão do expectador no cenário, é uma assinatura do diretor J. J. Abrams e foi abundantemente usada nos filmes de Star Trek dirigidos por ele.
Bryan Fuller, que comanda a série, tomou emprestados estes flares para manter a harmonia com a estética dos filmes. Também a predominância de tons azuis nos cenários e as cenas da tripulação sempre correndo de um lado para o outro num constante senso de urgência são elementos em comum entre os filmes e a série.
Todo esse trabalho de assemelhação estética cria uma identidade em comum e deixa claro que tanto os filmes quanto a série compartilham de um mesmo universo. É o Universo Compartilhado Star Trek.
Para citar mais algumas referências: temos a presença do clássico xadrez 3D, consagrado na série original e trazido de volta em Discovery. Também podemos rever os talosianos, os primeiros aliens que vimos no piloto da série em 1966.
Entre os novos personagens apresentados em Discovery, o mais interessante é o alienígena Saru, que é como um equivalente ao Spock na nave. Diferente do Spock, ele não é tão racional e lógico, ao contrário, sua espécie é bastante sensível e intuitiva e é por meio destas sensações que costuma avaliar os problemas e tomar decisões.
Saru é muito bem construído. Ao longo dos episódios são apresentadas nuances de sua personalidade, sua fisiologia e até a história e cultura do seu povo, os kelpiens. Além disso, o personagem tem a vantagem de ser interpretado por um gênio da performance, o ator Doug Jones.
Jones tem um corpo alongado e esbelto e se especializou em interpretar figuras alienígenas e fantásticas, o que faz com ajuda de maquiagem e CGI que lhe caem muito bem. Ele dedicou-se tão bem na criação dos trejeitos e personalidade de Saru, que elaborou até um jeito próprio de balançar os braços quando anda.
Visualmente, também gostei da Airiam, que é uma humana tecnologicamente aumentada. Não está no núcleo principal de protagonistas, mas durante a primeira temporada foi uma presença constante na ponte da nave, enriquecendo a diversidade de tipos na tripulação.
De todos os personagens, não hesito em dizer que o mais carismático é o Capitão Pike e há muito o que se falar sobre ele. Pike foi o predecessor de Kirk e aparece pela primeira vez no primeiríssimo piloto de Star Trek, o episódio zero, lá na década de 60 (interpretado por Jeffrey Hunter). Logo depois Kirk (interpretado por William Shatner) assumiu a série, mas ainda houve um episódio em que Pike retornou e com um destino bastante trágico.
Com o seu corpo destruído em um acidente, ele passou a viver como um vegetal, com o rosto deformado, se comunicando precariamente. Com ajuda de Spock, ele consegue um paliativo para essa condição terrível indo viver no planeta Talos, onde os telepatas imergem sua mente em uma "Matrix mental", onde pode viver como se estivesse plenamente saudável na companhia de sua amada Vina.
No filme Star Trek, de 2009, Pike aparece interpretado por Bruce Greenwood, mas é em Discovery que ele tem seu grande retorno. Ele chega na segunda temporada, trazendo consigo a clássica nave Enterprise, pois a série se passa antes de Kirk assumir o comando. Agora interpretado por Anson Mount, Pike finalmente teve a sua personalidade bem construída. Impossível não simpatizar com ele.
Anson, que teve o azar de atuar na péssima série dos Inumanos, com um personagem que nunca podia abrir a boca, ficou um tanto manchado naquele papel. Em Discovery, por sua vez, ele surpreende e se redime, pois consegue dar um charme e um carisma bem convincentes. Toda a tripulação gosta do Pike, até os inimigos o respeitam e nós, o público, mais ainda.
O Pike de Anson Mount é um cara legal e líder nato, equilibrado, conciliador, o tipo de pessoa que você gostaria de ter liderando a sua equipe. E para os fãs que conhecem o trágico fim do Capitão, há ainda essa camada de compaixão que sentimos antecipadamente ao saber que um cara tão bacana vai terminar como um vegetal em uma cadeira de rodas.
Esse evento último de sua carreira já foi mencionado em Discovery. Em certo momento ele tem um vislumbre do futuro e então aparece uma cena que faz referência àquela mostrada lá na série clássica, com o Capitão desfigurado e imóvel.
Há ainda outra referência mais sutil, quando Pike pega um daqueles bilhetinhos de biscoito da sorte com a frase "Not every cage is a prison, nor every losss eternal". O uso da palavra "cage" não é em vão, mas um easter egg lembrando o episódio zero da série clássica, intitulado The Cage.
Tendo um background já tão bem estabelecido no canon da franquia e um ator que deu vida e charme ao personagem, Pike roubou a cena na segunda temporada dessa série cuja protagonista é outra pessoa: Michael.
Michael, irmã de criação de Spock, compartilha de outras semelhanças com ele: assim como o irmão, ela é metade humana e metade vulcana, o que constitui uma personalidade mais racional e lógica que a humana, porém com certas nuances emotivas.
No começo da série, Michael até parece com Spock, demonstra uma frieza em situações de perigo. Vemos, por exemplo, que enquanto é transportada para a prisão, a nave é atacada por criaturas que consomem energia e ela tranquilamente aceita o fato de que pode estar em uma situação sem saída, enquanto os humanos ali presentes entram em pânico. Neste momento ela teve um comportamento que o Spock também teria.
Todavia, com o tempo a série vai estragando a Michael, humanizando-a demais. Ela passa a demonstrar raiva, ciúmes, pavor, apaixona-se com relativa facilidade, enfim, perde toda a graça. Ora, um dos charmes do Spock, bem como da raça vulcana, é a personalidade lógica e que suprime as emoções. É uma marca deles. Discovery simplesmente destruiu essa peculiaridade no intuito de desenvolver um drama forçado, primeiro o drama do desnecessário romance de Michael com o Tyler/Voq, depois o drama com o irmão Spock e a mãe viajante do tempo.
Star Trek não é a série de um personagem. Se há uma protagonista principal, é a nave, ela que leva a tripulação e atravessa o tempo e o espaço em mil aventuras e descobertas. Colocar toda a trama da série girando em torno dos dramas pessoais de um personagem é uma forçação de barra melodramática.
E falando em Voq, esse é outro personagem que foi estragado. No começo ele chegou bem. Era um pária klingon que conseguiu subir ao poder por sua coragem, se bem que a forma como rapidamente os líderes o aceitaram no topo foi muito banal. Ele simplesmente chegou reclamando seu lugar e literalmente botou a mão no fogo. Parece que os klingons se deixam impressionar muito fácil.
Mas ok, Voq parecia uma boa ideia, aí zoaram completamente com esse negócio dele ter passado por uma cirurgia que serrou os ossos e cortou os órgãos até ser transformado em um humano, o Tyler. Hein? Não bastando essa tosqueira, criaram um triângulo amoroso desnecessário entre Tyler, Michael e a klingon L'Rell. Depois de um tempo o Tyler perdeu totalmente a importância e ficou só de enfeite no elenco.
De toda forma, convenhamos que a série fez um trabalho excelente com os klingons. Teve a coragem e ousadia de mexer no visual dessa espécie, criando um novo conceito estético, uma aparência mais alienígena e brutamontes. Não só melhoraram os klingons fisicamente, como desenvolveram o visual de suas roupas, naves, tudo está bem impressionante de se ver.
De toda forma, convenhamos que a série fez um trabalho excelente com os klingons. Teve a coragem e ousadia de mexer no visual dessa espécie, criando um novo conceito estético, uma aparência mais alienígena e brutamontes. Não só melhoraram os klingons fisicamente, como desenvolveram o visual de suas roupas, naves, tudo está bem impressionante de se ver.
Por fim, não chega a ser uma crítica, mas só uma constatação: o único elemento de Star Trek que essa nova série não conseguiu homenagear foi o humor. A série clássica era bem versátil e conseguia ir do terror e da aventura até a comédia. A tripulação tem seus momentos de descontração e piada.
Em Discovery até tentaram fazer isso, mas o resultado é um humor sem graça, forçado como conversa de elevador. Não é o forte do Bryan Fuller. De toda forma, não é algo que realmente faz falta na série. O clima de seriedade combina perfeitamente com o show.
Quanto ao Spock, sua presença é ok. Enquanto no cinema ele vem sendo interpretado por Zachay Quinto, na série está com Ethan Peck. É uma versão mais jovem, ainda em início de carreira, que inclusive começa com um visual inusitado, cabeludo e barbudo, só mudando para o estilo sem barba e "cabelo de cuia" no fim da segunda temporada. Ele não tem o charme do Spock original, mas também não estraga o personagem.
O grande fan service da série acontece na segunda temporada quando vemos o crossover entre as duas naves, Enterprise e Discovery. É o encontro dos protagonistas, a nave que marcou várias gerações a partir da série clássica e a nova nave nascida nesta série. A temporada termina com uma grande batalha em que as duas lutam lado a lado num show épico.
Em Discovery até tentaram fazer isso, mas o resultado é um humor sem graça, forçado como conversa de elevador. Não é o forte do Bryan Fuller. De toda forma, não é algo que realmente faz falta na série. O clima de seriedade combina perfeitamente com o show.
Quanto ao Spock, sua presença é ok. Enquanto no cinema ele vem sendo interpretado por Zachay Quinto, na série está com Ethan Peck. É uma versão mais jovem, ainda em início de carreira, que inclusive começa com um visual inusitado, cabeludo e barbudo, só mudando para o estilo sem barba e "cabelo de cuia" no fim da segunda temporada. Ele não tem o charme do Spock original, mas também não estraga o personagem.
O grande fan service da série acontece na segunda temporada quando vemos o crossover entre as duas naves, Enterprise e Discovery. É o encontro dos protagonistas, a nave que marcou várias gerações a partir da série clássica e a nova nave nascida nesta série. A temporada termina com uma grande batalha em que as duas lutam lado a lado num show épico.
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