Qaligrafia
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O hábito de escrever diário

Anne Frank diary

Desde 1998 que tenho um diário. Não que nestes 20 anos eu tenha escrito regularmente todos os dias. Em alguns raros casos até passei semanas sem registrar nada, mas na maioria das vezes mantive sim uma frequência quase diária.

Nos primeiros anos escrevia à mão e depois mudei para a máquina de datilografar, pois eu vivi a adolescência nos anos 90, naquele limbo de transição entre a era analógica e digital. Só lá pelos anos 2005 passei a digitar no computador e ao longo dos anos até mesmo me dei ao trabalho de "passar a limpo" os textos da era pré-digital, digitando tudo de novo ou boa parte daquele material datilografado e manuscrito.

O resultado é que tenho agora um acervo com centenas de milhares de linhas de texto, alguns milhões de palavras. Sim, milhões. Afinal foram 20 anos escrevendo rotineiramente. Claro que a maior parte deste material não passa de trivialidades banais porque este é justamente um dos propósitos do diário: registrar trivialidades. 

E mesmo isto tem um bônus porque estou praticando a escrita, ainda que de forma relaxada, sem me preocupar em corrigir o que escrevo, já que é só um registro pessoal e banal. De toda forma estou cultivando a escrita, ela se torna um hábito fluido, fácil, como uma memória muscular do atleta que repete muito certos movimentos.

Se você mantiver o hábito do diário, verá que ao longo dos anos terá escrito muito, muuuito mesmo. Mas diário não se trata apenas de manter viva a mania de escrever, é uma ferramenta de autoconhecimento, é um olhar-se no espelho, refletir sobre coisas que fizemos, que dissemos, sobre como reagimos a certas situações. Além de ser uma memória do passado, é uma reflexão constante do presente, é digerir a vida, meditar, analisar-se. O diário é um terapeuta.

Há categorias de diários. Existe o mais comum que é o registro de rotinas pouco interessantes e que provavelmente terá utilidade apenas para quem escreve, mas também existem aqueles intencionalmente escritos com o propósito de serem lidos por terceiros, como um registro de viagem, de alguma experiência marcante, algo que, se compartilhado, pode acrescentar algo aos leitores. Em alguns casos, uma experiência pessoal se torna tão marcante que acaba virando livro, mesmo que esta não tenha sido a intenção original de quem escreveu, como aconteceu com Anne Frank.

E há diários intimistas, desabafos, confissões. O grimório dos magos também em alguns momentos assumiu o caráter de diário, registrando suas experiências no aprendizado e prática de magia. Há diários profissionais, como os de navegação (ou diário de bordo). Um deles, por exemplo,  se tornou um relato do descobrimento do Brasil: a Relação do Piloto Anônimo. Médicos podem ter diários sobre seus pacientes, cientistas sobre suas pesquisas e até presidentes e papas registram fatos e reflexões acerca de seus anos de atividade.

Tenho tentado voltar a escrever à mão, ao menos alguns textos, pois a escrita à mão tem um elemento extra que a digitação suprime, um elemento artístico, artesanal. Além de lidar com palavras, ideias e fazer sua autorreflexão, no texto manuscrito você pratica a habilidade manual e as folhas se tornam pequenos trabalhos de arte, pois não existe letra feia. Existe letra ilegível, letra que não segue a estética caligráfica, mas qualquer texto escrito à mão tem um curioso charme, aliás, acho que quanto mais irregular mais charmosa é, pois a letra ganha personalidade, não se torna igual a tantas outras que obedecem a um padrão. Mas enfim, estou viajando em digressões.

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