Sou fã do Darren Aronofsky desde Requiem for a Dream (2000). Que filmão aquele! Além do próprio Aronofsky, esse filme revelou dois outros talentos: Jared Leto como ator e Clint Mansell como compositor. Inclusive o Clint Mansell seguiria como parceiro do Aronofsky fazendo a trilha de outros filmes.
Mas o que mais gostei do Aronofsky foi The Fountain (2006), afinal sempre tive muito interesse em temas cósmicos, transcendentes. Ele se declara agnóstico, mas seus filmes sempre têm um teor místico, meio gnóstico meio cristão. Isso ficou ainda mais explícito no filme Noé (2014), com uma releitura bem inusitada da história bíblica do dilúvio. E agora em Mãe! (2017) ele contou a saga da criação na forma de uma metáfora.
A história começa com um simples casal, mas vai se tornando meio delirante, confusa, só que existem pistas constantes de que não é algo a se entender de forma literal. Quando aparece um casal e depois seus dois filhos e acontece um fratricídio, já fica evidente a semelhança com a história de Caim e Abel e basta o expectador seguir por esse caminho da alegoria que as peças vão se encaixando.
Em resumo, a mulher é a Mãe Terra, o homem é o Deus Criador, o Jeová (ele mesmo se define como “eu sou o que sou”, assim como o Jeová bíblico), de modo que os acontecimentos na vida daquele casal e daquela casa seriam obviamente uma figura da história da Terra e da humanidade.
Em resumo, a mulher é a Mãe Terra, o homem é o Deus Criador, o Jeová (ele mesmo se define como “eu sou o que sou”, assim como o Jeová bíblico), de modo que os acontecimentos na vida daquele casal e daquela casa seriam obviamente uma figura da história da Terra e da humanidade.
As pessoas bagunçando a casa claramente são uma referência à destruição do meio ambiente causada pelos humanos, a falta de respeito pela mãe natureza; em certo momento acontece um acidente na casa que fica inundada e as pessoas são expulsas, referência óbvia ao dilúvio, ao primeiro apocalipse. Mas isso não bastou para expulsar os humanos do planeta e eles voltaram, se multiplicaram, o mundo se torna uma prisão, acontecem guerras e fome, então a Mãe Terra se sacrifica tacando fogo em tudo. Este é o próximo apocalipse, quando o planeta será consumido em fogo.
Bom, se assistimos este filme sem ter em mente que é uma metáfora, parece que é uma história muito louca que vai ficando cada vez mais sem sentido e surreal. Talvez pareça que o casal sofre de algum delírio, talvez só um deles seja real e viva uma relação imaginária, enquanto na verdade está sozinho na casa. Esta seria uma interpretação psicológica da trama
Sabendo, porém, que é uma metáfora, fica fácil perceber todo o simbolismo religioso. O Deus Criador gosta da adoração dos humanos e os convida para a casa; a Mãe Terra sofre com a presença invasiva dos humanos; numa primeira tentativa de expulsá-los, acontece o dilúvio; eles persistem; ela tem dores de parto e treme, o que seriam os terremotos da Terra; tem um filho que é sacrificado e transformado em objeto de adoração, claramente uma referência a Jesus; por fim ela decide acabar com tudo através do fogo das profundezas da Terra, algo previsto em profecias apocalípticas. O Deus Criador, poeta, recomeça do zero, semeando de novo a vida no planeta. Não é, portanto, um quebra cabeças de simbologia difícil de se decifrar. O mapa para entender o filme é simplesmente a Bíblia.
Só me pareceu estranho o fato da Mãe Terra encarar os humanos como intrusos e não como filhos dela, pois é assim em qualquer mitologia acerca da Deusa Terra. Não somos invasores, mas os filhos do planeta. Ela não quer nos expulsar, mas viver em harmonia conosco. Esta Gaia do filme parece egoísta, enquanto o Jeová é um bobalhão narcisista que só quer ser reconhecido pelos seus poemas. Ficou realmente estranho isso. É como se Aronofsky estivesse fazendo uma releitura debochada do mito da criação, como se a mensagem, a moral da história, fosse uma ideia misantropa e pessimista de que devemos sair do planeta, que somos intrusos aqui.
No mais, o fato é que Mãe! foi a obra mais simples de Aronofsky, ele a escreveu em uma semana, é um breve conto se comparado a seus outros filmes e, apesar de ser confuso e absurdista (o que pode levar a pensar que é algo muito complexo para se entender), na verdade é bem simples. De certa forma, é uma duologia com o filme Noé. Enquanto este contava a historia do dilúvio, Mãe! fala do Gênesis e Apocalipse.