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Lembranças do Cativeiro, um exemplo do cinema "country" americano

The Girl in the Crawlspace (2018)

O cinema americano (ou estadunidense, caso prefira chamar assim) pode ser dividido em três indústrias: Hollywood, a indústria indie e a country.

Hollywood, obviamente, é a mainstream, a mais organizada, grandiosa e lucrativa indústria de cinema do mundo. Nesta categoria não incluo apenas os filmes produzidos exatamente em Hollywood, na Califórnia, mas todos os grandes studios, como Disney e Warner, bem como a nova geração nascida do streaming, como a Netflix e Amazon, afinal estes novos studios contratam roteiristas, diretores e atores formados e consagrados na escola de Hollywood.

A indústria indie, como o nome indica, é feita de produtores independentes, que fazem seus filmes em studios pequenos, com orçamento baixo, mas que eventualmente podem virar um sucesso de nível hollywodiano e alcançar o mainstream, como foi o caso de Atividade Paranormal (cujo primeiro filme foi produzido com míseros 15 mil dólares e terminou virando uma franquia com várias sequências que já somam quase 1 bilhão de dólares em bilheteria).

Nessa indústria indie também é comum haver a presença de profissionais de Hollywood. Às vezes um ator ou diretor famoso se envolve num projeto de um pequeno studio, como é o caso do filme Knock Knock (2015), que foi dirigido por Eli Roth e estrelado por Keanu Reeves. Reeves, aliás, é um destes atores humildões que quando estão de bobeira topam atuar em filmes pequenos, como Replicas (2018, resenha aqui), To the Bone (2017, aqui) e The Neon Demon (2016).

A grande indústria de Hollywood e a pequena indústria indie, portanto, são como irmãs que se retro-alimentam. Às vezes um roteirista, diretor ou ator começa no meio indie e se revela, sendo chamado para grandes produções de Hollywood, e às vezes alguém já consagrado em Hollywood se envolve num projeto indie.

Aí temos outra indústria bem diferente, mais caseira e amadora e que aqui vou chamar de country. Este é o verdadeiro cinema nacional dos Estados Unidos, obra de artistas amadores ou na trilha inicial do profissionalismo. Não é uma indústria super estruturada e que visa o mercado internacional, nem se localiza em regiões metropolitanas e cosmopolitas como a Califórnia ou Nova York. É obra de gente nos interiores do Texas ou da Flórida, o país profundo, o lado "caipira" dos Estados Unidos.

Dito isto, eis que me deparei com um exemplar deste cinema country na biblioteca do Amazon Prime, um filme de apenas uma hora chamado The Girl in the Crawlspace (2018). A sinopse me chamou atenção, então resolvi conferir.

Já nos primeiros minutos ficou claro que era algo bem caseiro. A qualidade da fotografia, sem qualquer tipo de filtro que criasse um clima (hoje praticamente todo filme profissional tem algum filtro de cor), sem muita técnica nos ângulos e jogo de câmera, e com atuações bem insossas. Os atores parecem todos uns figurantes que foram chamados para protagonizar e em alguns casos parece que nem mesmo estão se esforçando em atuar.

A história envolve uma garota que após vários anos escapou do cativeiro e recebe ajuda psicológica de um casal, enquanto isso ela vai aos poucos lembrando do rosto do seu raptor e no fim acontece o confronto com ele.

Embora tenha uma proposta de terror, a narrativa na verdade é bem leve, sem violência explícita e tem uns momentos aleatórios de relacionamento entre os personagens, como quando uns amigos se reúnem para jogar RPG de mesa e acabam conversando sobre vários filmes e atores clássicos.

O diretor e roteirista, John Oak Dalton, tem na sua filmografia outras obras que são bem a cara desse cinema de interior que não tem medo de ser tosco, como Jurassic Prey (2015), que parece ser um terror com dinossauro e atores ruins, e Amityville Island (2020), um terror com tubarão.

Apesar dos filmes serem ruins ou no mínimo de qualidade amadora, acho importante a existência dessa indústria country. Estes filmes caseiros são um ensino médio de cinema, um caminho que pode levar pessoas dali para a profissionalização de nível superior na grande indústria. 

Além disso, a produção de filmes é boa para a vida cultural das cidades do interior, é uma oportunidade para criarem algo com o sotaque e a história local, com a cara do povo. Isso é algo que não existe tanto aqui no Brasil, mas teve seus raros modelos como Zé do Caixão. Agora, com toda a facilidade de recursos (basta uma câmera ou celular, um computador e internet), bem que poderia se tornar mais comum. 

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