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Black Summer, a prequel de Z Nation

Black Summer (2019-)

A série Z Nation (resenha aqui) foi criada em 2014 por John Hyams e Karl Schaefer com uma proposta bem diferente da já consagrada The Walking Dead. Em vez de ser séria, dramática e "realista" como TWD, Z Nation é bem galhofa, levando o apocalipse para o lado da sátira.

Z Nation terminou em 2018 e em 2019 a dupla de produtores voltou com Black Summer, que se propõe ser uma prequel de Z Nation, mostrando o mundo ainda no início da epidemia. O tom adotado desta vez é bem diferente, mais sério e pé no chão.

Os zumbis fisicamente parecem pessoas normais ainda, não estão com os corpos apodrecidos nem com as roupas rasgadas. Parecem mais pessoas enlouquecidas do que mortos-vivos. Além disso, são do tipo "runner", zumbis que correm, diferente dos "walker" que andam lentamente e são o tipo mais conhecido nas histórias de zumbis. É o estilo de "zumbi berserk" que foi consagrado no filme Extermínio (2002).

Este detalhe acaba tornando os zumbis de Black Summer bem ameaçadores e as cenas de perseguição são realmente tensas. Enquanto em TWD os protagonistas se tornaram quase super-heróis e matam zumbis com facilidade e aos montes, aqui as pessoas se parecem mais com gente da vida real, que nunca teve treinamento para matar alguém, e passam por um sufoco lidando com os bichos enfurecidos.

A primeira temporada teve apenas oito episódios e são curtinhos, durando menos de 25 minutos, o que deixa a série bem fácil de maratonar. É visivelmente uma produção de baixo orçamento, com atores desconhecidos e provavelmente terá poucas temporadas, mas já pode ser incluída na lista de séries de zumbis que valem a pena assistir.

Jaime King, Black Summer (2019-)

A segunda temporada veio em 2021 e agora mais focada ainda nos humanos. Os zumbis se tornaram bem menos importantes, funcionando mais como armadilhas no cenário do que como vilões. Os maiores perigos são os próprios humanos, pois o mundo agora é uma terra sem lei e nunca se sabe em quem confiar.

Nesse quesito, a segunda temporada enfatiza a maldade humana com frequência e desde o primeiro episódio. As pessoas estão constantemente se sacaneando, os personagens morrem num nível Game of Thrones e há esse clima de constante suspeita.

A estrutura narrativa da segunda temporada é bem caprichada, a ponto de até confundir um pouco, pois os eventos são contados sob o ponto de vista de diversos personagens e em ordem não cronológica, criando uma trama complexa, um quebra-cabeças de pequenas histórias que se combinam. É de fato um roteiro bem trabalhado.

Black Summer (2019-)

Uma das melhores histórias acontece no episódio 5 (Cavalo Branco), em que vemos dois caras se encontrando ao acaso numa estrada e, superada a desconfiança inicial, começam a caminhar juntos, enfrentando os desafios de sobrevivência e se conhecendo. 

A tensão e desconfiança entre eles, misturada à necessidade de se ajudarem e ao sentimento de amizade que começa a surgir, cria uma situação bem dramática e realista, um relacionamento complexo que torna os dois personagens bem interessantes.

Tiger King, malandros fazendo malandrices

Tiger King (2020)

A Máfia dos Tigres é um daqueles documentários que a gente assiste por causa da hype, porque todos estão falando. Bom, fui lá conferir e acabei me decepcionando.

Talvez eu tenha ido com a expectativa errada. A impressão que me passaram os comentários que vi na internet era que se tratava de um show sobre pessoas excêntricas, mas na verdade está mais pra um documentário de crime (o que inclusive fica explícito no subtítulo em inglês: Murder, Mayhem and Madness).

O título em inglês foca na figura do Joe Exotic: Tiger King, mas de certa forma a tradução em português aborda melhor a série. É sobre uma máfia, um enorme mercado de criação de tigres nos Estados Unidos. 

Acompanhamos a batalha jurídica entre Joe e sua nêmesis Carole Baskin (que também tem uma obscura história de talvez ter sumido com o marido pra herdar a fortuna) e a vida agitada do showman até o momento em que ele vai parar na cadeia.

E é isso. Nada que realmente tenha me impressionado. Acho que esses programas de barracos e pessoas tretando não fazem meu gosto.

Walking Simulator, o cospobre de Death Stranding

Walking Simulator (2020)

A Steam tem um submundo de jogos zoados e eu acho isso ótimo. Acredito que todo desenvolvedor deve ter oportunidade de publicar seus jogos e que o público dê a nota que achar apropriada. Além de jogos triple A e premiados indies, existem na Steam estes joguinhos toscos, mal acabados e zoados. É o caso de Walking Simulator (2020).

O jogo é obviamente e literalmente uma piada. Ele imita o estilo de "motoboy do futuro" consagrado no conceitual Death Stranding. O mapa é um cenário de montanhas e neve e você tem umas poucas missões indo pra lá e pra cá levando entregas até um ponto em que o próprio jogo começa a dizer pra você parar, que não tem mais nada ali.


Pathway, um Commandos pixelado

Pathway (2019)

Eu adoro jogos pixelados. Não sei se é só pela nostalgia, já que cresci na época em que este estilo de gráfico não era um estilo, mas uma condição inevitável. Para a tecnologia dos anos 90, gráficos pixelados eram o que tinha pro momento e a gente sempre se empolgava quando aparecia um jogo novo com uma melhoria gráfica.

O tempo passou e vieram os jogos 3D toscos do Playstation 1 e 2, depois veio o bom 3D, quando finalmente a coisa ganhou uma qualidade notável, especialmente nas texturas que tornaram tudo mais realista, então veio a nostalgia e o pixel passou a ser considerado arte, não mais uma limitação gráfica, mas um estilo, um conceito estético.

Pathway (2019)

O fato é que existe algo encantador na pixel art. Por ter uma aparência mais infantil, mais fofinha, o jogo ganha um ar mais lúdico, menos sério. Esse é o segredo desse tipo de jogo.

Pois bem, Pathway (2019) é assim. Ele adota a estética pixelada, porém não de forma tão tosca como nos jogos antigos. É o melhor dos mundos, a junção do visual lúdico e retrô com recursos modernos de colorização e animação.

Pathway (2019)

A jogabilidade lembra a do clássico Commandos (1998): você vai ao campo de batalha com um pequeno grupo de personagens, cada qual com suas especialidades táticas, então administra a equipe durante a batalha. 

Diferente de Commandos, em que as ações da sua equipe e dos inimigos ocorrem em tempo contínuo (RTS), em Pathway o combate ocorre em turnos (TBS), o que permite um planejamento melhor das estratégias. 

Pathway (2019)

As missões consistem em ir explorando os mapas (e é preciso tomar cuidado pra não acabar a gasolina) e a cada parada você encontra eventos diferentes. Além dos combates pode encontrar lojas de itens ou mistérios que pode resolver usando habilidades específicas de cada personagem. O jogo possui uma história envolvendo os nazistas e sua relação com o ocultismo, por isso nas missões você acaba se deparando com zumbis e bruxos.

Há diversos achievements e alguns são necessários pra ir desbloqueando personagens novos. Há uma boa variedade de habilidades. Alguns personagens são melhores com armas brancas, outros com pistolas, shotguns, metralhadoras, rifles, railguns e tem até granadeiros. Quando seus personagens sobem de nível, você pode adquirir habilidades especiais ou melhorar os stats deles.

Enfim, achei a jogabilidade bastante satisfatória e me garantiu umas 20 horas de diversão.

Z Nation, a versão galhofa do apocalipse zumbi

Z Nation (2014-2018)

No cinema, o pai do terror de zumbis é George Romero, consagrando o gênero com A Noite dos Mortos-Vivos (1968). Na televisão, por sua vez, quem se tornou referência foi a série The Walking Dead (2010-infinito), que teve início como uma revista em quadrinhos. Nada disso, porém, se compara ao que você verá em Z Nation (2014-2018).

Não que Z Nation seja um primor do gênero. Ao contrário, a série é bem trash, tosca, e é esse o seu charme. Na verdade, a sátira cai como uma luva no terror de zumbis, porque a ideia de pessoas mortas andando por aí e comendo gente (literalmente) é por si só algo zoado e meio galhofa.

Z Nation (2014-2018)
Zumbi radioativo.

Z Nation (2014-2018)
Zumbi de maconha.

Z Nation (2014-2018)
Zumbi coberto de jóias.

Então Z Nation leva adiante essa galhofa. Uma das coisas mais legais da série é o "ecossistema" de zumbis. Tem todo tipo de zumbi, desde bebês zumbis que saem correndo tentando morder suas pernas, zumbis que comem baterias de carro e até zumbis de maconha. Sim, tem zumbis que foram criados em plantações de maconha e se tornaram híbridos, com corpos cobertos de erva. Que outro filme ou série pensou nisso?

Zombie George R. R. Martin, Z Nation (2014-2018)
Sim, o George R. R. Martin fez uma participação com sua versão zumbi.

Back to the Future reference, Z Nation (2014-2018)
Olhaí uma referência a Back to the Future.

Lincoln zombies, Z Nation (2014-2018)
Que tal um ônibus cheio de zumbis fazendo cosplay de Abraham Lincoln?

A estrela do show é o personagem Murphy (Keith Allan) que tem um arco de personagem bem caprichado. Ele começa como um prisioneiro que é usado como cobaia na pesquisa de uma cura para a pandemia e ao longo das temporadas vai sofrendo mutações a ponto de se tornar uma nova espécie, nem humano, nem zumbi, com poderes psíquicos capazes de controlar os mortos-vivos e até outros humanos. Tem momentos que ele é o trapalhão do grupo, em outros é o badass, ora é mocinho, ora é vilão ou anti-herói e uma espécie de Poderoso Chefão zumbi.

Z Nation (2014-2018)
Uma das cenas mais zoadas da série. O cara põe ketchup no próprio cérebro pra atrair zumbis.

A trama também evolui de formas cada vez mais insanas. Tem explosão nuclear, tem hordas gigantescas chamadas de tsunami zumbi (zunami), tem até alienígenas. E de várias formas a série brinca com o gore e a violência. Em certo episódio, por exemplo, eles matam zumbis rolando um enorme queijo ladeira abaixo, que passa como um rolo compressor sobre os bichos.

Diferente da maioria de histórias em que zumbis são assustadores e aterrorizam os personagens, em Z Nation zumbi existe pra ser massacrado pelos protagonistas como se fosse um jogo. Eles se divertem matando e tem até um personagem, o 10k (10 mil), que fica contando o número de zumbis que mata porque tem a meta de chegar aos 10 mil.

Apesar de ser em grande parte satírica, a série também tem seus momentos além da comédia, com alguns personagens vivendo dramas bem intensos e também há cenas de ação mais sérias. A presença do DJ Qualls no elenco também deu um ar mais sci-fi porque ele é o hacker sobrevivente da NSA que, isolado no Pólo Norte, consegue se comunicar com os outros personagens, guiando-os numa quest para levar Murphy até algum centro de pesquisa a fim de estudar seu DNA mutante.

Joseph Gatt and Keith Allan, Z Nation (2014-2018)
The Man (uma matador de aluguel badass bem brucutu anos 90) e Murphy.

Keith Allan, Z Nation (2014-2018)

Into the Badlands, mistura de Mad Max com artes marciais

Into the Badlands (2015-2019)

Into the Badlands (2015-2019) tem como roteiristas a dupla Alfred Gough e Miles Millar, mais conhecidos por terem escrito o roteiro de Spider-Man 2 (2004) e também de alguns episódios de Smallville (2001-2011). A estrela principal é o sino-americano Daniel Wu, que atuou em zilhões de filmes de artes marciais.

A ação da série, porém, não fica dependendo só do Daniel Wu. Em Into the Badlands todo mundo sai na porrada, dos protagonistas aos figurantes, e olha, todas as cenas de luta são impressionantes. O trabalho de coreografia e efeitos especiais (que misturam efeitos práticos e CGI) foi realmente bonito de se ver.

Into the Badlands (2015-2019), scenery

Into the Badlands (2015-2019), scenery
Os cenários bucólicos também fazem parte da beleza da série.

Into the Badlands (2015-2019), scenery
Olha só esse escritório, olha esses raios de luz!

Um bom exemplo da qualidade dos combates são as lutas da baronesa Viúva. Sim, pois os barões nesse mundo não ficam sentados em tronos enquanto os lacaios saem na porrada. Eles também são bons de briga, como chefões de video game. Pois bem, a baronesa dá chutes e cambalhotas trajando um vestido vitoriano e sapato alto. Ok, é uma luta bem inverossímil, mas é elegante e uma beleza de assistir.

Se tem uma coisa que essa série prezou foi a estética. É tudo muito caprichado, as roupas, a fotografia, com um belo jogo de cores vivas e um filtro que dá um tom agradável à tela. Os figurinos dos personagens e a ambientação do cenário criaram um mundo pós-apocalíptico que é uma espécie de Mad Max com artes marciais.

Stephen Lang, Into the Badlands (2015-2019)
Eu falei que todo mundo luta nessa série, até um senhor de cadeira de rodas.

Nick Frost, Into the Badlands (2015-2019)

Nick Frost, Into the Badlands (2015-2019)
Garbo e elegância.

Não há armas de fogo nesse mundo, só arcos, bestas, espadas e diversas armas brancas. O que restou da humanidade vive em feudos governados por barões e há todo um sistema militar com guerreiros a serviço dos barões, sendo seus membros mais poderosos os clippers, que são como samurais modernos.

Into the Badlands (2015-2019)
Um exemplo do gore presente na série.

Para apimentar ainda mais os combates, existem pessoas com um superpoder místico que aumenta sua força e habilidade. Outro elemento interessante é a violência explícita que chega ao nível do gore em certas cenas. Pra quem gosta de lutas sangrentas, esta série é um prato cheio. Tem fraturas expostas, empalamentos, cabeças rolando, litros e mais litros de sangue cenográfico pra dar inveja ao Tarantino.

Marc Rissmann, Into the Badlands (2015-2019)

Marton Csokas, Into the Badlands (2015-2019)
O vilão mais carismático da série.
Into the Badlands (2015-2019), scenery: Leonidas at Thermopylae (Jacques-Louis David)
O quadro Leônidas em Termópilas (Jacques-Louis David) embelezando o cenário.

Apesar de ter sido cancelada na terceira temporada, a série terminou com a história bem fechadinha, completando o arco dos personagens e ainda com um curioso final (opa spoiler) em que, na última cena, alguém encontra uma arma de fogo, o que cria toda uma nova perspectiva para o futuro daquele mundo que até então só tinha armas brancas. Deixar este assunto em aberto foi um bom final.

Into the Badlands (2015-2019)

Por fim, para completar a beleza da série, temos o charme da Emily Beecham e da Sarah Bolger, para nossa alegria.

Emily Beecham, Into the Badlands (2015-2019)

Emily Beecham, Into the Badlands (2015-2019)

Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)

Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)

Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)

Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)
Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)

Sarah Bolger, Into the Badlands (2015-2019)

Cyberpunk, um documentário de 1990

Cyberpunk, the Documentary (1990)

Em 1984, William Gibson publicou seu romance Neuromancer, uma obra visionária, ou melhor, profética. Naquela época em que os computadores não passavam de uma tela preta com caracteres e não faziam mais do que cálculos básicos e edição de texto, Gibson vislumbrou um futuro em que a humanidade teria acesso a um mundo virtual, digital, que seria possível explorar por meio de uma interface direta da mente com os computadores.

Ali surgiu o que se tornou conhecido como o gênero cyberpunk, um ramo da ficção científica que descreve um futuro em que as pessoas facilmente realizam melhorias nos próprios corpos por meio de implantes robóticos e integração do cérebro com o mundo virtual.

Neste documentário de 1990, dirigido por Marianne Trench, vemos uma entrevista com o próprio Gibson, bem como outras figuras influentes na área, como o cientista da computação Jaron Lanier e o neurocientista e escritor futurista Timothy Leary.

VR prototype in Cyberpunk, the Documentary (1990)

VR prototype in Cyberpunk, the Documentary (1990)

É curioso também observar que já naquela época existiam tecnologias de VR (Virtual Reality), uma tecnologia que só recentemente está se tornando popular principalmente no mercado de games. Pois bem, há trinta anos já havia experimentos com óculos e luvas de interação com um ambiente virtual 3D. 

Uma década antes do filme Matrix (1999), já havia hackers, cientistas e autores de ficção visualizando um futuro próximo em que teríamos uma vida dupla: a vida no mundo físico e outra em um "universo paralelo" criado pela computação, uma simulação do mundo real na qual podemos nos mover na velocidade do pensamento e que vai se tornar nosso ambiente de trabalho, lazer e convivência em boa parte de nosso tempo.

William Gibson in Cyberpunk, the Documentary (1990)

O futuro cyberpunk, vislumbrado há 30-40 anos, está chegando.

O Making of de The Empire Strikes Back

The Making of 'The Empire Strikes Back' (1980)

Descobri por acaso no Youtube essa peça rara sobre a história de Star Wars. É um documentário de 1980, dirigido por Michael Parbot, que contém entrevistas com o elenco principal de O Império Contra-Ataca, mas o mais interessante é a parte técnica da produção do filme.

Vemos a criação das criaturas alienígenas, das naves e robôs, e como eram elaborados os efeitos especiais. É curioso que já naquela época, início dos anos 80, o computador fazia parte da produção cinematográfica. 

The Making of 'The Empire Strikes Back' (1980)

The Making of 'The Empire Strikes Back' (1980)


A maioria dos efeitos especiais era feita da forma clássica: os efeitos práticos. Artesãos produziam roupas peludas, máscaras de borracha, e assim se criavam os monstros e seres alienígenas como Chewbacca; e as naves eram brinquedinhos de plástico que, graças à perspectiva das filmagens, pareciam objetos enormes.

O computador foi usado em tarefas básicas de automação. Certos movimentos de câmera para gravar as miniaturas eram programados em um computador que então controlava o mecanismo que movia a câmera, o que permitia regravar a mesma cena várias vezes com os mesmos exatos movimentos. Era o melhor que a computação podia oferecer na época. 

The Making of 'The Empire Strikes Back' (1980)

Timidamente, o computador chegava no cinema para ficar. Trinta anos depois, temos cenários e cenas inteiras produzidas em softwares gráficos.

Lembranças do Cativeiro, um exemplo do cinema "country" americano

The Girl in the Crawlspace (2018)

O cinema americano (ou estadunidense, caso prefira chamar assim) pode ser dividido em três indústrias: Hollywood, a indústria indie e a country.

Hollywood, obviamente, é a mainstream, a mais organizada, grandiosa e lucrativa indústria de cinema do mundo. Nesta categoria não incluo apenas os filmes produzidos exatamente em Hollywood, na Califórnia, mas todos os grandes studios, como Disney e Warner, bem como a nova geração nascida do streaming, como a Netflix e Amazon, afinal estes novos studios contratam roteiristas, diretores e atores formados e consagrados na escola de Hollywood.

A indústria indie, como o nome indica, é feita de produtores independentes, que fazem seus filmes em studios pequenos, com orçamento baixo, mas que eventualmente podem virar um sucesso de nível hollywodiano e alcançar o mainstream, como foi o caso de Atividade Paranormal (cujo primeiro filme foi produzido com míseros 15 mil dólares e terminou virando uma franquia com várias sequências que já somam quase 1 bilhão de dólares em bilheteria).

Nessa indústria indie também é comum haver a presença de profissionais de Hollywood. Às vezes um ator ou diretor famoso se envolve num projeto de um pequeno studio, como é o caso do filme Knock Knock (2015), que foi dirigido por Eli Roth e estrelado por Keanu Reeves. Reeves, aliás, é um destes atores humildões que quando estão de bobeira topam atuar em filmes pequenos, como Replicas (2018, resenha aqui), To the Bone (2017, aqui) e The Neon Demon (2016).

A grande indústria de Hollywood e a pequena indústria indie, portanto, são como irmãs que se retro-alimentam. Às vezes um roteirista, diretor ou ator começa no meio indie e se revela, sendo chamado para grandes produções de Hollywood, e às vezes alguém já consagrado em Hollywood se envolve num projeto indie.

Aí temos outra indústria bem diferente, mais caseira e amadora e que aqui vou chamar de country. Este é o verdadeiro cinema nacional dos Estados Unidos, obra de artistas amadores ou na trilha inicial do profissionalismo. Não é uma indústria super estruturada e que visa o mercado internacional, nem se localiza em regiões metropolitanas e cosmopolitas como a Califórnia ou Nova York. É obra de gente nos interiores do Texas ou da Flórida, o país profundo, o lado "caipira" dos Estados Unidos.

Dito isto, eis que me deparei com um exemplar deste cinema country na biblioteca do Amazon Prime, um filme de apenas uma hora chamado The Girl in the Crawlspace (2018). A sinopse me chamou atenção, então resolvi conferir.

Já nos primeiros minutos ficou claro que era algo bem caseiro. A qualidade da fotografia, sem qualquer tipo de filtro que criasse um clima (hoje praticamente todo filme profissional tem algum filtro de cor), sem muita técnica nos ângulos e jogo de câmera, e com atuações bem insossas. Os atores parecem todos uns figurantes que foram chamados para protagonizar e em alguns casos parece que nem mesmo estão se esforçando em atuar.

A história envolve uma garota que após vários anos escapou do cativeiro e recebe ajuda psicológica de um casal, enquanto isso ela vai aos poucos lembrando do rosto do seu raptor e no fim acontece o confronto com ele.

Embora tenha uma proposta de terror, a narrativa na verdade é bem leve, sem violência explícita e tem uns momentos aleatórios de relacionamento entre os personagens, como quando uns amigos se reúnem para jogar RPG de mesa e acabam conversando sobre vários filmes e atores clássicos.

O diretor e roteirista, John Oak Dalton, tem na sua filmografia outras obras que são bem a cara desse cinema de interior que não tem medo de ser tosco, como Jurassic Prey (2015), que parece ser um terror com dinossauro e atores ruins, e Amityville Island (2020), um terror com tubarão.

Apesar dos filmes serem ruins ou no mínimo de qualidade amadora, acho importante a existência dessa indústria country. Estes filmes caseiros são um ensino médio de cinema, um caminho que pode levar pessoas dali para a profissionalização de nível superior na grande indústria. 

Além disso, a produção de filmes é boa para a vida cultural das cidades do interior, é uma oportunidade para criarem algo com o sotaque e a história local, com a cara do povo. Isso é algo que não existe tanto aqui no Brasil, mas teve seus raros modelos como Zé do Caixão. Agora, com toda a facilidade de recursos (basta uma câmera ou celular, um computador e internet), bem que poderia se tornar mais comum. 

O realismo futurista de Simon Stålenhag

Tive meu primeiro contato com a obra desse artista sueco graças à série Tales from the Loop (resenha aqui). A ambientação meio sci-fi meio fantasia da série foi inspirada nas pinturas de Simon Stålenhag, que explora um conceito de arte realista e fotográfica mesclando elementos tecnológicos como robôs e estruturas futuristas. O resultado você vê a seguir:

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag

Simon Stålenhag