Em minhas primeiras impressões, Cyberpunk parece um jogo que tem algo a oferecer para diversos tipos de gamer (desde, é claro, que goste do gênero futurista). Ele pode ter muita ação frenética ou ser contemplativo e relaxante, pode ter uma história cativante ou você pode ignorar a história e partir para a pancadaria. O jogo não decide como você vai jogar. Você decide.
Se você gosta da imersão do gameplay, das cutscenes com diálogos, de mergulhar na história e se apegar aos personagens, Cyberpunk faz isto muito bem.
As expressões faciais são das melhores que já vi em jogos recentes. Os bonecos, feitos na REDengine (engine criada pela própria CD Projekt RED), têm umas expressões muito fluidas e naturais. Até mesmo na parte de criar seu personagem, é impressionante notar como o rosto se comporta, com microexpressões nos olhos, sobrancelhas, lábios, etc.
Confesso que não costumo me interessar pela história dos jogos. Pulo cutscenes e mal leio os diálogos. Eu sei, eu sei, é um pecado isto, mas me perdoem os roteiristas, o que eu quero é me distrair explorando o mundo, fazendo missões e matando mobs.
Poucos jogos me convenceram a atentar para a história. Foi o caso de Life is Strange, mesmo porque a história é essencial para o desenrolar do jogo. Também dediquei atenção à história em Bioshock Infinite, pois aquela mistura de noir com teslapunk é muito interessante. Quando joguei o primeiro Deus Ex, não só observei os diálogos e interações, como eu gostava de ler os fragmentos de notícias que a gente encontra pelo mapa e que desenvolvem a temática cyberpunk daquele futuro distópico. Mad Max também conta como um dos poucos casos em que realmente me interessei pelas cutscenes e fiquei imerso na história.
Cyberpunk 2077 entra nesta seleta lista de roteiros que prenderam minha atenção. É uma história e um mundo cheio de detalhes. Explorando o mapa você encontra trechos de livros, diários, cartas, notícias sobre diversos eventos como ataques terroristas, transtornos psicológicos causados pelos implantes cibernéticos e rebeliões em bases espaciais. Existem até mesmo reflexões teológicas envolvendo a questão dos implantes cybernéticos, o que nos faz pensar sobre a natureza anímica de uma tecnologia que torna corpo e alma quase inseparáveis.
Há vida nos NPCs. Os transeuntes nas ruas são obviamente mais rasos. Você pode abordar qualquer NPC e ele terá algumas linhas de fala. Não é possível dialogar com os transeuntes. Você apenas aperta F e eles falam qualquer coisa aleatória. Com o tempo você pode até notar certas falas se repetindo em diferentes NPCs. Mas ok, não é de se esperar que haja uma riqueza de falas nestes seres que existem apenas para povoar as ruas.
Por outro lado, há NPCs que fazem parte da história e são muitos. Alguns deles só vão ser conhecidos por jogadores dados à exploração e interessados em side quests. Além disso, mesmo entre os NPCs que povoam a cidade e não têm nenhuma função nas missões do jogo, você pode encontrar pequenas histórias ou comportamentos peculiares.
Já observei pessoas catando lixo, se drogando, varrendo o chão, conversando. Às vezes você se depara com dois caras discutindo e a coisa escala para o espancamento ou mesmo tiroteio. Uma vez passando numa rua onde ficam uns puteiros, vi uma mulher dando uma bronca no marido porque flagrou ele por ali.
É um mundo vivo que jogadores focados apenas em completar a história principal sequer tomam conhecimento. Se você passear pelas ruas, vai começar a perceber esta vida e as micro histórias dos habitantes de Night City.
Existe um monge budista, por exemplo, que você encontra em uma feira na cidade e você pode ter uma conversa com ele sobre a relação entre o ascetismo budista e os implantes cibernéticos. Ele também te pede o favor de resgatar o irmão raptado e assim você acaba entrando em uma aventura que começou quando resolveu parar pra falar com um NPC que nem faz parte da história principal.
Outro exemplo é Garry o Profeta. É um cara que fica falando teorias da conspiração na rua e você pode simplesmente ignorá-lo. Se puxar conversa, ele vai terminar te pedindo um trocadinho. Depois desta primeira interação, muitos players devem simplesmente deixar pra lá e não puxar mais conversa com o Garry, acontece que, se você voltar a falar com ele umas cinco vezes, ele vai acabar te chamando para uma missão, indicando o local do encontro de uma seita conspiracionista e lá vai você nesta aventura secundária desvendar uma conspiração global (ou não).
Tem um detalhe curioso nestas missões. A história do jogo basicamente se divide em antes de depois da aparição do Johnny Silverhand (dublado pelo Keanu Reeves, que também emprestou ao personagem seu rosto e captura de movimentos). Silverhand vira uma espécie de voz da consciência, já que ele é uma cópia de uma mente humana implantada em seu cérebro por um chip. Depois que o Silverhand aparece, ele passa a interagir com você nas diversas missões, inclusive as secundárias.
Nesta missão do Profeta, por exemplo, o Silverhand fica fazendo comentários céticos sobre as teorias da conspiração. Se você fizesse a missão antes da chegada do Silverhand, ficaria privado destas linhas extras de diálogo. Ou seja, é preferível segurar as side quests no começo do jogo e ir logo fazendo a história até "desbloquear" o Silverhand, assim as quests vão ficar mais interessantes com a participação dele.
Logo no começo do jogo conhecemos o Jackie Welles que se torna um companion por um tempo. Em certa missão, entramos no bar Afterlife e somos atendidos pela bartender Claire Russell. Rola uma conversa sobre bebidas, Claire menciona uma bebida que foi nomeada em homenagem a Silverhand. Jackie então dá uma fórmula de sua bebida preferida e pergunta se esta bebida vai ser batizada com seu nome. Claire é boa de conversa e temos um momento agradável de diálogo.
Então o tempo passa, a gente vai fazendo as missões principais até que Jackie é morto. Quando você volta no bar e fala com Clarie, ela menciona Jackie, lamenta a morte dele e se lembra até da fórmula de bebida que ele falou pra ela.
Ou seja, estes NPCs da história têm memória. Eles lembram dos eventos, das conversas anteriores, sem contar que também vão agir de maneira diferente ao longo do tempo dependendo das escolhas que você faz, algo bem parecido com Life is Strange.
Enfim, estas são as impressões apenas das primeiras 50 horas de jogo. Estou apenas arranhando a superfície deste mundo e já ficou claro pra mim como ele é denso e foi construído com muita dedicação.
O mapa é fascinante. Night City é uma maravilha arquitetônica, com seus edifícios, viadutos, becos, uma intrincada rede de estradas. Há muitas casas e prédios que você pode adentrar, explorar e arranjar briga com os locais ou ouvir conversas. Por toda parte há NPCs com missões ou eventos aleatórios acontecendo, como guerras de gangues ou a presença de um cyberpsicopata. Nunca falta o que fazer nesta cidade.
A riqueza de detalhes em cada cantinho desta cidade é algo fabuloso e o trabalho dos designers (que inclusive contaram com ajuda de urbanistas profissionais) é ainda mais valorizado pela tecnologia de Ray Tracing. Obviamente para ter acesso ao auge da beleza do cenário, é preciso um computador capaz de rodar os gráficos e o Ray Tracing no máximo, mas mesmo em qualidades mais inferiores Night City continua com um visual de encher os olhos.
Quanto à jogabilidade em si, é outra coisa bastante complexa. Existem muitas maneiras de construir e equipar seu personagem. Você não está preso a uma classe específica de combate, pode se especializar e ficar muito forte em algo ou pode fazer de tudo um pouco - hackear, usar armas melee ou de fogo, usar stealth ou chegar chutando a porta. Certa vez roubei um carro que era equipado com mísseis e usei ele pra matar um cyberpsicopata à distância, tacando uma rajada de mísseis no infeliz.
Sim, pode rolar combate na estrada. Os veículos, aliás, são um capítulo à parte, pois a variedade de veículos rodando pela cidade é enorme. Existem carros e motos à venda que você adiciona à sua coleção, mas você pode simplesmente roubar qualquer um que achar pelo caminho e usar temporariamente.
Derrotar gangues e criminosos em geral melhora sua reputação, mas você também pode coringar e arranjar treta com a polícia. Neste caso, eles não vão desistir de você. Quanto mais policiais você derrubar, mais reforços chegam e são cada vez mais fortes, testando seus limites. Se chegar num ponto em que você não consegue mais derrotá-los, pode sair correndo e se esconder o mais longe possível ou pode ter uma morte gloriosa.
Há muitos itens, roupas, armas, peças de upgrade, até tralhas que você pode coletar se for do tipo que gosta de catar tudo que encontra, mas logo o inventário ficará cheio. Tudo pode ser vendido ou reciclado.
Não bastando todo o capricho dos designers e programadores que fizeram um trabalho colossal e detalhadíssimo, também os redatores estão de parabéns. Este jogo tem muito texto, não só na história principal e nas diversas missões, mas nas falas dos NPCs, nos programas que passam na TV, nos arquivos que você encontra com trechos de livros, histórias, diários, notícias, etc. Em muitos locais há computadores que você pode navegar e encontrar emails dos mais diversos, contendo propagandas, segredos de criminosos, spam com vírus e todo tipo de maluquice.
Também não posso esquecer da composição musical. Você pode sintonizar estações de rádio diversas, tocando desde músicas relaxantes a rock pauleira. Tem muita música rolando no jogo.
Cyberpunk 2077 foi anunciado pela primeira vez em 2012, ficando pronto quase dez anos depois. O game se baseia no RPG de mesa de Mike Pondsmith, que teve as edições Cyberpunk 2013 (1988), Cyberpunk 2020 (1990), Cyberpunk v 3.0 (2005) e Cyberpunk Red (2020).
É das primeiras edições que vem o Johnny Silverhand. É um universo tão antigo quando o próprio gênero cyberpunk e que foi evoluindo ao longo das décadas. Agora a CD Projekt Red já anunciou um novo projeto apelidado de Project Orion, que será uma sequência de Cyberpunk 2077 e provavelmente só estará pronta no fim desta década.
Apesar de ser um projeto formidável e que foi feito com muita dedicação por mais de 500 profissionais, Cyberpunk 2077 caiu no erro de ser lançado prematuramente. Um jogo deste porte precisa de muito tempo para ficar pronto, mas a CD Projekt resolveu lançar no conturbado ano de 2020, mesmo o jogo ainda estando mal polido e mal otimizado.
Os bugs e problemas de desempenho geraram uma recepção negativa significativa, comparável ao rage que No Man's Sky enfrentou. Muitos pedidos de refund foram feitos; a Sony até removeu o título da Playstation Store para não se comprometer; streamers, jornalistas de games e também os gamers geraram uma enxurrada de críticas.
Mesmo assim o jogo vendeu bem no lançamento e continuou vendendo ao longo dos anos. Também foi aos poucos curando a sua reputação, pois a cada novo update os antigos problemas foram sanados. A redenção definitiva veio com a expansão Phantom Liberty em 2023, mas mesmo sem esta expansão o jogo atualmente se mostra excelente, completo, polido, otimizado. Envelheceu como vinho.
Agora em 2024 a CD Projekt Red anunciou o fim do desenvolvimento de Cyberpunk 2077. Isto significa simplesmente que o jogo está definitivamente completo e provavelmente não receberá mais expansões ou DLCs, mas deve continuar recebendo eventuais correções de bugs.
No relatório financeiro do Q1 2024, a empresa comemora o fato de Cyberpunk estar com 95% de reviews positivos na Steam; o jogo ganhou uma premiação no Bafta e a franquia já arrecadou mais de 750 milhões de dólares desde o lançamento em 2020. Indubitavelmente um sucesso.
Desta forma, eles encerram o desenvolvimento no auge, deixando um jogo completo e polido e que ainda será usufruído por muitos players nos próximos anos, até que venha o próximo título. A equipe com centenas de desenvolvedores agora está sendo realocada para trabalhar nos próximos projetos.
Mas não pense que conteúdos novos param por aqui. A CD Projekt foi muito esperta em lançar uma ferramenta gratuita chamada Red Mod, permitindo que qualquer pessoa possa criar mods para o jogo, disponibilizando para a comunidade. Já existem mods alterando as skins, dando acesso a carros voadores, novas armas e até à câmera em terceira pessoa. Nos próximos anos, este ecossistema deve seguir aumentando, produto de uma comunidade que ama o jogo.
Edgerunners
Também contribuiu para a restauração da reputação o anime Cyberpunk: Edgerunners (2022), lançado pela Netflix, com animação feita pelo Studio Trigger (o mesmo que fez Darling in the Franxx)¹.
Esta série consegue reproduzir muito bem, com a estética de anime, todo o visual de Night City. Quem já conhece o jogo vai sentir a familiaridade ao ver as ruas, carros e maquinários trazidos do jogo para a animação.
A história basicamente é um heist movie, com um grupo de mercenários reunidos para fazer missões perigosas. O protagonista começa bem fraquinho e vai ganhando upgrades, até ficar extremamente poderoso. Só que não espere facilidades. Esta série é brutal e não tem dó de ninguém. Só digo isto: cuidado ao se apegar a um personagem, pois ele pode morrer de repente.
Provavelmente a personagem mais carismática e querida por todos é a Rebecca, uma típica tsundere (baixinha invocada, mas que no fundo é uma fofa), com um jeito psicopata que lembra a Arlequina. Em japonês ela foi dublada pela Tomoyo Kurosawa.
Conclusão
Enfim, isto é o que posso dizer deste riquíssimo jogo em minhas poucas horas de experiência. Um mundo vasto, admirável e com conteúdo para dezenas ou centenas de horas de diversão e imersão.
Apesar de meu encantamento com este jogo, minha relação com ele tem sido lenta e esporádica. Quando foi anunciado o lançamento em 2020, fiquei bastante hypado, mas resolvi aguardar um pouco, o que acabou se mostrando uma boa decisão, pois logo começaram a vir à tona os vários problemas do jogo, o que me convenceu a deixar pra lá, ou melhor, aguardar que o tempo resolvesse estes problemas.
E a espera valeu a pena. Só em 2023 resolvi jogar pela primeira vez e me deparei com a obra em sua melhor forma. Talvez se tivesse jogado em 2020, eu guardaria um certo ranço por causa da expectativa frustrada.
A única coisa que me impediu de mergulhar a fundo neste universo foi o fato do New World ter lançado sua primeira (e ainda única DLC). Lá fui eu de volta pro New World e deixei o Cyberpunk em hiato. Agora no começo de 2024, quando o New World já voltou ao estágio de baixa temporada, voltei para Night City por algumas semanas, até que veio uma nova season no New World e o ciclo se repetiu.
Ultimamente me dediquei a "zerar" o máximo possível do New World. Colecionei músicas, conquistas, itens de mobília, troféus, completei todas as habilidades, coletei todos os diários do mapa (todos os possíveis, pois tem muitos que estão bugados) e enfim cheguei à sensação de ter completado minha jornada neste MMO.
Sim, chegou minha hora de aposentar o New World, de maneira que agora só devo retornar muito esporadicamente para fazer um evento outro. No mais, minha jornada por ali está completa. Agora meu radar está apontado para Throne and Liberty.
Pelo visto Throne and Liberty agora será o próximo MMO a capturar minha atenção, e quando lançar vou novamente guardar o Cyberpunk na gaveta. Mas sempre haverá um tempinho para um retorno.
E assim tem sido e será minha relação com Cyberpunk 2077. É algo que venho degustando aos poucos, sem pressa, alternando entre hiatos. Talvez porque eu não queira que esta experiência termine logo. Não quero simplesmente zerar a história. Cyberpunk é um daqueles jogos para o qual vou retornar vez ou outra ao longo dos meses ou anos
Estou satisfeitíssimo com este jogo. Para não dizer, porém, que nada tenho a criticar, existe de fato algo que me incomoda: a visão em primeira pessoa.
Quando jogava Paladins e Overwatch, até criei gosto pela câmera em primeira pessoa, mas não é exatamente a minha favorita e com o passar dos anos me interessa menos. No caso do Cyberpunk, às vezes tenho até um pouquinho de motion sickness ou cansaço ocular por causa deste ponto de vista e da forma como o personagem se move em certas animações (lembro que senti o mesmo jogando Firewatch).
Entendo que a proposta era aumentar a imersão, mas eu não preciso de visão em primeira pessoa para ficar imerso. Na verdade, fico mais imerso quando posso ver meu personagem, pois ele faz parte da experiência imaginária.
No quesito câmera, inclusive, o Throne and Liberty é bem completo, pois é possível usar o zoom a ponto de deixar o personagem bem pequeno e ter uma visão mais ampla do cenário, ou chegar tão perto que a câmera se torna primeira pessoa, o que é legal para apreciar detalhes do cenário bem de perto.
Bom, o Cyberpunk pelo menos tem uma comunidade bem passional que se dedica a criar mods e tem mod até para adicionar a visão em terceira pessoa. Então nem posso reclamar de nada, pois posso instalar este mod.
Deixo aqui alguns prints aleatórios que colecionei até o momento.
Notas:
Nenhum comentário:
Postar um comentário