Em Surrogates (2009), acompanhamos o Bruce Willis em um mundo futurista onde as pessoas vivem trancadas em casa e saem às ruas apenas por meio de robôs com aparência humana que são como avatares de seus donos.
Convenhamos que é uma tendência natural do progresso das civilizações o fato das pessoas buscarem cada vez mais conforto e segurança. Nós criamos os sapatos para não termos o desconforto e o perigo de andar descalço. As casas são nossos castelos, nosso lugar seguro, onde temos tudo o que precisamos e de forma cada vez mais automatizada.
Quando surgirem robôs humanoides capazes de nos substituir em diversas tarefas, com certeza vamos delegar a eles muitas coisas que ou são arriscadas para nós ou são simplesmente entediantes e desinteressantes. Há, porém, outra curiosa consequência deste avanço da automação, o que vemos no filme: a estética.
Os surrogates, estes robôs substitutos, têm a aparência que você quiser e eles não envelhecem, não se deformam, não acordam um dia com olheiras. Todos acabam se acostumando a se apresentar ao mundo nesta forma perfeita e a aparência física real se torna uma espécie de parte privada, como têm sido os genitais desde que inventamos as roupas. As pessoas nunca se veem em sua real aparência, escondidas na privacidade do lar.
As redes sociais, em seu surgimento, experimentaram um boom do exibicionismo. A popularização do termo selfie é um bom exemplo disto. A normalidade agora é se mostrar, tirar muitas fotos, conversar em vídeo, e até a intimidade se tornou mais exibida no hábito de "mandar nudes".
Só que algo está acontecendo no mundo virtual que parece que vai mudar a maneira como nos enxergamos e de certa forma criar este sentimento de privacidade da aparência real como se vê naquele filme. Isto começou com os filtros de imagem do Instagram e Snapchat.
Os filtros se tornaram um recurso bastante popular e que evolui constantemente. A princípio, o filtro ajudava a dar uma melhorada na sua foto tirada sem técnicas profissionais. Ele melhora a iluminação, as cores, a temperatura. Com o tempo os filtros foram além disto e permitiam transformar suas fotos, transformar seu rosto, seu corpo, seja colocando orelhinhas de gato pra dar uma aparência fofa, seja rejuvenescendo, removendo manchas, aumentando os olhos e dando uma aparência de anime, etc.
Aí eis que o metaverso está se formando e nele nós nos apresentamos na forma de avatares. Ora, um avatar pode ser bem mais interessante do que sua aparência normal, pois você pode ser um personagem famoso de desenho animado, pode ter um corpo do tipo que você admira, pode ser um alien, um vampiro, uma fada, um robô, etc.
Apresentar-se com um avatar deverá se tornar uma etiqueta social, de modo que a pura aparência se tornará mais restrita ao ambiente doméstico, à vida privada. Até preocupações de segurança podem catalisar esta tendência ao avatar, porque a sua aparência física, seu rosto, será cada vez mais usado como chave biométrica.
Falando em filmes, há dois notáveis profetas desta futura era em que as pessoas terão uma vida virtual na forma de avatares: o filme Avatar (2009) do James Cameron e o livro/filme Ready Player One (2011/2018), dirigido pelo Spielberg. Eis o futuro para o qual estamos rumando.
Notas:
1: Ouso acrescentar mais um fator excêntrico que pode influenciar nesta futura cultura do avatar virtual. Recentemente todo o mundo experimentou uma mudança inesperada de hábitos. Foram decretados lockdowns e uso obrigatório de máscaras, inclusive para crianças.
Foi uma situação obviamente desconfortável para todo mundo, muitas pessoas passaram a sofrer de ansiedade e outros males psíquicos por causa de todo esse stress da situação. Imagine-se, então, o impacto que tal período deve ter causado na psique das crianças.
Se para os adultos uma coisa simples como usar máscaras pode ser tolerável, quando muito desconfortável, para crianças o impacto psicológico ainda será compreendido ao longo desta década. A criança, principalmente em sua idade mais tenra, abaixo da pré-adolescência, está começando a aprender a socialização, e a socialização é uma arte que depende muito do rosto, de se comunicar e ler as outras pessoas por expressões faciais.
Qual será o impacto, portanto, na vida adulta destas pessoas que tiveram uma infância em que iam para a escola com o rosto coberto e viam seus coleguinhas com o rosto coberto? Isto deixará marcas em suas vidas adultas daqui a 10-20 anos?
Podemos suspeitar que algumas fobias e manias se manifestarão em alguns destes adultos. A sensação de estranheza ao sair de casa com o rosto descoberto, por exemplo, pode se tornar uma mania comum. Timidez e ansiedade social podem ser uma marca desta geração. Ao mesmo tempo, estaremos vivenciando o desenvolvimento do metaverso e com ele a possibilidade de uma vida social virtual na forma de avatares, substitutos do seu rosto real. Estes jovens podem se sentir mais seguros e confortáveis assim, protegidos com a máscara virtual do avatar.
Posso talvez estar devaneando e superestimando os efeitos psíquicos de um estado de emergência. Talvez estes casos de timidez e desejo de esconder o rosto só acometam uma parcela insignificante da população. Neste caso, pouca contribuição dará para a normalização da "cultura do avatar".
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