Entre 2007 e 2008 eu tive um câncer (linfoma). Fiz tanto quimioterapia quanto radioterapia e, como o tumor se concentrava na região do mediastino, a radioterapia foi direcionada para o tórax. O tumor foi eliminado, mas a radiação deixou seus danos colaterais nos meus pulmões, uma grande fibrose, que basicamente é uma cicatriz no órgão.
Tenho cicatrizes dentro de mim. Agora não só figurativamente, mas também literalmente. Como era de se esperar, esta fibrose prejudicou meu fôlego, algo que venho perdendo a cada ano. Já não tenho o fôlego de uma pessoa saudável e facilmente me canso. Caminhar um quarteirão agora equivale a correr, em termos de demanda respiratória. Já não consigo encher um balão de festa. Grandes esforços facilmente me deixam ofegante e o mais curioso é que algo que me exige bastante fôlego é falar.
A gente nunca tem noção de como o simples ato de falar exige uma boa quantidade de ar dos pulmões. Agora eu sei por experiência própria sobre isto, pois falar é algo que me cansa bastante. Uma frase basta para me deixar com a sensação de sufocamento e a necessidade de tomar fôlego. Agora preciso viver calculando meu uso do ar que respiro, sempre me mantendo em um modo de economia, um modo zen, respirando devagar, evitando coisas que demandam muito ar. Falar para mim agora é um luxo, algo caro e que preciso economizar.
Quando criança eu era muito tagarela. Na escola professores e coleguinhas perdiam a paciência comigo pelo tanto que eu falava. Em casa os parentes se irritavam quando assistiam um filme e eu ficava comentando cada cena. Eu falava pelos cotovelos.
Com o passar dos anos, porém, aconteceu uma metamorfose. Fui me tornando mais e mais lacônico, conciso, de poucas palavras, ao mesmo tempo em que migrei minha necessidade de verbalização para a escrita. Eis que surge a hipergrafia.
Quando adquiri a fibrose, as consequências não foram sentidas de imediato, pois na época eu dava aulas, o que obviamente exigia bastante da fala, e consegui fazer isto ainda por algum tempo, mas ano após ano a minha capacidade respiratória foi decaindo e a fala foi se tornando um recurso escasso que eu precisava economizar.
Confesso que me senti bem melhor assim. Sinto-me muito mais satisfeito em expressar os pensamentos pela escrita e não parece que perdi muita coisa ao ser privado da liberdade para falar. Ainda posso falar, mas é desgastante, cansativo, desconfortável. É uma ação que me cobra um preço caro em termos de fôlego, de modo que, ao evitar a fala, estou literalmente poupando fôlego.
"Torna-te quem tu és", dizia Nietzsche. Eis o que tenho me tornado: ao mesmo tempo lacônico e hipergráfico; escasso na fala e abundante na escrita.
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