Confesso que eu não botava muita fé no filme do Flash. O antigo DCEU já está nos seus últimos dias, o Ezra Miller se meteu em um monte de encrencas que na certa prejudicaram o marketing e havia um clima de velório do DCEU, séries se encerrando, alguns projetos bruscamente cancelados. The Flash conseguiria surpreender?
Pois eis que este primeiro trailer surpreendeu. Veio recheado de fan service, muita informação e mesmo assim parece que estão escondendo o ouro, que ainda há muito a entregar. O que ficou insinuado é que esse longa tem uma cara de Spider-Man: No Way Home (2021), uma grande aventura no multiverso, misturando personagens de várias timelines, uma salada de fan service.
Zod is back. |
Isto é bom? Levando em conta que esse será o filme de transição entre o velho DCEU e o novo DCU, é ótimo. The Flash parece prometer uma grande homenagem a toda a história da DC no cinema, não só ao snyderverso¹, mas a tudo o que veio antes. A prova disso é a aparição do Batman do Michael Keaton no trailer.
Pois é. Ele está lá. Aliás, o Michael Keaton parece que completará um ciclo na sua carreira com esta participação. É inegável que o que alavancou sua carreira como nunca foi o Batman dos anos 90. Foi ali que ele virou um superstar e ainda ganhou uma lambida da Michelle Pfeiffer.
Então os anos passaram e a carreira dele já não alcançou o pico de antes. Fez alguns bons filmes, mas nada de blockbusters. Seus dias de glória ficaram com o Batman. Pode-se dizer até que o Michael Keaton acabou criando um ressentimento com o Morcego e a indústria de filmes de super-heróis, uma vez que ele viu ao longo das décadas este gênero crescer e virar franquias bilionárias, canibalizando o entretenimento, enquanto ele ficou de fora disso tudo.
Em Birdman (2014)² vemos uma espécie de satírico amargo desabafo do ator com relação a estas coisas. Depois da fase de glória e de abandono, ele agora estava na fase no ressentimento e amargura. Birdman foi um filme premiado, mas não chegou a consolar o ator com um Oscar.
Enfim veio a reconciliação, quando ele participou de Spider-Man: Homecoming (2017), agora como um vilão, o Abutre. Estava longe de ser um papel no nível do Batman, mas trouxe de volta o Michael Keaton ao mundo dos super-heróis, embora como vilão, antagonizando com o mocinho Tom Holland. Depois do Morcego e do Birdman, ele mais uma vez se torna um homem-pássaro na pele do Abutre (ok, morcego não é um pássaro, mas mantenho a analogia).
Por fim, agora vem a completa redenção, a catarse, o reencontro com o personagem que o consagrou há mais de trinta anos, o Batman.
Este provavelmente é o mais importante fan service em The Flash (que só será superado se houver algum tipo de cameo do Superman do Christopher Reeve), mas The Flash é mais do que fan service, é um elo entre os mundos, o filme que criará um nexo entre todos os universos da DC, pavimentando bem o caminho para a era James Gunn.
Recentemente tivemos um Batman com a ênfase em seu aspecto detetive, o Batman noir de Robert Pattinson³. Eis que agora o Michael Keaton parece que vem com um aspecto mais conhecido do personagem, o "Batman com preparo", aquele herói que sempre tem um plano pra tudo, sempre saca alguma carta da manga. No caso, a carta na manga será a Supergirl.
E quanto ao Flash? Então... voltamos ao problema do Ezra Miller. É evidente que ele virou a ovelha negra da família DC (e não sem razão), de modo que a pós-produção deste filme tentou tirar os holofotes dele, ainda que ele seja o personagem principal, direcionando ao Batman. Até no poster de divulgação vemos o Flash dentro da Batcaverna e a enorme capa do Batman acima dele.
A verdade é que, mesmo que o Ezra Miller fosse um santo, a presença do Batman em seu filme, ainda mais o primeiro grande Batman do cinema, inevitavelmente roubaria a cena. E não há problema nisso, aliás, a maneira como o Flash deve participar da trama é bem adequada a seu papel mitológico.
O chamado panteão da DC costuma ser associado aos deuses do Olimpo. Assim temos o Superman como Zeus, Aquaman como Poseidon, Wonder Woman como Atena, etc. Pois bem, o Flash é Mercúrio, o Hermes grego, aquele com asinhas nos pés. Hermes é o deus da comunicação entre os mundos, o mensageiro dos deuses, o elo entre o Céu e a Terra. Daí derivam palavras como "hermenêutica" e "hermético".
O Flash sempre teve este papel na mitologia da DC. Ele é quem viaja entre os mundos, os universos, iniciando ou terminando crises, fazendo mundos colidirem. Sua atuação é nas entrelinhas, enquanto a trama vai acontecendo com outros personagens que ganham mais destaque.
Notas:
1: Estes dias, ao me referir ao DCEU como snyderverso no Twitter, fui spamado por vários "snyderminions" me corrigindo. Eles se negam a considerar snyderverso a todos os filmes feitos no DCEU até agora. Para este grupo de puristas, o sacrossanto snyderverso constitui apenas os filmes que tiveram uma participação direta de Zack Snyder.
Bom, pode-se dizer que stricto sensu os filmes dirigidos ou produzidos por Snyder compõem o puro snyderverso. Só que, uma vez que ele lançou certos personagens em seus filmes, estes personagens passaram a fazer parte de seu universo independente do trabalho dele. Assim a Wonder Woman da Gal Gadot é do snyderverso, quer o filme dela tenha participação de Snyder ou não. O mesmo para o Aquaman do Jason Momoa e o Flash do Ezra Miller. Todos eles nasceram no snyderverso e a ele pertencem.
Neste sentido amplo, até o Shazam é parte do snyderverso, já que no filme dele há referência ao Superman do Henry Cavill. Black Adam também faz parte, só por causa da cena pós crédito. É tudo um mesmo universo, um mundo compartilhado, com os mesmos personagens, os mesmos atores. Zack Snyder deu início a este universo em 2013, com o Man of Stell, de modo que DCEU e snyderverso, em sentido amplo, são a mesma coisa.
Mas enfim, este é o tipo de assunto para nerds discutirem por dias em fóruns, no Reddit ou no Twitter. É a escolástica nerdística. É como discutir o sexo dos anjos.
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