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Como definir uma ofensa

Joffrey offended

O que qualifica uma ofensa como tal é apenas o fato de alguém se declarar ofendido, ou é preciso também a mediação do senso comum da sociedade? 

Ora, se apenas a palavra de um indivíduo basta para definir uma ofensa, então deparar-nos-emos com uma série de situações absurdas.

Imagine, por exemplo, que eu entro em uma lanchonete e peço um copo de água. Quando começo a beber a água, um sujeito do meu lado se irrita profundamente e pergunta aos gritos como eu não tenho vergonha de fazer aquilo na frente dele e de todos.

Confuso, busco explicações. "Como assim? O que eu fiz? O que eu disse?" E o homem: "Não está vendo? Você está... está... tenho até vergonha de falar a palavra. Você está bebendo água aqui na frente de todo mundo. Acho isto um atentado ao pudor, uma sem-vergonhice sem tamanho".

Pois é, o sujeito por algum motivo bizarro considera beber água em público ofensivo. É uma coisa da cabeça dele ou ele arbitrariamente decidiu isto apenas por má fé mesmo. Agora que eu o ofendi matando minha sede, ele resolve me levar à justiça para ter a reparação da ofensa. 

Vamos ao tribunal e o juiz, uma pessoa ajuizada, percebe que o caso vai contra o bom senso, o senso comum. Qualquer pessoa ali presente, de acadêmicos a analfabetos, não vê nada de ofensivo no ato de beber água. Felizmente o bom senso ainda vale no mundo (assim espero) e escapei de um julgamento kafkiano.

O conceito de ofensa não é meramente individual. É tão coletivo quanto a semântica das palavras. Uma pessoa pode decidir dentro de sua cabeça que a palavra "laranja" representa aquilo que conhecemos como "maçã", mas ela não pode obrigar toda a sociedade a adotar esta sua definição. A construção do significado das palavras é coletiva.

Assim também é a moral, a ética. Se a ética e a moral forem totalmente individuais, então um indivíduo qualquer pode simplesmente decidir que matar é certo e um direito dele. Mais ainda, pode decidir que não matar é imoral, de modo que ele é moralmente obrigado a matar todos à sua volta.

Este exemplo absurdo mostra bem como o consenso coletivo é importante mesmo em questões relativamente subjetivas. A ofensa é um conceito subjetivo, mas que deve ser elaborado coletivamente ao longo da evolução de uma sociedade. É um acordo, algo acertado tacitamente ou explicitamente, estabelecido em leis, discursos, costumes, na religião, etc. 

Não é algo imutável escrito em pedra, pois ao longo do tempo certas coisas outrora ofensivas passam a ser normalizadas e vice-versa. O fato é que há uma dialética, um diálogo na sociedade que leva tempo até que algo se estabeleça no senso comum. Uma pessoa não pode pular as complexas etapas deste diálogo simplesmente decidindo arbitrariamente que algo é ofensivo independente da opinião coletiva.

Desta forma, conclui-se que não basta alguém se dizer ofendido para que de fato se reconheça uma ofensa. Afinal se fosse assim, eu poderia sair processando as pessoas por beberem água em público e fazer uma fortuna com indenizações. Eu preciso provar que aquilo que chamo de ofensa é uma ofensa e a prova é o senso comum, a opinião geral da população, a ética e moral coletiva.

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