O que é a virgindade? É, parece uma questão simples, mas existem nuances que vão tornando a definição de virgindade cada vez mais vaga e imprecisa.
A noção mais fundamental de virgindade está relacionada à anatomia feminina: o hímen. Há milênios esta pequena membrana é considerada uma espécie de selo, de lacre da virgindade. Uma vez rompido, está confirmado o ingresso da mulher na vida sexual.
Logo, o padrão clássico para a definição de virgindade é a penetração vaginal e o rompimento do hímen. Por consequência, a virgindade masculina termina no momento em que ele usa o pênis como instrumento para esta tarefa de romper o lacre.
Bom, era fácil definir as coisas desta maneira nos tempos antigos ou em sociedades mais conservadoras, onde os jovens só têm a primeira experiência sexual depois do casamento, de modo que tanto o homem quanto a mulher são virgens e perdem a virgindade juntos.
Este modelo rígido de sexualidade é adotado apenas por uma parcela da população, de modo que nos deparamos com diversas situações que tornam a questão da virgindade mais complexa. Um caso clássico é o dos namorados conservadores que tentam enganar a própria consciência, burlando as regras do sexo antes do casamento. Para não se sentirem culpados pela fornicação, recorrem ao sexo anal.
Assim, a moça mantém seu hímen intacto para ser inaugurado depois do casamento, ao mesmo tempo em que desfruta da diversão sexual com seu namorado. Tecnicamente, ela pode dizer que ainda é virgem. E quanto ao rapaz? Ele não penetrou uma vagina, mas um ânus. Esta experiência conta? Na lógica do casal, não conta. Quando muito, eles considerariam isto uma preliminar, pois o ato sexual devidamente adequado ao casal não aconteceu.
Qualquer rapaz com uma mentalidade menos conservadora, por outro lado, consideraria o sexo anal como um fim de sua virgindade. Para ele não importa onde ele enfiou seu bilau, seja numa vagina ou num ânus. Se ele enfiou, acabou ali a virgindade.
Este é um tipo de assunto que rapazes jovens podem discutir por horas. Se um deles chega contando para os amigos que finalmente enfiou seu piru em uma garota, celebrando o fim da virgindade, eles vão querer saber os detalhes. Aí o rapaz diz que foi sexo anal porque a garota disse que ainda não estava pronta para perder a virgindade (no caso, o hímen). Alguns dos colegas vão dizer que isto não vale, que o que vale mesmo era ele ter provado de uma autêntica vagina. Outros dirão que tanto faz, que ele enfiou o órgão na garota de toda forma, então conta.
Outro colega, diante deste raciocínio, questiona então: se o sexo anal conta como perda da virgindade, então o sexo oral também conta. Novamente o grupo se divide. E se a garota tivesse apenas feito uma punheta no rapaz? Aí a maioria concordaria que já passou dos limites do sexo de verdade e que masturbação, ainda que praticada por outra pessoa, não conta. O rapaz continuaria virgem até que seu membro penetrasse em um orifício humano, qualquer que seja.
A discussão se prolonga, pois um dos colegas, assumidamente homossexual, disse que nunca penetrou em uma garota, mas já teve vários parceiros homens com os quais praticou sexo anal, tanto ativamente quanto passivamente. E aí. Ele é virgem ou não?
Diante deste novo dado, o grupo acaba entrando no consenso de que o sexo de fato não precisa necessariamente envolver a penetração de um pênis em uma vagina e que o sexo anal está no páreo. Ora, como dizer que o colega gay é virgem pelo simples fato de ele nunca ter se interessado em meter em uma vagina, enquanto ele já acumulou tanta experiência desfrutando bundas?
Todavia, o rapaz gay concorda com o grupo que a penetração é o ponto chave e que o sexo oral até pode ser contado como válido para o fim da virgindade, mas não a punheta, pois aí não se penetrou em nada, é apenas um toque, e se o simples toque vale, então esfregar-se em alguém, em qualquer parte do corpo, já contaria como perder a virgindade.
Diante deste raciocínio, o grupo percebe outro detalhe: será preciso "terminar o serviço" para enfim ser merecido o prêmio de não virgem? Ou seja, não adianta apenas enfiar o pênis em um orifício (seja ele uma vagina, um ânus ou uma boca), mas é preciso ir até o fim do processo e ejacular.
Eis então, que um dos rapazes se dá conta de que eles estavam esquecendo outro elemento nesta equação. E como ficam as lésbicas? Existem lésbicas que brincam com a penetração, seja usando os dedos ou objetos comprados em sex shop, mas existem aquelas que praticam um ato que parece alienígena para homens héteros ou mesmo gays: elas lambem as pombinhas uma da outra ou as esfregam uma contra a outra. Zero penetração.
A mente destes rapazes explode ao constatarem que existem garotas que podem viver a vida toda com um hímen intacto e que nunca enfiaram nada na vagina, nem no ânus, nem na boca e ainda assim não podem ser consideradas virgens, uma vez que usufruem de experiências sexuais, inclusive levando ao orgasmo. Quer dizer então que esfregar sem penetrar conta como sexo? No caso das lésbicas, com certeza.
A esta altura, o grupo admite que o critério básico para definir o fim da virgindade é este: deve haver uma interação sexual entre duas pessoas que envolva pelo menos o contato físico com seus corpos nus e que este contato proporcione prazer sexual.
Pois é, mas este debate não vai parar por aí, pois o futuro está chegando, no caso, o futuro da virtualidade, da digitalização. Hoje em dia, já é bem comum o chamado "sexo virtual" que paradoxalmente as pessoas consideram sexo, ao mesmo tempo em que não. É o sexo de Schrödinger.
Sim, pois nenhum rapaz virgem considera o sexo virtual como válido para o fim de sua virgindade. No fim das contas, é o mesmo que a masturbação solitária, ainda que envolvendo a interação com outra pessoa por meio da troca de fotos ou mesmo vídeo ao vivo. Isto não é sexo, mas uma preliminar do sexo, uma provocação, pois o sexo propriamente dito é uma experiência corpórea, de contato físico. Não existe sexo sem duas pessoas se tocando. Ao menos, até agora.
Mesmo assim, apesar de o sexo virtual não ser considerado sexo de verdade, ele pode ser motivo de brigas e separação de casais, pois ele conta como traição. Se uma esposa flagra seu marido pelado conversando com uma garota pelada pela webcam do celular, ela se sente traída na mesma intensidade em que se sentiria se a garota estivesse ali presente em carne e osso. O sexo virtual não é "real" o bastante para encerrar a virgindade de alguém, mas é suficiente para levar um casal ao divórcio.
Este é o status atual do sexo virtual. É uma "brincadeirinha", uma simulação do sexo. Só que isto pode mudar nas próximas gerações, à medida em que tal prática se tornar mais e mais comum, bem como mais imersiva. Por meio de dispositivos oculares, hápticos e até mesmo cerebrais, como um Neuralink, o sexo virtual vai se tornar uma bizarra experiência que vai confundir o cérebro, pois parecerá algo tão real, tão táctil, quanto o contato físico.
Stallone e Sandra Bullock rolando um sexo virtual no metaverso. |
É possível que surja uma geração inteira de pessoas que jamais experimentarão o sexo físico, ainda mais se acontecer alguma pandemia ou qualquer outro evento na sociedade que estabeleça um tabu quanto ao contato físico. Isto, compensado pelas facilidades da tecnologia, fará com que o "sexo no metaverso" se torne o padrão na sociedade, a prática sexual mais comum. Talvez o sexo orgânico, a troca de fluidos, vire coisa de velhos ou de rebeldes, hipsters e pervertidos.
Se realmente as coisas tomarem este rumo, será irônico o fato de que a próxima geração será a mais virgem de toda a história, ao mesmo tempo em que será a mais promíscua. Virgem, pois podem passar a vida inteira sem jamais ter contato físico; promíscua, pois a facilidade do sexo virtual será tamanha que vai ser uma prática rotineira, talvez até diária, envolvendo parceiros os mais diversos e até parceiros humanoides, os robôs.
Hoje em dia o sexo com robôs não é considerado muito diferente da masturbação. Trata-se de um objeto, um boneco. Mas em algum momento poderá haver uma ruptura deste hímen ontológico. Em algum momento a mente robótica nos parecerá tão real, tão consciente, que será difícil considerar o robô apenas um boneco. Em algum momento vamos reconhecê-los como pessoas, não como humanos propriamente ditos, mas uma espécie nova, híbrida, descendentes dos humanos e membros da sociedade.
Neste momento, o animismo terá se estabelecido na sociedade como a ontologia predominante, pois, uma vez que uma criatura consegue alcançar a sexualidade humana, tornar-se-á ela tão real quanto qualquer ser humano.
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