Qaligrafia
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Lembranças da inflação dos anos 80, URV e Real

Notas de 1 Real

Uma das lembranças de infância que tenho de minhas rasas percepções do ambiente político e econômico do Brasil nos anos 80 e 90 é a palavra "inflação". 

De fato, eu entendia a inflação na prática, pois, sempre que eu ia na bodega da esquina comprar pão, o preço havia aumentado alguns centavos. Era uma situação de instabilidade constante. Ao longo do século XX a moeda brasileira mudou de nome várias vezes e eu cheguei a brincar de colecionar algumas notas antigas, pois teve Cruzeiro, Cruzado, Cruzeiro Novo, Cruzeiro Real, etc.

Beeem antes destas moedas, a que ficou gravada na memória popular foi a primeirona, que durou por séculos, os Réis (nascida ainda no período colonial e que foi até 1942). Era comum ouvir os velhos chamarem dinheiro de "mil réis" ou "merréis". Inclusive tem aquela divertida música de Luiz Gonzaga:

Eu lhe dei vinte mil réis
Pra pagar três e trezentos
Você tem que me voltar
Dezesseis e setecentos.

O Sarney, primeiro presidente após a redemocratização, não soube resolver esse problemão. Ele tentou congelar preços e inventou os tais "fiscais do Sarney" que ficavam denunciando mercados que alteravam os preços. O Collor adotou o desastrado plano de confiscar as poupanças¹. Naqueles anos surgiu uma musiquinha popular que expressava a realidade da hiperinflação:

Jingle bell, jingle bell
Acabou o papel
Não faz mal, não faz mal
Limpa com jornal

O jornal tá caro
Caro pra xuxu
Como é que eu vou fazer
Pra limpar o meu bumbum?²

Medida Provisória do URV

Então veio o Plano Real, idealizado ainda no governo de Itamar. Há exatos 29 anos, em 27 de Fevereiro de 1994, ele assinou a Medida Provisória instituindo a Unidade Real de Valor (URV), que faria a transição para uma nova moeda, o Real.

Também tenho lembranças adolescentes deste período. Eu costumava ir uma vez por semana a uma banca de revistas na praça, gastar minhas moedinhas (que eu poupava voltando a pé pra casa em vez de pegar ônibus) com gibis. Era a época do Homem-Aranha 2099, uma maravilhosa versão alternativa do Aranha em um universo cyberpunk.

Homem Aranha 2099 1(1993)

Toda semana, quando eu comprava alguma revista na banca, o velho da banca pegava uma folha com uma tabela impressa. Na capa da revista não havia um preço em Cruzeiros, mas um código que representava o preço a ser conferido na tabela de conversão de Cruzeiros para URV. 

Foi a maneira das editoras resolverem o problema da constante variação de preço do URV. Assim não precisavam reimprimir as capas ou fazer gambiarras com etiquetas para corrigir o preço semanalmente. 

Esta variação era intencional, pois o objetivo dessa fase de transição era fazer um ajuste fino do mercado até estabilizar a moeda, o que de fato funcionou, já que o Real continua em voga trinta anos depois. Obviamente a moeda sofreu ao longo das décadas com a inevitável inflação (o Real chegou a valer 1 Dólar, hoje cada Dólar equivale a cerca de 5 Reais), mas nada que se compare à hiperinflação dos anos 80-90. O Real é, de fato, uma moeda estável.

A verdade é que não existe economia alguma no mundo que não experimente inflação. A inflação é um processo natural no ciclo de vida dos mercados e é simplesmente inevitável. Qualquer medida autoritária que tente barrar a inflação por decretos arbitrários resulta em crise econômica. O máximo que os governos podem fazer é tentar minimizar o avanço da inflação, mantendo-a em uma taxa segura. 

Os países que têm conseguido acalmar o faminto dragão da inflação costumam manter uma taxa entre 3% e 6% e o Brasil está nesta seleta lista de países que domaram o monstro. Já estamos vacinados, após décadas tentando de tudo para lidar com o problema. Ao ver países vivendo hiperinflação, o Brasil pode dizer "been there done that". A Argentina, por exemplo, está com a bizarra taxa de inflação de 98%! 

Notas:

1: A política está longe de ser uma ciência exata e ela é antes de tudo humana. O mesmo vale para a economia e o chamado mercado financeiro, bem como os hábitos financeiros de toda a população, sejam pobres, ricos, letrados ou iletrados. Em tudo isto existe o fator humano, psicológico.

O confisco da poupança no governo Collor, por exemplo, teve uma marcante consequência psicológica na educação financeira daquela geração. Aquilo criou uma sensação de insegurança e incerteza com relação a poupar dinheiro. "Pra que vou guardar dinheiro se a qualquer momento um político pode mexer nele e até barrar meu acesso a meu próprio dinheiro?"

É provável então que essa simples medida desastrada do confisco da poupança tenha gerado um efeito dominó de retração da economia por anos ou décadas, pois só recentemente tem se normalizado na mentalidade brasileira a ideia de poupar, investir, etc.

Quando a população aplica seu dinheiro nos bancos, sem saber está aquecendo a economia, pois os bancos ganham mais capacidade de fazer empréstimos, financiando empresas e indivíduos que podem usar os empréstimos para se qualificar, estudar, ou simplesmente fazer compras, o que movimenta a economia. 

Ao contrário, se as pessoas aplicam menos dinheiro nos bancos, também os bancos dificultam mais o crédito, há menos financiamentos de casa, carro, empreendimentos, etc. A economia desacelera.

Obviamente a indiferença do brasileiro quanto à poupança se deve principalmente ao fato de que no século XX não havia uma cultura de educação financeira e as décadas de inflação desestimulavam o hábito de guardar dinheiro, já que ele rapidamente desvalorizava. O baque do confisco veio para piorar ainda mais a situação.

A propósito, tenho a curiosa lembrança de um caso da novela Tieta, novela que foi um sucesso enorme nos anos 90, em que a Tieta, que enriqueceu na "cidade grande", enviava dinheiro para seus pobres pais no interior e o velho, com uma mentalidade retrógrada, guardava as notas literalmente debaixo do colchão.

Os anos se passaram e Tieta ficou intrigada porque os pais continuavam vivendo de forma miserável, então o velho mostrou o colchão cheio de notas. Acontece que aquelas notas já não valiam nada porque a moeda mudou. Se ele tivesse guardado no banco, o dinheiro ainda teria valor.

2: Esta é a versão mais corretinha da música. A mais famosa, porém, dizia "o que é que eu faço/ pra limpar meu cu".

Como definir uma ofensa

Joffrey offended

O que qualifica uma ofensa como tal é apenas o fato de alguém se declarar ofendido, ou é preciso também a mediação do senso comum da sociedade? 

Ora, se apenas a palavra de um indivíduo basta para definir uma ofensa, então deparar-nos-emos com uma série de situações absurdas.

Imagine, por exemplo, que eu entro em uma lanchonete e peço um copo de água. Quando começo a beber a água, um sujeito do meu lado se irrita profundamente e pergunta aos gritos como eu não tenho vergonha de fazer aquilo na frente dele e de todos.

Confuso, busco explicações. "Como assim? O que eu fiz? O que eu disse?" E o homem: "Não está vendo? Você está... está... tenho até vergonha de falar a palavra. Você está bebendo água aqui na frente de todo mundo. Acho isto um atentado ao pudor, uma sem-vergonhice sem tamanho".

Pois é, o sujeito por algum motivo bizarro considera beber água em público ofensivo. É uma coisa da cabeça dele ou ele arbitrariamente decidiu isto apenas por má fé mesmo. Agora que eu o ofendi matando minha sede, ele resolve me levar à justiça para ter a reparação da ofensa. 

Vamos ao tribunal e o juiz, uma pessoa ajuizada, percebe que o caso vai contra o bom senso, o senso comum. Qualquer pessoa ali presente, de acadêmicos a analfabetos, não vê nada de ofensivo no ato de beber água. Felizmente o bom senso ainda vale no mundo (assim espero) e escapei de um julgamento kafkiano.

O conceito de ofensa não é meramente individual. É tão coletivo quanto a semântica das palavras. Uma pessoa pode decidir dentro de sua cabeça que a palavra "laranja" representa aquilo que conhecemos como "maçã", mas ela não pode obrigar toda a sociedade a adotar esta sua definição. A construção do significado das palavras é coletiva.

Assim também é a moral, a ética. Se a ética e a moral forem totalmente individuais, então um indivíduo qualquer pode simplesmente decidir que matar é certo e um direito dele. Mais ainda, pode decidir que não matar é imoral, de modo que ele é moralmente obrigado a matar todos à sua volta.

Este exemplo absurdo mostra bem como o consenso coletivo é importante mesmo em questões relativamente subjetivas. A ofensa é um conceito subjetivo, mas que deve ser elaborado coletivamente ao longo da evolução de uma sociedade. É um acordo, algo acertado tacitamente ou explicitamente, estabelecido em leis, discursos, costumes, na religião, etc. 

Não é algo imutável escrito em pedra, pois ao longo do tempo certas coisas outrora ofensivas passam a ser normalizadas e vice-versa. O fato é que há uma dialética, um diálogo na sociedade que leva tempo até que algo se estabeleça no senso comum. Uma pessoa não pode pular as complexas etapas deste diálogo simplesmente decidindo arbitrariamente que algo é ofensivo independente da opinião coletiva.

Desta forma, conclui-se que não basta alguém se dizer ofendido para que de fato se reconheça uma ofensa. Afinal se fosse assim, eu poderia sair processando as pessoas por beberem água em público e fazer uma fortuna com indenizações. Eu preciso provar que aquilo que chamo de ofensa é uma ofensa e a prova é o senso comum, a opinião geral da população, a ética e moral coletiva.

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Habemus The Flash

The Flash (2023)

Confesso que eu não botava muita fé no filme do Flash. O antigo DCEU já está nos seus últimos dias, o Ezra Miller se meteu em um monte de encrencas que na certa prejudicaram o marketing e havia um clima de velório do DCEU, séries se encerrando, alguns projetos bruscamente cancelados. The Flash conseguiria surpreender?

Pois eis que este primeiro trailer surpreendeu. Veio recheado de fan service, muita informação e mesmo assim parece que estão escondendo o ouro, que ainda há muito a entregar. O que ficou insinuado é que esse longa tem uma cara de Spider-Man: No Way Home (2021), uma grande aventura no multiverso, misturando personagens de várias timelines, uma salada de fan service.

The Flash (2023)

The Flash (2023)
Zod is back.

Isto é bom? Levando em conta que esse será o filme de transição entre o velho DCEU e o novo DCU, é ótimo. The Flash parece prometer uma grande homenagem a toda a história da DC no cinema, não só ao snyderverso¹, mas a tudo o que veio antes. A prova disso é a aparição do Batman do Michael Keaton no trailer.

Pois é. Ele está lá. Aliás, o Michael Keaton parece que completará um ciclo na sua carreira com esta participação. É inegável que o que alavancou sua carreira como nunca foi o Batman dos anos 90. Foi ali que ele virou um superstar e ainda ganhou uma lambida da Michelle Pfeiffer.

Michael Keaton; Batman (1989)

Michelle Pfeiffer, Michael Keaton; Batman Returns (1992)

Então os anos passaram e a carreira dele já não alcançou o pico de antes. Fez alguns bons filmes, mas nada de blockbusters. Seus dias de glória ficaram com o Batman. Pode-se dizer até que o Michael Keaton acabou criando um ressentimento com o Morcego e a indústria de filmes de super-heróis, uma vez que ele viu ao longo das décadas este gênero crescer e virar franquias bilionárias, canibalizando o entretenimento, enquanto ele ficou de fora disso tudo.

Michael Keaton; Birdman (2014)

Em Birdman (2014)² vemos uma espécie de satírico amargo desabafo do ator com relação a estas coisas. Depois da fase de glória e de abandono, ele agora estava na fase no ressentimento e amargura. Birdman foi um filme premiado, mas não chegou a consolar o ator com um Oscar.

Enfim veio a reconciliação, quando ele participou de Spider-Man: Homecoming (2017), agora como um vilão, o Abutre. Estava longe de ser um papel no nível do Batman, mas trouxe de volta o Michael Keaton ao mundo dos super-heróis, embora como vilão, antagonizando com o mocinho Tom Holland. Depois do Morcego e do Birdman, ele mais uma vez se torna um homem-pássaro na pele do Abutre (ok, morcego não é um pássaro, mas mantenho a analogia). 

Michael Keaton; The Flash (2023)

Por fim, agora vem a completa redenção, a catarse, o reencontro com o personagem que o consagrou há mais de trinta anos, o Batman.

Este provavelmente é o mais importante fan service em The Flash (que só será superado se houver algum tipo de cameo do Superman do Christopher Reeve), mas The Flash é mais do que fan service, é um elo entre os mundos, o filme que criará um nexo entre todos os universos da DC, pavimentando bem o caminho para a era James Gunn.

Recentemente tivemos um Batman com a ênfase em seu aspecto detetive, o Batman noir de Robert Pattinson³. Eis que agora o Michael Keaton parece que vem com um aspecto mais conhecido do personagem, o "Batman com preparo", aquele herói que sempre tem um plano pra tudo, sempre saca alguma carta da manga. No caso, a carta na manga será a Supergirl.

Batman, Supergirl; The Flash (2023)

E quanto ao Flash? Então... voltamos ao problema do Ezra Miller. É evidente que ele virou a ovelha negra da família DC (e não sem razão), de modo que a pós-produção deste filme tentou tirar os holofotes dele, ainda que ele seja o personagem principal, direcionando ao Batman. Até no poster de divulgação vemos o Flash dentro da Batcaverna e a enorme capa do Batman acima dele.

A verdade é que, mesmo que o Ezra Miller fosse um santo, a presença do Batman em seu filme, ainda mais o primeiro grande Batman do cinema, inevitavelmente roubaria a cena. E não há problema nisso, aliás, a maneira como o Flash deve participar da trama é bem adequada a seu papel mitológico.

O chamado panteão da DC costuma ser associado aos deuses do Olimpo. Assim temos o Superman como Zeus, Aquaman como Poseidon, Wonder Woman como Atena, etc. Pois bem, o Flash é Mercúrio, o Hermes grego, aquele com asinhas nos pés. Hermes é o deus da comunicação entre os mundos, o mensageiro dos deuses, o elo entre o Céu e a Terra. Daí derivam palavras como "hermenêutica" e "hermético".

O Flash sempre teve este papel na mitologia da DC. Ele é quem viaja entre os mundos, os universos, iniciando ou terminando crises, fazendo mundos colidirem. Sua atuação é nas entrelinhas, enquanto a trama vai acontecendo com outros personagens que ganham mais destaque.

Notas:

1: Estes dias, ao me referir ao DCEU como snyderverso no Twitter, fui spamado por vários "snyderminions" me corrigindo. Eles se negam a considerar snyderverso a todos os filmes feitos no DCEU até agora. Para este grupo de puristas, o sacrossanto snyderverso constitui apenas os filmes que tiveram uma participação direta de Zack Snyder.

Bom, pode-se dizer que stricto sensu os filmes dirigidos ou produzidos por Snyder compõem o puro snyderverso. Só que, uma vez que ele lançou certos personagens em seus filmes, estes personagens passaram a fazer parte de seu universo independente do trabalho dele. Assim a Wonder Woman da Gal Gadot é do snyderverso, quer o filme dela tenha participação de Snyder ou não. O mesmo para o Aquaman do Jason Momoa e o Flash do Ezra Miller. Todos eles nasceram no snyderverso e a ele pertencem.

Neste sentido amplo, até o Shazam é parte do snyderverso, já que no filme dele há referência ao Superman do Henry Cavill. Black Adam também faz parte, só por causa da cena pós crédito. É tudo um mesmo universo, um mundo compartilhado, com os mesmos personagens, os mesmos atores. Zack Snyder deu início a este universo em 2013, com o Man of Stell, de modo que DCEU e snyderverso, em sentido amplo, são a mesma coisa.

Mas enfim, este é o tipo de assunto para nerds discutirem por dias em fóruns, no Reddit ou no Twitter. É a escolástica nerdística. É como discutir o sexo dos anjos.



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Encontrando um blog fantasma

Oficina Fantasma

Tenho uma coisa de vasculhar os recantos da internet e encontrar blogs antigos, blogs abandonados, alguns até com apenas um ou dois posts. São fósseis dos primórdios da internet, do período webjurássico anterior às redes sociais.

Muitas vezes faço estas descobertas ao acaso, como é comum em toda arqueologia. Hoje eu estava buscando imagens da Oficina Fantasma, aquela das histórias do Motoqueiro Fantasma 2099, e me deparei com um blog aleatório com esse nome¹.

Data de 15 de janeiro 2009, tendo, portanto, quase 15 anos. Há uma década e meia este blog está ali, largado. Alguém o criou e escreveu apenas três posts naquele dia, nunca mais retornando.

O irônico é que o primeiro post fala como os blogs eram a "tendência mundial" e promete se aventurar nesta "jornada pelo universo blogueiro". E acabou aí, no mesmo dia em que foi criado.

De fato, naquela década os blogs eram uma promessa. De certa forma, proporcionalmente era o equivalente ao fenômeno do TikTok hoje, assim como antes teve a moda do Instagram, Facebook, Orkut, etc. Cada coisa teve seu momento de evidência. 

Obviamente, naquele tempo a inclusão digital era bem menor, não haviam os smartphones, de modo que, mesmo que blogs fossem a moda da época, a frequência de pessoas era muito menor do que qualquer coisa que hoje em dia vire tendência.

Naturalmente, encontrar estes fósseis me faz pensar no meu próprio blog. Em 2009 eu já tinha algum blog e tive ainda outros anos antes. Hoje mais nenhum daqueles fósseis existe, pois eu nunca abandonava um blog sem antes deletá-lo. Logo, os resquícios da minha era blogueira jurássica foram pulverizados no meteoro digital. Ainda assim, ano após ano esta criatura renascia em uma nova encarnação.

O fato é que ter um blog em pleno 2023 é uma coisa anacrônica, arcaica. É como um Jurassic Park clonando criaturas há muitas eras extintas. Este blog aqui é o meu museu vivo.

Notas:

Deusas da arte e literatura segundo o ChatGPT

Deusas da arte e literatura

Vou compartilhar aqui uma curiosidade coletada pelo ChatGPT, algumas deusas mitológicas relacionadas à arte e literatura. Este resumo foi 100% elaborado pela IA, então dou o devido crédito:

"Arte e literatura são geralmente associadas a deusas nas mitologias antigas. Aqui estão algumas dessas deusas em diferentes mitologias:

Grécia Antiga: A Musa, nas mitologias grega, é a deusa da arte e da literatura. Existiam nove musas, cada uma representando uma forma diferente de arte ou literatura, como a música, a poesia, a dança, etc.

Egito Antigo: Hathor, a deusa da música, dança e amor, é a deusa da arte e da literatura no antigo Egito.

Hinduísmo: Saraswati é a deusa da música, da dança, da poesia e da literatura no hinduísmo.

Mitologia Nórdica: Frigg é a deusa da sabedoria e da literatura na mitologia nórdica.

Mitologia Romana: Minerva, a deusa da sabedoria, estratégia e da arte, é a deusa da literatura e da arte na mitologia romana.

Mitologia China: Xiwangmu é a deusa da sabedoria, da poesia e da literatura na mitologia chinesa.

Mitologia Japonesa: Benzaiten é a deusa da música, da poesia e da literatura na mitologia japonesa."

Simon the Summoner

Simon the Summoner.
Last summer
he summoned someone.

(10,02,2023)

Sexo e virgindade, do hímen à inteligência artificial

Two robots kissing; DALL-E

O que é a virgindade? É, parece uma questão simples, mas existem nuances que vão tornando a definição de virgindade cada vez mais vaga e imprecisa.

A noção mais fundamental de virgindade está relacionada à anatomia feminina: o hímen. Há milênios esta pequena membrana é considerada uma espécie de selo, de lacre da virgindade. Uma vez rompido, está confirmado o ingresso da mulher na vida sexual.

Logo, o padrão clássico para a definição de virgindade é a penetração vaginal e o rompimento do hímen. Por consequência, a virgindade masculina termina no momento em que ele usa o pênis como instrumento para esta tarefa de romper o lacre. 

Bom, era fácil definir as coisas desta maneira nos tempos antigos ou em sociedades mais conservadoras, onde os jovens só têm a primeira experiência sexual depois do casamento, de modo que tanto o homem quanto a mulher são virgens e perdem a virgindade juntos.

Este modelo rígido de sexualidade é adotado apenas por uma parcela da população, de modo que nos deparamos com diversas situações que tornam a questão da virgindade mais complexa. Um caso clássico é o dos namorados conservadores que tentam enganar a própria consciência, burlando as regras do sexo antes do casamento. Para não se sentirem culpados pela fornicação, recorrem ao sexo anal.

Assim, a moça mantém seu hímen intacto para ser inaugurado depois do casamento, ao mesmo tempo em que desfruta da diversão sexual com seu namorado. Tecnicamente, ela pode dizer que ainda é virgem. E quanto ao rapaz? Ele não penetrou uma vagina, mas um ânus. Esta experiência conta? Na lógica do casal, não conta. Quando muito, eles considerariam isto uma preliminar, pois o ato sexual devidamente adequado ao casal não aconteceu.

Qualquer rapaz com uma mentalidade menos conservadora, por outro lado, consideraria o sexo anal como um fim de sua virgindade. Para ele não importa onde ele enfiou seu bilau, seja numa vagina ou num ânus. Se ele enfiou, acabou ali a virgindade.

Este é um tipo de assunto que rapazes jovens podem discutir por horas. Se um deles chega contando para os amigos que finalmente enfiou seu piru em uma garota, celebrando o fim da virgindade, eles vão querer saber os detalhes. Aí o rapaz diz que foi sexo anal porque a garota disse que ainda não estava pronta para perder a virgindade (no caso, o hímen). Alguns dos colegas vão dizer que isto não vale, que o que vale mesmo era ele ter provado de uma autêntica vagina. Outros dirão que tanto faz, que ele enfiou o órgão na garota de toda forma, então conta.

Outro colega, diante deste raciocínio, questiona então: se o sexo anal conta como perda da virgindade, então o sexo oral também conta. Novamente o grupo se divide. E se a garota tivesse apenas feito uma punheta no rapaz? Aí a maioria concordaria que já passou dos limites do sexo de verdade e que masturbação, ainda que praticada por outra pessoa, não conta. O rapaz continuaria virgem até que seu membro penetrasse em um orifício humano, qualquer que seja.

A discussão se prolonga, pois um dos colegas, assumidamente homossexual, disse que nunca penetrou em uma garota, mas já teve vários parceiros homens com os quais praticou sexo anal, tanto ativamente quanto passivamente. E aí. Ele é virgem ou não?

Diante deste novo dado, o grupo acaba entrando no consenso de que o sexo de fato não precisa necessariamente envolver a penetração de um pênis em uma vagina e que o sexo anal está no páreo. Ora, como dizer que o colega gay é virgem pelo simples fato de ele nunca ter se interessado em meter em uma vagina, enquanto ele já acumulou tanta experiência desfrutando bundas?

Todavia, o rapaz gay concorda com o grupo que a penetração é o ponto chave e que o sexo oral até pode ser contado como válido para o fim da virgindade, mas não a punheta, pois aí não se penetrou em nada, é apenas um toque, e se o simples toque vale, então esfregar-se em alguém, em qualquer parte do corpo, já contaria como perder a virgindade.

Diante deste raciocínio, o grupo percebe outro detalhe: será preciso "terminar o serviço" para enfim ser merecido o prêmio de não virgem? Ou seja, não adianta apenas enfiar o pênis em um orifício (seja ele uma vagina, um ânus ou uma boca), mas é preciso ir até o fim do processo e ejacular. 

Eis então, que um dos rapazes se dá conta de que eles estavam esquecendo outro elemento nesta equação. E como ficam as lésbicas? Existem lésbicas que brincam com a penetração, seja usando os dedos ou objetos comprados em sex shop, mas existem aquelas que praticam um ato que parece alienígena para homens héteros ou mesmo gays: elas lambem as pombinhas uma da outra ou as esfregam uma contra a outra. Zero penetração.

A mente destes rapazes explode ao constatarem que existem garotas que podem viver a vida toda com um hímen intacto e que nunca enfiaram nada na vagina, nem no ânus, nem na boca e ainda assim não podem ser consideradas virgens, uma vez que usufruem de experiências sexuais, inclusive levando ao orgasmo. Quer dizer então que esfregar sem penetrar conta como sexo? No caso das lésbicas, com certeza.

A esta altura, o grupo admite que o critério básico para definir o fim da virgindade é este: deve haver uma interação sexual entre duas pessoas que envolva pelo menos o contato físico com seus corpos nus e que este contato proporcione prazer sexual.

Pois é, mas este debate não vai parar por aí, pois o futuro está chegando, no caso, o futuro da virtualidade, da digitalização. Hoje em dia, já é bem comum o chamado "sexo virtual" que paradoxalmente as pessoas consideram sexo, ao mesmo tempo em que não. É o sexo de Schrödinger.

Sim, pois nenhum rapaz virgem considera o sexo virtual como válido para o fim de sua virgindade. No fim das contas, é o mesmo que a masturbação solitária, ainda que envolvendo a interação com outra pessoa por meio da troca de fotos ou mesmo vídeo ao vivo. Isto não é sexo, mas uma preliminar do sexo, uma provocação, pois o sexo propriamente dito é uma experiência corpórea, de contato físico. Não existe sexo sem duas pessoas se tocando. Ao menos, até agora.

Mesmo assim, apesar de o sexo virtual não ser considerado sexo de verdade, ele pode ser motivo de brigas e separação de casais, pois ele conta como traição. Se uma esposa flagra seu marido pelado conversando com uma garota pelada pela webcam do celular, ela se sente traída na mesma intensidade em que se sentiria se a garota estivesse ali presente em carne e osso. O sexo virtual não é "real" o bastante para encerrar a virgindade de alguém, mas é suficiente para levar um casal ao divórcio.

Este é o status atual do sexo virtual. É uma "brincadeirinha", uma simulação do sexo. Só que isto pode mudar nas próximas gerações, à medida em que tal prática se tornar mais e mais comum, bem como mais imersiva. Por meio de dispositivos oculares, hápticos e até mesmo cerebrais, como um Neuralink, o sexo virtual vai se tornar uma bizarra experiência que vai confundir o cérebro, pois parecerá algo tão real, tão táctil, quanto o contato físico.

Sylvester Stallone, Sandra Bullock; Demolition Man (1993)
Stallone e Sandra Bullock rolando um sexo virtual no metaverso.

É possível que surja uma geração inteira de pessoas que jamais experimentarão o sexo físico, ainda mais se acontecer alguma pandemia ou qualquer outro evento na sociedade que estabeleça um tabu quanto ao contato físico. Isto, compensado pelas facilidades da tecnologia, fará com que o "sexo no metaverso" se torne o padrão na sociedade, a prática sexual mais comum. Talvez o sexo orgânico, a troca de fluidos, vire coisa de velhos ou de rebeldes, hipsters e pervertidos.

Se realmente as coisas tomarem este rumo, será irônico o fato de que a próxima geração será a mais virgem de toda a história, ao mesmo tempo em que será a mais promíscua. Virgem, pois podem passar a vida inteira sem jamais ter contato físico; promíscua, pois a facilidade do sexo virtual será tamanha que vai ser uma prática rotineira, talvez até diária, envolvendo parceiros os mais diversos e até parceiros humanoides, os robôs.

Hoje em dia o sexo com robôs não é considerado muito diferente da masturbação. Trata-se de um objeto, um boneco. Mas em algum momento poderá haver uma ruptura deste hímen ontológico. Em algum momento a mente robótica nos parecerá tão real, tão consciente, que será difícil considerar o robô apenas um boneco. Em algum momento vamos reconhecê-los como pessoas, não como humanos propriamente ditos, mas uma espécie nova, híbrida, descendentes dos humanos e membros da sociedade.

Neste momento, o animismo terá se estabelecido na sociedade como a ontologia predominante, pois, uma vez que uma criatura consegue alcançar a sexualidade humana, tornar-se-á ela tão real quanto qualquer ser humano. 

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A teoria de tudo e as dimensões

Hand with Reflecting Sphere; M. C. Escher (1935)

O mundo bidimensional não funciona apenas com base em leis limitadas à sua dimensão, pois acima dele existe a terceira dimensão que exerce a sua influência. Uma linha desenhada em uma folha, ainda que bidimensional, é fruto da ação de uma mão tridimensional.

Da mesma forma, esta dimensão em que existimos, a saber, o tempo e o espaço que se estende pela largura, altura e profundidade, um mundo composto de quatro dimensões (pois o tempo é uma delas), pode estar sujeito a interferências de estâncias superiores, de uma quinta, sexta, sétima dimensões.

Se este for o caso, é impossível encontrarmos a teoria de tudo, o Santo Graal da física, pois só somos capazes de observar a dimensão em que existimos, enquanto as dimensões superiores permanecem inalcançáveis e exercendo influências que permanecem ocultas para nós.

Talvez a misteriosa expansão do universo seja provocada por forças da quinta dimensão. Talvez a própria origem do universo seja fruto de uma ação desta camada superior, assim como uma linha bidimensional em uma folha foi desenhada por uma mão tridimensional.

Amor à distância

Quando saio à noite para olhar o céu, gosto de ver que no edifício lá adiante existem pessoas. Há luzes acesas, em algumas varandas dá para ver a luz fria da televisão, mudando de cor, piscando, indicando que estão assistindo a algum filme de ação talvez. Ocasionalmente até aparece alguém em uma varanda, uma minúscula silhueta de uma pessoa ao longe.

Gosto de saber que há pessoas ali, de vê-las de longe, perceber que elas estão vivendo suas vidas. É curioso isso, pois eu não gostaria de falar com elas, de vê-las de perto. Aprecio as pessoas assim, remotamente, observando-as como quem observa os pássaros. Pessoas conversando, crianças brincando, cachorros latindo. 

Agrado-me em ouvir estes sons à distância, mas não gostaria que fossem meus vizinhos, pois todo este ruído de fundo então se tornaria um incômodo. Meu amor à humanidade talvez tenha este limite de algumas dezenas ou centenas de metros.

(03,02,2023)