The Boys¹ tem se tornado um fenômeno do entretenimento para um público adulto e jovem-adulto devido à sua apelação descarada à nudez e gore. É uma série apelativa, seguindo o mesmo estilo dos quadrinhos, mas também tem suas camadas. A apelação é o tempero dessa receita que inclui um roteiro bem escrito.
A série tem um tom de sátira bem ousado, usando do deboche para expor, criticar ou simplesmente ridicularizar certas questões da nossa sociedade. The Boys sabe fazer a "crítica social foda", mas sem forçar a barra, sem parecer uma tentativa de "lacrar", de ganhar aplausos de militantes.
Afinal, o show atira para todo lado, de nazistóides que admiram a Stormfront, até a indústria do entretenimento que paga de progressista para ganhar likes e publicidade. Nesta terceira temporada, por exemplo, o A-Train, um personagem negro, propõe um rebranding de sua imagem a fim de enfatizar suas raízes africanas. A verdade, porém, é que ele tá pouco se lixando para seus antepassados e apenas quer voltar aos holofotes.
The Boys é sobre isto: não existe nenhum santo na história. O pior de todos é o Homelander, uma caricatura do Superman, bem como do Übermensch nietzschiano. Ele é o Superman que deu errado, que deixou o próprio ego corromper seus poderes quase divinos.
Homelander é o narcisista supremo. O transtorno de personalidade narcisista é bem descrito na psicologia e é uma patologia que pode beirar a psicopatia. De fato, não raro psicopatas são extremamente narcisistas e muitos narcisistas igualmente são psicopatas em potencial.
A raison d'être do narcisista é o culto a si mesmo e, enquanto no mito grego, o Narciso contentava-se em viver a se contemplar no espelho d'água, no nosso mundo o narcisista não limita-se à autoadmiração, antes ele precisa de mais do que isto, precisa dos olhares dos outros. A grande necessidade do narcisista é a atenção alheia, uma atenção exacerbada e de preferência que chegue ao nível de um culto.
Como um bom narcisista, Homelander não tem empatia por ninguém e ele enxerga as pessoas como mero alimento para sua necessidade de atenção, de "amor". Ele finge ser um bom moço, finge ser herói e força um sorriso amarelo diante das câmeras apenas porque quer em troca a admiração e o culto das massas.
Não à toa ele desenvolve uma relação íntima com Stormfront, porque ela o venera, ela o considera o exemplar supremo da raça. Homelander pouco se importa com o ideal nazista, pois sua mente é tão focada em si mesmo que não há espaço para qualquer outro fanatismo, mas ele curte a adoração da Stormfront. Quando ela morre, o comentário imediato dele é: "Ela não faria isso em meu aniversário". Uma reação de puro narcisismo, de interpretar a situação sempre girando em torno dele próprio.
Um curioso detalhe que explora a gênese de sua psique doentia é o fetiche que ele tem pelo leite materno. Homelander foi criado em laboratório, logo, não passou pelas fases mais fundamentais de formação da personalidade em contato com uma figura materna.
Ele não teve um ventre, não teve um colo nem a atenção nutritiva de um seio, de modo que o cerne de sua personalidade foi marcado com esta necessidade de atenção que não foi suprida no período mais crítico, o da tenra infância. Agora Homelander é um adulto bebezão, tomado por uma carência extrema e que tentará satisfazer por bem ou por mal, pela encenação de heroísmo ou provocando medo nas pessoas. É o clássico exemplo do monstro de Frankenstein.
Na série vemos até um bizarro relacionamento dele com a tutora Madelyn, que se torna o mais próximo de uma figura materna. Em uma cena que se tornou meme pela internet, Homelander bebe o leite de Madelyn que estava na geladeira. Esta cena por si só explica tudo, toda a questão do trauma infantil.
Na terceira temporada, há um paralelo curioso (e que poucos podem ter percebido) entre Homelander e a mãe da Starlight. Vemos em um flashback que a mãe da Starlight colocava ela para se apresentar em shows, mesmo a garota não gostando muito disto. A menina ia se apresentar e, para lidar com o stress, ela desenvolveu um tique de apertar a própria mão com as unhas.
A mãe queria satisfazer sua necessidade de atenção elegendo a Starlight para ser o que a psicologia chama de "filha dourada". Starlight era o trofeuzinho da mãe, usada para satisfazer o ego dela que se gabava por ser a mãe de uma estrela infantil.
O curioso é que, quando Starlight assume o namoro forçado com Homelander, ela o beija e nesse instante repete o mesmo tique da infância, apertando a mão, expressando sua agonia em um gesto discreto. É assim que Starlight aprendeu a lidar com a pressão imposta por uma personalidade narcísica, antes sua mãe, agora o Homelander.
O exemplo do Homelander também pode servir como um profético alerta para o futuro da humanidade. Em algum momento chegaremos ao ponto de normalizar a produção de bebês fora do ventre materno, crianças criadas em laboratório. A intenção pode ser das melhores. Um casal infértil pode ter seu sonho de perpetuação dos genes realizado. Uma mulher que tenha alguma condição de saúde que tornaria sua gravidez de risco pode recorrer à "gravidez externa".
Acontece que a formação da psique humana começa muito antes do parto. Já no ventre o cérebro em formação vai interpretando o mundo e se adaptando ao que percebe. É um fato bem documentado que bebês que passaram por uma gravidez complicada podem desenvolver transtornos e fobias. A formação da psique infantil passa por várias etapas, como as conhecidas fase oral e anal, mas bem antes disto existe a primeira etapa que é a fase da gestação.
Logo, será importante pensar neste aspecto afetivo que de alguma forma deve ser simulado em uma gestação de laboratório. A cápsula em que um bebê será encubado precisa simular a experiência do ventre materno, do contrário corremos o risco de criar pessoas com um grande vazio semelhante ao do Homelander.
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