Qaligrafia
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Como um coco me despertou uma memória da infância

Água de coco

A memória tem um complexo sistema de hiperlinks. Um pequeno detalhe pode levar a lembranças distantes. Sons, cheiros, cores, lugares, tudo ativa nossa memória¹. Eu estava descascando um coco e, quando fiz o furo para tirar a água, tive um curioso hiperlink para o passado. Primeiro, porém, preciso preparar² o contexto.

A rua onde morei na infância era bem heterogênea, típica de um bairro de cidade pequena que foi sendo ocupado sem muito planejamento. Pessoas de diferentes classes sociais se distribuíam pelas casas, de modo que tinha umas casinhas pequenas intercaladas com outras maiores e tinha uma em especial que era bem diferente, era como uma pequena chácara, plantada ali em meio a casas urbanas normais.

Para minha impressão infantil, parecia uma chácara grande, mas hoje estimo que devia ter uns 50x50 metros. O curioso era a forma como esta área foi aproveitada. A casa ficava nos fundos, deixando espaço para um terreno com altos coqueiros e tinha até um galinheiro.

Nunca vi o dono da casa, mas ele claramente tinha gosto por coisas rústicas e da selva. Uma vez que entrei lá pude ver a decoração com estatuetas de madeira e até animais empalhados e couros peludos de vaca.

Não tinha crianças, mas havia um rapaz jovem-adulto que creio seria o filho do dono. Frequentei aquela casa algumas vezes graças a um menino da minha idade que lá trabalhava como faz-tudo, uma ocupação comum dos moleques daqueles tempos. Eu nunca soube o nome do garoto, pois todos o conhecíamos pelo apelido: Buda.

É, parece um apelido bem místico e tal, mas na verdade a sua origem é outra. Foi uma época em que os tokusatsus eram a grande atração da TV infantil. A época do Jaspion, do Jiraiya (não aquele do Naruto) e tinha o grupo Changeman, grande precursor dos Power Rangers.

Buba, Shima; Changeman (1985-1986)
Buba e Shima.

Acontece que em Changeman tinha dois vilões, Buba e Shima, e seus nomes inspiraram dois irmãos na vizinhança que passaram a adotar os apelidos de Buda e Shimba, com a pronúncia errada mesmo.

Fiquei amigo de Buda, mas o Shimba me assustava. Uma vez ele meteu as mãos em cal e correu atrás de mim fingindo que era o Freddy Krueger (outra atração da TV na época). Na minha imaginação de criança de 6-7 anos, aquelas mãos caiadas pareciam mesmo garras.

Calma que estamos chegando à memória do coco.

Voltando àquela pequena chácara, uma vez haviam tirado uns cocos e o rapaz, supostamente o filho do dono, abriu um coco com um facão. Ele cortou a tampinha do coco para expor a água e nesse momento Buda estendeu a mão pra pegar a tampinha a fim de roer a carne, mas o rapaz meteu uma bronca, gritando rabugento: "Tira o dedo, Buda!".

Foi curioso então que agora, décadas depois, assim que eu abri a tampinha do coco, me veio a memória desta cena e o rapaz reclamando "Tira o dedo, Buda!".

Notas:


2: Uma aliteraçãozinha em "p".

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