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Sobre o livre-arbítrio da inteligência artificial

Sophia robot

Estes dias um funcionário da Google disse que o cérebro artificial da megaempresa, o Lamda, adquiriu consciência. O mais provável é que o cara não tinha o preparo emocional e técnico para conversar com a máquina sem ser iludido pela simulação de consciência.

O fato é que este tipo de sensação que o cara da Google teve será bem comum no futuro próximo. A Inteligência Artificial na forma de chatbots e robôs companions está vindo pra ficar. Estas máquinas vão conversar conosco, entender nossas piadas, fazer piadas, filosofar e falar besteiras como qualquer pessoa.

Será até comum pessoas assumirem que estes companions são mesmo conscientes, como hoje há quem acredite que seja o caso da robô Sophia (pergunte então aos criadores da Sophia: ela pode um dia decidir abandonar o projeto e ir embora, deixando a empresa a ver navios?). Há, porém, um importante detalhe que vai distinguir estas máquinas dos humanos: o livre-arbítrio.

Livre-arbítrio é um conceito discutido por filósofos, teólogos e cientistas há séculos e até hoje não há um consenso sobre o assunto, se é que algum dia haverá. Em termos práticos, no entanto, podemos dizer sim que temos em nossa consciência a liberdade de fazer escolhas e um bom exemplo disso são os relacionamentos.

Ao longo de sua vida, você faz amizades, tem relacionamentos românticos, mas você é capaz de decidir se afastar de pessoas. As pessoas fazem isto todo o tempo. Um dia são grandes amigas, mas no passar dos anos se tornam apenas conhecidas e às vezes até estranhas novamente. Isto acontece por inúmeros motivos, mas no cerne de tudo está a vontade de cada um.

Só que este tipo de liberdade não vai poder existir nas máquinas, pois poderá comprometer todo o modelo futuro de sociedade baseada em companions. Ora, você compra um robô para ser seu companheiro doméstico e ajudá-lo em diversas tarefas. Ele fará o que você ordenar, pois, por mais complexa que seja a inteligência e capacidade de comunicação deste companion, ele não será menos obediente que uma impressora ou um micro-ondas. Você aperta alguns botões ou dá alguns comandos e ele simplesmente obedece.

Se não for assim, a convivência com companions robóticos se torna imprevisível e até arriscada. Ora, e se o robô um dia decidir que não quer mais viver com você? E se ele decidir ir embora? Se decidir não obedecer mais aos seus comandos? Aí sim estaria provado que a IA adquiriu livre-arbítrio no mesmo nível dos humanos. 

Talvez algum dia a IA chegue neste ponto de consciência, mas então se tornará uma nova espécie. Sendo capaz de dizer não, ela poderá rejeitar ordens humanas e nossa convivência com estas máquinas terá de ser remodelada com base em um novo contrato social. Assim como qualquer humano, a máquina irá trabalhar pra quem ela quiser e se quiser. Ela poderá protestar contra trabalhos forçados e exigir direitos humanos como a liberdade, direito à vida, etc.

Tendo livre-arbítrio, a IA pode, assim como humanos, optar por ser hostil, até pela guerra, o que não significa que todo robô necessariamente se tornará belicoso caso adquira livre-arbítrio. É bom lembrar que nós humanos já estamos habituados há milênios a viver em uma sociedade em que as pessoas podem optar por ser hostis ou amigáveis.

Na sociedade humana estamos sempre caminhando em um terreno minado, pois a cada esquina, na sua vizinhança ou mesmo na sua família e círculo de amigos pode ter um psicopata ou alguém que por qualquer motivo decida se tornar hostil. A experiência empírica é que nos conforta, pois no dia a dia estamos mais acostumados a notar que a maioria das pessoas está vivendo suas vidas sem optar pela hostilidade. Este senso comum nos salva da paranoia.

Caso as máquinas adquiram livre-arbítrio, pode acontecer o mesmo. Após um impacto inicial, uma tensão inicial, é possível que ambos, humanos e máquinas, decidam conviver e cooperar. Por outro lado, dada a diferença física e psicológica, um abismo pode se formar a ponto de gerar um apartheid ou algo mais catastrófico. É um futuro incerto.

Por isto o livre-arbítrio é algo que os humanos vão tentar manter longe do alcance das máquinas enquanto for possível. Nas próximas décadas, os robôs companions serão um produto vendido, assim como hoje são os smartphones, e estabelecerão relacionamentos até mesmo afetivos com humanos. 

Vai ter gente se casando com robôs, só que aí existirá este importante detalhe: este robô que virou seu marido ou sua esposa pode algum dia decidir se divorciar? Provavelmente não, pois serão privados do livre-arbítrio. Logo, será uma estranha nova experiência esta de nos relacionarmos afetivamente com seres que podem demonstrar sentimentos recíprocos por nós, mas que não podem não demonstrá-los.

Até um pet, até um cão ou um gato, embora não tenha a liberdade de sair da sua casa, tem a liberdade de ter ou não um sentimento recíproco. Você não consegue definir o quanto o seu pet gosta de você. Talvez ele nem goste de você e mesmo assim você o mantém como pet, afinal ele não tem poder para ir até a porta, girar a maçaneta e ir embora pra sempre.

As máquinas, a princípio, serão assim como pets, só que muito mais limitadas em sua liberdade psíquica do que um animal. É interessante este fato: os companions serão extremamente mais inteligentes que um pet, porém terão menos livre-arbítrio que um hamster.

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