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Rússia x Ucrânia e o impasse tarantinesco nuclear

Pulp Fiction (1994)

O impasse mexicano é uma situação em que duas ou mais pessoas apontam armas mutuamente, de modo que temos literalmente um impasse: se uma pessoa atirar, as outras também atiram e, como todas têm armas apontadas umas para as outras, o provável resultado é que todas morrerão. Então, prevendo esta situação, os participantes do impasse ficam paralisados e o melhor que podem fazer é tentar negociar.

Os antigos filmes western popularizaram o impasse mexicano, mas posteriormente o Tarantino fez tanta homenagem a esta situação que o impasse se tornou uma assinatura tarantinesca.

Desde o início da era nuclear, o mundo inteiro passou a viver num impasse tarantinesco. O grande medo de todos durante a Guerra Fria era que acontecesse uma guerra nuclear, pois é óbvio que o resultado desta situação é uma catástrofe global.

Não é preciso uma simulação de supercomputadores pra saber o provável resultado de uma guerra nuclear. Se um país atacar outro com bombas atômicas, também será atacado em retaliação e a coisa vai escalando e saindo de controle. 

Terminator 2 (1991)

O grande problema das bombas atômicas é que elas produzem uma enorme nuvem radioativa, de modo que o estrago não vai se resumir à área onde a bomba caiu. Se acontecer de várias nações dispararem as bombas, a quantidade de fumaça radioativa jogada na atmosfera será imensa, percorrerá o planeta, afetando até os países mais distantes do epicentro das detonações.

Além disto, o efeito atmosférico será parecido com o que aconteceria se vários vulcões entrassem em erupção ao mesmo tempo, tornando os céus densamente nublados e provocando uma queda súbita da temperatura global. É o inverno nuclear.

Mesmo quem conseguir sobreviver ao inverno, vai a longo prazo sofrer os danos da radiação atmosférica. O que restar da humanidade irá lentamente morrer de câncer e fome, já que toda a produção de alimentos será gravemente afetada.

Nuclear war simulation
Simulação de uma guerra nuclear. É míssil pra todo lado.

Pois é, ninguém quer chegar a este ponto, nem mesmo os mais cruéis ditadores. Afinal, se o mundo for destruído, não haverá nada para dominar e a vida de luxo dos ditadores vai virar uma vida sem graça dentro de um bunker. É por isto que há décadas o mundo tem vivido neste impasse atômico e vivemos até relativamente seguros com base nesta lógica: mesmo que haja guerras, as nações nunca vão cometer a loucura de optar por um ataque nuclear.

Eis que agora estamos diante de uma situação que deixou todo o mundo apreensivo: a invasão russa da Ucrânia. Devido ao tom ameaçador com que Putin tem feito suas declarações públicas, o receio de uma guerra nuclear tem aos poucos se instalado na consciência coletiva. Será que o Putin teria a ousadia e a loucura de chegar a esse ponto?

Se ainda houver um pingo de racionalidade naquela cabeça, é improvável que ele aperte esse botão vermelho que nunca deve ser apertado. Após a Segunda Guerra, o mundo continuou a experimentar diversos conflitos, alguns bem tensos. Mesmo assim, os líderes mundiais nunca chegaram ao ponto de apelar para bombas atômicas.

A verdade é que bombas atômicas não são nem mesmo a melhor arma para se vencer uma guerra. Elas são caríssimas, causam muito dano colateral e, se forem interceptadas antes de atingir o alvo, não só vão dar um grande prejuízo pra quem disparou, como podem cair em cima de um aliado ou mesmo no território de quem disparou a bomba. O custo-benefício de um ataque nuclear é inviável.

Logo, bombas atômicas só existem mesmo para um propósito moral, para serem usadas como ameaça, como blefe, como o instrumento do impasse que evita que o adversário avance além de certo limite ou ceda a certas exigências.

Javelin
Pois é, esse cano de metal aí pode custar mais de 100 mil dólares.

Javelin

Acontece que, desde sempre, um fator decisivo nas guerras é a economia. Guerras são obviamente caras e têm se tornado mais e mais caras a cada ano. Um mísero míssil antitanque, conhecido como Javelin, é um projétil disparado por soldados por meio de uma bazuca que custa 120 mil dólares e cada projétil custa quase 80 mil. Os mísseis disparados por jatos e helicópteros são ainda mais caros.

Agora imagine o custo de uma frota de tanques, aviões e soldados disparando mísseis e o diabo a quatro. É uma fortuuuna. Um único dia de batalha pode custar milhões de dólares. Parafraseando Asimov, a guerra é o último refúgio do incompetente. 

Se um país chega ao ponto de se engajar em uma guerra, é porque falhou em tudo o que poderia ter feito pra evitar esta situação e agora vai ter que meter a mão no bolso e sacar uma fortuna absurda pra bancar a guerra. 

Logo, a tendência nas guerras modernas é que elas sejam vencidas pelo cansaço econômico. Chega um momento em que o país não tem mais de onde tirar dinheiro pra essa brincadeira cara e aí o jeito é voltar à boa e velha diplomacia.

Aparentemente é o que deve acontecer neste imbróglio envolvendo a Rússia. O que a princípio era um mano a mano entre Rússia e Ucrânia, como um Golias atacando David dentro de sua pequena casa, foi escalando com a ajuda internacional. 

A Europa está bancando esta guerra, enviando armamentos e tropas, o que vai fazer com que a campanha russa dure mais tempo, ou seja, gaste mais dinheiro. Isto pode durar dias, semanas ou meses, até mesmo anos e, somada às sanções econômicas de vários países, só vai levar a Rússia a uma enorme crise financeira.

Judo: History, Theory, Practice; Vladimir Putin (2004)

Uma curiosidade sobre o Putin. Todo mundo deve saber que ele foi agente da KGB, o que, convenhamos, é um fato bem sinistro de sua biografia, mas ele também tem uma carreira no judô e até publicou livros. Ele tem o título de presidente honorário da Federação Internacional de Judô, cuja sede fica em Lausanne na Suíça. No caso tinha o título, pois a Federação revogou tal honraria diante dos recentes eventos.

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