No filme Debi & Loide 2, o Lloyd fica internado em um hospital psiquiátrico por vinte anos, parecendo inválido. Seu fiel amigo Debi durante todos estes anos o visitou no hospital, até que um dia Lloyd diz que tudo foi uma pegadinha, a pegadinha mais longa que ele já fez na vida.
Esta é a impressão que tive com o tão esperado anúncio do New World. Durante vários meses os devs fizeram a comunidade esperar, disseram que estavam preparando uma novidade que deixaria todos animados, que valeria a pena a espera. Por meses a playerbase continuou no jogo, repetindo os mesmos conteúdos de sempre, sendo paciente, andando a milha extra por acreditar que alguma coisa viria para compensar esta espera.
Eis que na Summer Game Fest o grande anúncio aconteceu: o New World vai passar por um remake, um relançamento, agora direcionando seu marketing para novos jogadores de console. O suporte ao controle foi implementado, as missões iniciais e a interação com os NPCs vão ganhar uma repaginada, melhorando a experiência dos iniciantes. Ah, e finalmente, após três anos, será possível nadar.
Isso é ótimo, mas já vi este filme. Não é a primeira nem a segunda vez que eles remodelam a história principal. Isto será bom para novos players, mas e quanto aos veteranos? Somente duas vezes os veteranos receberam um conteúdo novo realmente substancial e relevante, que não só reativou a disposição para jogar, como trouxe de volta jogadores antigos que já estavam "aposentados". Isto aconteceu na expansão de Areias e depois na DLC da Selva. Em ambos os casos, houve um retorno de players que já estavam desanimados com o jogo.
Quando foi lançado em 2021, o New World chegou a ter 900 mil players diários. Foi um verdadeiro fenômeno no mundo dos MMOs. Em poucos meses, porém, o studio mostrou a sua incapacidade em segurar estes players. O jogo fora lançado precisando ainda de muito polimento, estava cheio de bugs graves, o que frustrou a grande maioria dos jogadores que foram embora para nunca mais voltar.
Aqueles que ficaram tiveram que continuar lidando com novos e antigos bugs ao longo dos anos. Alguns abandonaram o jogo e depois retornaram, dando uma nova chance de novo e de novo, mas sempre tendo que suportar os pequenos aborrecimentos com os defeitos do jogo e os atrasos na manutenção e nos updates. Estes problemas até viraram piada interna na comunidade: os bugs, os atrasos, a lentidão em lançar novo conteúdo, a falta de features bem básicas, como montaria e natação... O meme que se formou na comunidade era de que o New World ainda estava no beta e que nós, os players, éramos cobaias testando o jogo.
Ironicamente, depois do anúncio do relançamento, que virá com o rebranding New World Aeternum, um teste beta também foi anunciado. A piada já estava pronta. Alguns players comentaram: "Eu já venho fazendo o teste beta desde 2021".
Após a debandada em peso de players, o jogo se manteve com uma playerbase bem reduzida, porém fiel, feita de alguns criadores de conteúdo, que em todo este tempo não desistiram das lives, e veteranos que seguiram se dedicando ao jogo, apesar de tudo. Certamente esta pequena comunidade fiel merecia mais consideração nos planos do studio.
Há quem argumente que os veteranos não têm motivo para reclamar, pois, após jogar milhares de horas, já usufruíram bastante do jogo, já compensaram em muito o valor da compra. Este raciocínio pode valer para jogos singleplayer: você paga determinado preço pelo jogo e espera ter uma certa quantidade de horas de diversão. Acontece que New World é um MMORPG e a coisa muda de figura.
Nenhum MMO consegue sobreviver a longo prazo dependendo apenas da venda de seu jogo base para novos players. À medida em que um MMO envelhece, o fluxo de novos jogadores naturalmente diminui, de modo que a melhor forma de manter o jogo vivo é por meio de uma playerbase leal que permanece monetizando o jogo por meses e até anos. Os MMOs clássicos fazem isto usando um modelo de assinatura mensal e boa parte destes assinantes são veteranos que estão apegados ao jogo e permanecem nele por anos a fio, acumulando milhares de horas de jogo. Há outros modelos de monetização, como passe de batalha ou uma loja com skins e itens diversos. É este modelo que o New World vem tentando.
É por isto que não é justo dizer que um jogador que tem, por exemplo, quatro mil horas de jogo, não pode mais reclamar, pois já compensou o valor que pagou na compra do jogo base. Não é tão simples assim. Em um MMO, a presença de cada pessoa é importante, pois toda a dinâmica do jogo só é possível se tiver muitas pessoas jogando, movimentando o mercado, participando de atividades em grupo, mantendo o servidor vivo. Além disso, jogadores veteranos são os que mais contribuem na monetização, pois além de ter comprado o jogo base, ao longo dos anos o veterano foi aplicando mais dinheiro, comprando passes de batalha, skins e os itens da loja. É exatamente assim que deve funcionar um MMO saudável.
Os jogadores de MMO têm a expectativa válida de que ele será um “jogo para a vida”, pois é assim que são os grandes MMOs. Você joga há anos, acumulando milhares de horas, o que obviamente é um sinal de que está gostando, porém, assim como o MMO é um jogo de longo prazo, também é necessário que o desenvolvedor continue ouvindo o comunidade, tentando equilibrar esforços para atrair novos jogadores e manter jogadores recorrentes. Afinal, esse mercado sobrevive disso, da fidelização, algo semelhante a um serviço de streaming que, para sobreviver, precisa que seus assinantes renovem a assinatura mês a mês.
Todo MMO saudável que se preze tem um ciclo de vida baseado em atualizações com determinada frequência, geralmente trimestral ou semestral, trazendo novos conteúdos que despertam o ânimo da comunidade, fidelizando seus jogadores. O mínimo que a comunidade esperava para este ano de 2024 era uma nova expansão ou DLC ou, pelo menos um roadmap divulgando os planos para o ano, mas nem mesmo um roadmap eles conseguiram oferecer.
Talvez o studio seja muito pequeno e não tenha a quantidade necessária de funcionários para manter este ciclo de vida. Em três anos, sequer conseguiram fazer o polimento e eliminar certos bugs recorrentes. Sim, o jogo foi melhorando com o tempo, mas a um ritmo aquém do esperado. As temporadas do passe de batalha, por exemplo, vinham a cada três meses e geralmente após atrasos e adiamentos e, quando vinham, traziam pouco conteúdo novo, de modo que os jogadores não se sentiam motivados a comprar o passe. Desta forma, o número de jogadores seguiu caindo.
A solução que todos esperavam, como já foi dito, era trazer um novo conteúdo. Uma expansão certamente renovaria o ânimo da comunidade, mas eles simplesmente não conseguiram produzir nada próximo disso. Então parece que o studio finalmente reconheceu que não tem o porte e o ritmo necessário para desenvolver um MMO funcional, de modo que resolveram relançar o jogo agora com a classificação "action RPG". Sim, ele ainda será multiplayer, mas a mensagem tácita por trás desta reclassificação é esta: "Não prometemos desenvolver este jogo como um MMO, com updates sazonais e expansões. Então vamos oferecer um conteúdo mais próximo de um jogo singleplayer e voltado a atrair players novos".
Dito isso, muitos desses jogadores veteranos que fazem parte da playerbase mais leal do jogo, que continuaram jogando e gastando dinheiro, mantendo os servidores vivos, sentiram-se traídos pelos desenvolvedores com os últimos anúncios. Eis porque houve uma mudança tão radical na opinião desta playerbase que então passou a publicar reviews negativas na Steam e em poucos dias a avaliação do New World caiu de "ligeiramente positiva" para "extremamente negativa".
A inabilidade ou má vontade do studio em se comunicar com sua playerbase se mostrou nos vídeos posteriores, quando tentaram explicar seus planos e mesmo assim continuaram ignorando a própria existência dos jogadores antigos e fiéis. Não à toa, houve uma reação negativa em massa.
Será que todas estas pessoas estão erradas? Ou será que o studio cometeu um erro muito grave que feriu a sua playerbase outrora mais fiel?
Mas enfim, o fato é que o estrago já foi feito e pelo visto os devs já desistiram de fazer do New World um verdadeiro MMO. A debandada dos poucos players restantes será uma consequência natural, restando apenas uma minoria que tem seus motivos pessoais para permanecer (amizades dentro do jogo, criadores de conteúdo com um público estabelecido, a esperança de que ainda pode melhorar, a falta de alternativas que correspondam ao gosto pessoal ou simplesmente o bom e velho vício).
Talvez o relançamento para console traga um novo fôlego aos servidores, mas parece improvável que haja uma recuperação a longo prazo. O New World enquanto MMO está realmente morto e resta apenas um fantasma de um jogo que tinha potencial, mas desperdiçou ao ignorar o feedback de seus jogadores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário