Ouço falar de Christiane F. desde a adolescência. É um daqueles filmes que ficou marcado na memória popular, um modelo quando se trata de alertar sobre o risco das drogas pesadas. Tenho vagas lembranças de já ter visto algumas cenas na TV, como aquela do cara metendo a seringa no pescoço em um banheiro. Ele já estava tão habituado a fazer isto que fez com grande facilidade e nem se importou com o fio de sangue escorrendo depois. De toda forma, os anos passaram e nunca tive a oportunidade de assistir de fato e foi só agora, em pleno 2023, que ao entrar no Prime Video me deparo com o título na página inicial. Decidi então finalmente conferir.
Eu realmente pouco sabia do filme, a não ser a sinopse superficial, pois fiquei surpreso ao descobrir que é uma produção alemã e o David Bowie está presente. A protagonista é muito fã dele, coleciona discos (velhos tempos dos discos de vinil) e logo no começo vemos a Christiane e seus amigos fazendo maluquices de adolescente nas ruas ao som de Heroes.
Isto me lembrou inclusive uma cena de As Vantagens de Ser Invisível em que também temos adolescentes vagando em uma aventura noturna ao som da famosa música do David Bowie.
Bowie, como outros ídolos pop dos anos 70 e 80, simbolizava a rebeldia, uma atitude de independência, um jeitão meio blasé e uma estética única e ousada. Era tudo que encantava o adolescente médio. De fato, é perfeitamente natural que a adolescência seja marcada por estes sentimentos de rebeldia e independência, de modo que a inspiração de ídolos da música tem uma função catártica.
Como tudo na vida, porém, existe aquele limiar entre a aventura e a tragédia. Christiane buscava um escapismo para sua vida decepcionante: pais separados, um sentimento de tédio, decepção com algumas amizades e paixões juvenis. Esta busca a levou ao caminho da desgraça.
Ela começou se envolvendo nas noitadas com os amigos, e era bem careta em relação aos demais, pois usar drogas era praticamente o padrão naquele círculo de pessoas, enquanto ela resistia, rejeitava as ofertas, mas lentamente foi cedendo. Um comprimido aqui, uma tragada ali. Até que ela chegou naquele horizonte de evento, no ponto a partir do qual seria sugada para o buraco negro: a heroína.
Chateada por ver o crush dela com outra garota, ela resolveu experimentar o escapismo da droga. Os próprios amigos drogados tentaram dissuadi-la, dizendo que ela se tornaria uma zumbi como eles, mas ela respondeu com as famosas últimas palavras de quem se arrisca neste caminho: "Tenho total controle sobre mim mesma". Hum, veremos...
A partir daí a feição dela muda, ficando com olhos fundos, rosto pálido, enfim, virando também uma zumbi. É curioso que hoje em dia cada vez mais associamos as histórias de apocalipse zumbi à crise de drogas que assola o mundo, com pessoas vagando nas cracolândias, com uma expressão facial e um jeito de se mover que de fato lembram um zumbi. Esta associação é bem antiga e já nesse filme de 1981 temos os personagens chamando viciados de zumbis.
Foto real de Detlev. |
Enfim ela consegue ficar com o garoto, Detlev. No fim das contas, era apenas sobre isso, uma garotinha apaixonada querendo se aproximar do garoto, querendo entrar no mundo dele. Experimentou drogas pra se enturmar. Detlev a levou para a casa onde ele morava com os amigos, um verdadeiro ninho de ratos todo sujo e bagunçado. Ela não se importa e acha até engraçado, já que está apaixonadinha.
Detlev confessa que faz programas no fim de semana para conseguir dinheiro. Ele atende clientes gays. Esta revelação só atiça ainda mais a curiosidade dela, que sempre queria mergulhar mais e mais no mundo de Detlev. Ele a inspirou a usar drogas e agora a se prostituir.
O filme de fato é baseado no livro da real Christiane, Vera Felscherinow, que relata sua dramática biografia. Em seu círculo de amizades, era comum garotos e garotas se prostituírem para poder bancar o vício em drogas. Muitos de seus amigos morreram de overdose.
Zumbificada. |
Uma vez que Christiane entra no mundo das drogas, acompanhamos seus altos e baixos, as várias tentativas de abandonar o vício, a crise de abstinência. Algumas cenas retratam bem o estado sub humano em que uma pessoa pode ficar por causa do vício. A garota e seu namorado literalmente dormem cobertos no próprio vômito.
Christiane F. atualmente. |
Mesmo depois do sucesso do livro de 1978, a real Christiane teve uma vida difícil, teve um filho e ficou morando de favor com parentes. Aos 46 anos teve uma grande recaída de volta às drogas e até perdeu a guarda do filho. Ela é uma sobrevivente. Em 2013 ela lançou sua segunda autobiografia, Christiane F. – My Second Life.
No Brasil, creio que um detalhe que tornou o livro e o filme especialmente marcantes foi a tradução do título, pois enquanto em inglês é simplesmente "Christiane F. ", em português inventaram o enfático e inesquecível título "Eu, Christiane F. - 13 Anos, Drogada e Prostituída...".
É um filme chocante principalmente por causa das cenas envolvendo as consequências das drogas, quanto à parte da prostituição, é mais insinuada do que mostrada. O diretor Uli Edel teve o cuidado de não expor demais os jovens atores à nudez. Curiosamente, há uma breve e pitoresca cena em que Christiane chicoteia um cliente masoquista, o que acaba sendo catártico para ela, já que ela estava fula da vida e teve a oportunidade de descontar no cliente esquisitão.
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