A Arma de Chekhov é um recurso muito utilizado na criação de histórias e consiste basicamente em dar utilidade para os elementos do cenário no desenvolvimento da trama. Se no começo da história é descrita uma arma guardada em uma gaveta, em algum momento esta arma será usada.
Na contação de histórias, a memória é muito importante. É preciso ligar elementos do passado e do futuro. Eventos que aconteceram nos primeiros capítulos podem reverberar até as últimas páginas. Até o momento, somente escritores humanos são capazes de ter este tipo de memória com consistência.
Ferramentas de IA, como o ChatGPT, já são capazes de elaborar pequenos contos sem interferência humana. Apenas dê um parâmetro, tipo "escreva com conto sobre apocalipse zumbi", e a IA consegue elaborar uma história coerente, porém breve. Quando se trata de livros com centenas de páginas ou episódios de uma série, a IA está ainda muito longe de fazer o trabalho dos humanos.
Em uma série de 20 episódios, é preciso constantemente recapitular eventos passados e desenvolver suas consequências no futuro. Além disso, o autor deve ter sempre em mente a essência de cada personagem. O Batman, por exemplo, não pode de repente virar um personagem extrovertido e sorridente, pois não é esta a essência dele.
Em seu estágio atual, a IA pode ser bem útil como uma ferramenta auxiliar para autores. Um escritor pode usar a IA para descrever um cenário alienígenas e, fazendo os devidos ajustes, incluir esta descrição em seu livro. Todavia, se você quer de fato escrever uma história consistente, com vários capítulos e com uma boa memória dos eventos, deve fazer à moda antiga, usando seu cérebro humano.
A IA veio pra ficar, mas com relação à criação de histórias, a curto prazo, ela deve servir como um auxílio e não como um substituto do autor humano. Todavia, os roteiristas dos EUA já estão preocupados com a implementação da IA, de modo que esta é uma das pautas da recente greve dos roteiristas.
Os roteiristas de filmes e séries nos EUA são muito organizados. Lá existe um forte sindicato chamado de Guilda dos Roteiristas da América (WGA - Writers Guild of America) e que no passado já deu demonstrações de seu poder, como na grande greve de 2007-2008, que paralisou a indústria cinematográfica por meses, afetando séries de sucesso como The Big Bang Theory, Two and a Half Men, House, The Office, Supernatural e até Breaking Bad.
Antes desta greve, já houve outras semelhantes em 1988, 1981 e 1960. Agora a história se repete e temos uma nova greve em 2023, desta vez atualizada em suas pautas, pois agora está inclusa a preocupação com o uso da Inteligência Artificial.
Todas estas greves costumam girar em torno das mesmas pautas: atualização de salários, melhoria no sistema de "residuals" (quando os roteiristas recebem uma espécie de royalties cada vez que um show é reprisado), os termos dos contratos, etc. Nesta greve de 2023, a novidade realmente foi o tema da Inteligência Artificial, com o receio de que ela seja usada para substituir escritores humanos.
Na prática, os mais afetados por esta greve são os próprios roteiristas e os canais, studios e serviços de streaming que vão ter que pausar ou encerrar projetos. Quanto ao público, convenhamos que hoje em dia temos acesso a uma abundância tal de conteúdo que mal vamos perceber os efeitos da greve. Quando muito, aquela série que você vinha acompanhando pode entrar num hiato, mas enquanto isto você vai assistindo outras coisas, inclusive conteúdo internacional que não é afetado pela greve, produções europeias, doramas asiáticos, etc.
Quanto ao ChatGPT, ou melhor, à IA em geral, a greve pode conseguir algumas salvaguardas, mas não vai impedir de todo a sua implementação. Estamos entrando em uma nova era na literatura como nunca houve na história da humanidade, pois agora autores podem escrever histórias contando com o auxílio de um coautor não humano, uma espécie de musa, quase um ser anímico que pode auxiliar em termos de correção e revisão ortográfica, bem como de material criativo.
A IA não vai tomar o lugar dos escritores, antes vai produzir um boom na literatura, acelerando a produção de histórias. Isto será particularmente útil na indústria do entretenimento, enquanto um público mais nichado vai buscar um conteúdo mais artesanal, livros escritos totalmente por autores humanos, com aquele toque humano que a IA não é capaz de reproduzir.
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