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Black Adam e o abismo entre a crítica e o público

Black Adam on Rotten Tomatoes

Até o momento, o filme Adão Negro está com uma curiosa classificação no Rotten Tomatoes: 39% de aprovação da crítica e 90% de aprovação do público. Este é, portanto, um bom exemplo do abismo que pode existir entre os verdadeiros consumidores do cinema (o público, o povão, as pessoas comuns) e o chamados críticos cinéfilos.

Cinema é arte, é a Sétima Arte, mas também é entretenimento. Existe espaço nesta arte para todo tipo de intenções, para mensagens ideológicas, políticas, religiosas, para filmes cabeça, profundos, complexos, mas também para o raso e superficial, para algo feito visando pura e simplesmente a diversão e oferecer um bom momento àquelas pessoas que foram para a sala de cinema esperando por isto.

É ótimo que existam filmes cabeça, mas eles só conseguem existir porque há uma robusta indústria que é fundamentalmente bancada pelos filmes de puro entretenimento. O cinema casual é o alicerce financeiro desta arte. Graças a ele podem existir diretores, atores, roteiristas, artistas digitais e todo um mundo de profissionais que têm seu ganha-pão neste negócio.

Já os filmes mais seletivos, mais cult, e que são os que costumam agradar à crítica especializada, eu compararia a um belo vaso grego decorando a casa.

No movimento artístico do parnasianismo, no século XIX, havia esta ênfase em produzir uma arte pela arte, sem se importar em ser popular, em agradar as massas. O importante era a profundidade da forma ou do conteúdo. Daí o poema O Vaso Grego, de Alberto de Oliveira¹.

Este poema chegou a ser alvo de chacota dos poetas modernistas, devido a seu alheamento do mundo real. O poeta fixou os olhos em um antigo vaso grego e se pôs a descrevê-lo. Do ponto de vista artístico, porém, este soneto pode ser considerado uma pérola, devido ao capricho no uso das palavras (na verdade, nem é o melhor exemplar parnasiano, pois tem muitas rimas pobres de verbos com verbos).

A questão é que o chamado cinema-arte pode muitas vezes se assemelhar ao Vaso Grego dos parnasianos, por prezar muito pela forma e ignorar um simples fato sobre o grande público: eles querem se divertir. Os cinéfilos querem admirar o vaso e o capricho da obra e não se importam com a diversão.

The Rock on Twitter

O próprio Dwayne Johnson, o The Rock, que encarnou o protagonista, resumiu esta questão: "a única coisa que importa para mim é mandar as pessoas para casa felizes". É sobre isto. O grande negócio do cinema é o entretenimento pelo escapismo, gostem os críticos ou não.

The Rock tem uma longa experiência com entretenimento de massas. Começou como jogador de futebol americano, fez sucesso como lutador de wrestling no WWF. O WWF é um big deal nos EUA, é um show de luta pro povão, é audiência garantida. The Rock sempre soube o que fazer para entreter o público.

A iniciação dele no cinema foi mal sucedida, uma vez que ele começou como o Escorpião Rei, no filme O Retorno da Múmia (2011) e depois em O Escorpião Rei (2002) e teve seu papel prejudicado pelo tosco CGI do personagem.

No filme Doom: A Porta do Inferno (2005), adaptação do clássico video game, ele ganhou a Framboesa de Ouro como pior ator. Mas ele, como bom lutador, não desistiu e seguiu ano após ano fazendo uns filmes baratos e marcando sua presença no gênero de ação brucutu.

O fato é que o cara tem um carisma, além de presença naturalmente marcante devido a seu tamanho gigantesco e a forma física trabalhada em uma vida de disciplinada rotina de treinos. Antes de ser um ídolo dos cinemas, é um ídolo da galera da maromba, um exemplo.

Como pessoa pública, ele se mostra sempre humilde e atencioso com qualquer um que o aborde, ele não é "fresco", não evita o público, ao contrário, faz questão de interagir e ouvir feedbacks. Ele não é um ator feito para ganhar Oscar e as pessoas sabem que não devem esperar dele um primor de atuação, mas também não é necessário, pois ele está na tela para momentos de descontração.

Ele entrou na franquia Velozes e Furiosos² a partir do quinto filme, reaparecendo no sexto, sétimo, oitavo e até em um spin-off, Hobbs & Shaw (2019). Outra franquia em que se estabeleceu foi o remake de Jumanji, que teve dois filmes em 2017 e 2019 e um terceiro está em produção. Também enveredou pela comédia, como Baywatch (2017)³.

Ele entrou no universo da DC a partir do filme do Shazam! (2019)⁴, como produtor executivo, e também está produzindo a continuação Shazam! Fury of the Gods. Aproveitando o embalo, abraçou o projeto do filme do Adão Negro, tanto como produtor, quanto como ator principal. Foi uma escolha muito acertada.

Agora Adão Negro, pela resposta do público, parece ser o filme mais The Rock que o The Rock já fez, ou seja, um cinema de puro entretenimento, voltado para divertir as pessoas sem se importar com a crítica dos cinéfilos. 

Ele caiu muito bem no personagem e Adão Negro promete ser para o The Rock o que Iron Man foi para o Downey Jr., um personagem de blockbuster que rendeu uma década de filmes e a construção de todo um universo compartilhado.

Esperava-se que o filme do Flash fosse o recomeço do DCU, mas pelo visto este recomeço está sendo o Black Adam. Um "therockverso" está a caminho e, como ele costuma dizer: "A hierarquia de poder no DCEU está prestes a mudar". A promessa é simples: uma safra de filmes visando entreter o público e não agradar os críticos.

Notas:

1: O Vaso Grego

Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvaziada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.




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