A aquisição do Twitter pelo Elon Musk foi uma novela. Já foi mais fácil para bilionários comprarem empresas de tecnologia. O Mark Zuckerberg comprou o Instagram em abril de 2012 por 1 bilhão de dólares, sem muita burocracia ou resistência. Exatamente dez anos depois, em abril de 2022, o Elon Musk comprou o Twitter por 44 bilhões, depois de muito insistir¹.
Na primeira proposta, foi o board do Twitter que resistiu, se negando a operar a venda, sem sequer consultar o interesse dos acionistas que ganhariam uma nota com isto. Uns diriam que a intenção do board era dar uma valorizada no produto, forçando o comprador a aumentar a oferta; para outros, havia uma motivação ideológica, pois a turma reinante na empresa discordava de posicionamentos políticos do Elon Musk, inclusive sua ênfase na liberdade de expressão².
O capítulo curioso foi que, mesmo depois que o board cedeu, foi a vez do Elon Musk "botar boneco", como se diz aqui no Ceará. Ele queria se certificar da quantidade de contas fake, contas de bots que existiam na rede social sem representar usuários reais. O objetivo era pechinchar, pois se há muitos usuários que na verdade são bots, então o site vale menos do que parece. Insatisfeito com isto, ele desistiu da compra.
Aí temos outro plot twist. Foi a vez do board processar o Elon Musk para que continuasse a compra ou pagasse uma multa bilionária. Talvez tenha sido uma jogada de poker e eles no fundo não queriam mesmo vender, mas só passar a mão na multa. O resumo da ópera é que agora, no finalzinho de outubro de 2022, Elon Musk concretizou a compra.
E dessa vez ele estava falando sério. Mal formalizou a compra, ele já postou no Twitter um vídeo mostrando ele dentro da empresa levando uma pia. Algum tipo de gesto simbólico talvez, ou talvez apenas resolveu ajudar na organização de um escritório ali para a sua equipe se instalar.
Ele fez mais, demitiu ninguém menos que o CEO Parag Agrawal, o cara que substituiu o fundador Jack Dorsey. Também demitiu o diretor financeiro Ned Segal e o chefe jurídico Vijaya Gadde. Outros figurões estão na fila para ouvir um "you are fired". Mas não tenha pena deles. O Parag, por exemplo, saiu levando uma indenização de 100 milhões pra casa.
E as reformas imediatas não param por aí. Os engenheiros de software da Tesla, turma de confiança do Elon Musk, já estão se debruçando sobre o código-fonte do Twitter, que foi bloqueado para alterações, impedindo assim que qualquer funcionário ou ex-funcionário faça alguma estripulia com o código.
Há meses Musk já havia declarado que pretende deixar o código do Twitter open source, o que significa mais transparência, acabando com a obscura forma como o algoritmo vem personalizando os feeds e silenciando pessoas. Enfim, é como voltar ao bom e velho Twitter de dez anos atrás, quando os algoritmos não eram tão paranoicos.
A longo prazo, outra ideia que Musk trouxe à tona é de criar um tal site/aplicativo chamado X. Elon Musk tem uma longa e até sentimental história com o domínio x.com, que remonta aos primórdios de sua carreira em 1999. Hoje ele nutre a ambição de usar este domínio para criar uma espécie de site agregador, reunindo diversos serviços, inclusive a rede social do Twitter.
Pelo visto, a aquisição do Twitter foi apenas o começo.
Notas:
2: Esta questão da liberdade de expressão é como a do copo meio cheio ou meio vazio. Alguns argumentam que promover a liberdade de expressão abrirá espaço para discursos de ódio, para que pessoas sejam mean nas redes sociais, para xingamentos, provocações e crimes.
Para quem defende a liberdade de expressão, a ênfase está no fato de se reconhecer o direito fundamental de todas as pessoas a se comunicarem e falarem suas opiniões, direito este que, se cerceado, será vítima do abuso da censura, um abuso que pode ser feito até por uma máquina, um algoritmo programado para banir pessoas ou silenciar conversas com base em certas palavras, mesmo sem entender o contexto da conversa.
O que fazer então? Bom, creio que devemos levar em conta a presunção de inocência, um princípio importantíssimo, fundamental do direito. Sem a presunção de inocência, as pessoas vivem num estado de constante suspeita, algo desumanizante. Note-se, por exemplo, a situação de pessoas pobres e negras em determinados locais. Todos sabemos que acontecem estas situações de preconceito em que uma pessoa é vista como suspeita pelo simples fato de ser negra ou aparentar ser pobre. Isto é a violação da presunção de inocência.
É isto que queremos na internet? Que todas as pessoas vivam neste estado de suspeita? O discurso contra a liberdade de expressão pode levar a este extremo e pode normalizar um mundo com tons de Big Brother, de vigilância exacerbada. Acho que a vigilância é importante na sociedade, afinal existem pessoas mal intencionadas. Mas tudo é uma questão de proporção. A vigilância exacerbada vira estado de sítio e tirania.
Anyway, a questão é que o Elon Musk tem tocado nesta tecla de que as redes sociais estão passando dos limites da vigilância saudável. O Twitter de fato bane ou dá um shadow ban nas pessoas com muita facilidade, por motivos banais ou equivocados, e isto atrapalha o debate público. Como ele diz: "o Twitter é a praça pública da sociedade", é onde ideias são expostas, discutidas. Deve haver liberdade para isto, dentro da legalidade. É muito óbvio que ele não defende uma liberdade para que as pessoas cometam crimes.
Mas a turma que resolveu virar hater do Elon Musk simplesmente não vai se dar ao esforço de olhar o copo meio cheio ao interpretar as declarações dele. Daí esta reação furiosa à sua aquisição do Twitter. Teve gente que realmente surtou com isto. Surtou à toa, convenhamos.
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