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O terror da super empatia em Last Night in Soho

Last Night in Soho (2021)

Empatia é basicamente a capacidade de se colocar no lugar dos outros, e é sobre isso que trata o filme Last Night in Soho (2021), porém de uma maneira macabra.

Para analisar este filme, será preciso entrar em grandes spoilers, mas acho que é justo neste caso, porque a trama já arruína a si mesma no fato de ter muitos plot twists. Plot twist é aquela coisa: um já tá bom demais, dois também pode ser legal, mas acima de três já é demais e avacalha a história, porque cada novo twist diminui a importância e o impacto do anterior.

O filme começa de uma forma curiosa, mostrando a jovem Eloise (Thomasin McKenzie) em seu quarto ouvindo músicas antigas em um toca discos. Toda a ambientação dá a entender que ela vive nos anos 60 e que veremos um filme de época, até que a garota viaja para Londres e a vemos comprar uma latinha de Coca-Cola, uma latinha com seu design moderno e não aquele de décadas atrás. Estamos nos tempos atuais, a protagonista é que é deslocada no tempo, uma amante da estética dos anos 60.

Também notamos outra peculiaridade em Eloise. Ela em certo momento conversa com a falecida mãe. Será ela uma médium? Ou é apenas uma alucinação? Quando ela se muda para Londres a coisa fica ainda mais estranha, pois ela sai para uma noitada e a vemos se transformar em outra garota, uma loira que se apresenta como Sandy (interpretada pela Anya Taylor-Joy) e que tem um forte carisma, além da beleza e talento para performance musical.

Anya Taylor-Joy; Last Night in Soho (2021)

Ao longo da história vemos Eloise e Sandy se alternando, o que dá a entender que ela tem algum tipo de dupla personalidade ou talvez Sandy seja a sua sombra jungiana, pois esta outra persona é muito inconsequente e, em sua ambição por virar uma celebridade, acaba se envolvendo com um cafetão e trabalhando para ele, sabotando a si mesma, destruindo a inocência de Eloise, entrando numa espiral de decadência.

Até que em certo ponto Sandy morre. Mas como assim? Quer dizer então que Sandy não era outra personalidade de Eloise? Ou era de fato e a morte foi apenas simbólica? Aí a história muda de uma garota supostamente com dupla personalidade para alguém com sexto sentido que vê gente morta o tempo todo. Quer dizer então que Sandy era outra pessoa, uma garota que existiu nos anos 60 e cujas memórias Eloise resgatou de alguma forma empática. 

Ingênua, Eloise até procura a polícia para reportar o assassinato de Sandy que teria ocorrido nos anos 60 e que ela tem conhecimento por visões. Obviamente ninguém acreditou nela e ela foi tentar desvendar a coisa toda por conta própria. Aí tem outro plot twist, pois Eloise descobre da pior forma que Sandy na verdade não morreu, mas ainda existe como a senhorinha que alugou um quarto para Eloise. 

Esta senhora revela que após toda a decepção e os abusos na vida de prostituição, matou o cafetão e passou a matar os clientes e esconder seus corpos na casa. Como a casa não ficava fedendo a ponto de chamar atenção dos vizinhos? Eu não sei e o filme nunca explica.

Só então tudo fica claro. Eloise é uma empata. Ou melhor, uma super empata. Ela tem uma capacidade sobrenatural de se colocar no lugar dos outros. Quando ela se mudou para o quarto da senhorinha, seu poder empático a fez ter acesso às memórias dela em tal intensidade que até parecia que ela própria, Eloise, estava vivendo aquilo que Sandy viveu.

Esta empatia transcende o mundo dos vivos, pois ela também tem visões dos mortos, ela vê todos os clientes assassinados por Sandy e a princípio acha que eles a querem fazer mal, mas na verdade são almas penadas desesperadamente buscando ajuda, já que são mortos que foram dados como desaparecidos, esquecidos pelo mundo.

Matt Smith, Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy; Last Night in Soho (2021)

A forma como Eloise vê a realidade, misturando o mundo real com memórias e elementos simbólicos, ficou bem apresentada no filme. Ela vive neste limbo entre fantasia e realidade, ou melhor, entre o mundo físico e o mundo psíquico. O uso de espelhos para representar este limiar entre os dois mundos é bem apropriado, uma figura que já é consagrada desde o conto de Alice.

Este é o problema da empatia: o empata sofre como se estivesse no lugar dos outros. Uma super empata como Eloise, então, sofreu ao ponto da loucura e desespero. Não fosse este seu sexto sentido, ela teria sido apenas uma garota comum e sonhadora, estudando moda e sem se meter em problemas. A empatia a envolveu em uma espiral de terror, em problemas que ela não causou, absorvendo um karma que não era dela.

Ó, empatas, pobres empatas! Aprendam a dizer não às vezes. Não aceitem em suas costas os fardos alheios.

Thomasin McKenzie, Compadre Washington

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