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John Wick, Top Gun e Super Mario: o segredo do sucesso é ser simples

Anya Taylor-Joy; The Menu (2022)

No filme The Menu (2022)¹, a personagem da Anya Taylor-Joy pede um cheeseburger ao chef gourmet, mas ela quer algo trivial, não uma obra de arte, "not some fancy, deconstructed avant bullshit". Esta cena ilustra bem a diferença entre os chamados filmes de arte e filmes de entretenimento.

Ok fazer certos filmes para críticos especializados, como um prato gourmet que o especialista degusta e identifica traços de canela do sudoeste da Índia. Acontece que este tipo de produção sempre será mais indie e limitado e a indústria em geral não pode sobreviver disso. O que alimenta a grande máquina são os cheeseburgers tradicionais, feitos para o grande público.

A sobrevivência da indústria do cinema como um todo depende dos filmes de entretenimento. Logo, seria um grande tiro no pé tentar sabotar este negócio desconstruindo o entretenimento, incluindo elementos que o público não tem interesse. 

Um caso curioso tem sido a Marvel. Desde o primeiro Homem de Ferro (2008) até Vingadores Ultimato (2019), a Marvel viveu uma década inteira de grandes sucessos, simplesmente seguindo a fórmula do entretenimento, oferecendo ao público ação, efeitos especiais, personagens carismáticos, algumas piadinhas bem encaixadas. 

Aí a partir da fase quatro começaram a querer reinventar o gênero. Em Thor Love and Thunder, o Taika Waititi quis ser ousado e debochado, desconstruindo o Thor e a virilidade que ele possuía desde sua primeira aparição no MCU, resultando em um filme desastrado. 

Em Doctor Strange in the Multiverse of Madness, o Sam Raimi também debochou do gênero, dando um fim patético a personagens consagrados dos quadrinhos. A cena em que o Senhor Fantástico apresenta o Black Bolt como sua carta na manga é ridícula e virou alvo de memes pela internet. O tal homem mais inteligente do universo ingenuamente entregou sua estratégia de mão beijada para a Wanda.

Desnecessário é falar da série da She-Hulk que abertamente tira sarro dos fãs de quadrinhos. É como se estes filmes e séries recentes fossem feitos por gente que de fato não curte quadrinhos, não entende os fãs. Eles só querem fazer o seu cheeseburger gourmet desconstruído sem se importar com a opinião do público. E quando a bilheteria não alcança um bom resultado, culpam os fãs por não terem entendido a proposta.

Obviamente existem casos de sucesso na reinvenção do gênero. O Christopher Nolan deu uma abordagem bem peculiar, bem autoral ao Batman, o mesmo aconteceu com o Batman noir do Matt Reeves, o Logan do James Mangold e mais ainda com o Joker do Todd Phillips, mas aí são pontos fora da curva, feitos por criadores brilhantes. Tentar reinventar um gênero é algo que poucos sabem fazer com maestria, de modo que não é qualquer um que deve se aventurar nessa empreitada.

Por outro lado, estão surgindo os casos de retorno à fonte, de retorno ao bom e velho cheeseburger de beira de estrada, feito para matar a fome e agradar o paladar do consumidor médio. Temos aí três grandes exemplos: Top Gun 2, John Wick 4 e mais recentemente Super Mario Bros que está explodindo em bilheteria e seguindo rumo ao bilhão.

O que estes três têm em comum é o fato de entenderem o gênero a que pertencem, de modo que entregam exatamente aquilo que o público gosta. Dos três, a franquia John Wick é a que mais envereda pelo experimentalismo, tentando dar uma nova roupa ao gênero (literalmente criando um herói de ação que luta de terno), só que faz isto da maneira correta, sem deboche, sem destruir os elementos de um filme de ação com armas, ao contrário, enfatiza estes elementos.

A franquia John Wick é uma lição de como produzir filmes de forma sustentável. O primeiro filme teve um modestíssimo orçamento de 30 milhões, arrecadando quase o triplo, com 86 milhões de bilheteria. Pegaram então metade dessa fortuna, 40 milhões, para fazer o segundo filme que arrecadou 174 milhões, quase o quádruplo do que foi gasto. O terceiro filme custou 73 milhões e arrecadou 327. O quarto filme custou 100 milhões e até o momento arrecadou 314.

É assim que a roda gira. John Wick não só manteve uma relação sustentável entre custo e receita, como foi evoluindo a cada filme, e isso sem jamais cair na tentação de debochar de seu público com desnecessárias desconstruções do gênero.

Tudo bem um restaurante servir alguns pratos gourmet, uma sobremesa mais sofisticada para pessoas com um paladar peculiar, mas o que vai manter o restaurante em pé (inclusive garantindo a própria sobrevivência do serviço gourmet) é o lanche do dia a dia, o cheeseburger tradicional. A indústria do cinema e os críticos jamais devem esquecer isso.

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