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Dedos de salsicha e frames rápidos em Everything Everywhere All at Once

Everything Everywhere All at Once (2022)

Everything Everywhere All at Once (2022)

O multiverso é um conceito presente na ficção já há muitas décadas. Talvez nenhuma mídia tenha explorado o assunto mais do que os quadrinhos, especialmente da Marvel e DC, onde o multiverso é responsável pela existência de diversos personagens e mundos.

Lá em 2011, no filme The One, o Jet Li encontrava versões alternativas dele mesmo em universos paralelos. Podemos voltar mais ainda no tempo e chegar na série clássica de Star Trek dos anos 60, onde havia um universo paralelo (chamado "mirror universe") com versões malignas dos protagonistas. Mais recentemente, o conceito se tornou mais popular graças aos filmes e séries do MCU, mas não podemos esquecer da série animada Rick and Morty, que explorou o assunto de uma maneira fantástica.

Desta forma, o filme Everything Everywhere All at Once (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), lançado em 2022, não veio com nenhuma novidade. Boa parte do público, senão a maioria, já deve estar familiarizada com a ideia de personagens existindo em diversas versões ao longo de infinitos universos.

O que impressiona mesmo no filme não é esta teoria científica. De fato, muito antes do surgimento da ciência moderna, a ficção já imaginava outras dimensões, outras realidades; também as religiões há milênios concebem a existência de outros reinos, como Céu, Inferno, Hades, o Pleroma, etc. É uma ideia que estamos acostumados a aceitar. A maneira como tal ideia é explorada é que pode resultar numa experiência de fantasia e encanto. No caso de Tudo em Todo Lugar... esta experiência é oferecida pela edição de imagem.

A história em si, a trama envolvendo uma família comum que se envolve em uma crise cósmica e também familiar, não é lá grande coisa. Bom, é grande por envolver uma crise do multiverso, mas a narrativa não consegue transmitir esta sensação de grandeza, já que no fim das contas tudo se resume aos problemas particulares daquela família. Os conflitos triviais entre marido e mulher, pais e filhos, são vestidos com esta capa fantástica dos "superpoderes", ganhando uma grandeza com intenção de ser épica. 

Everything Everywhere All at Once (2022)

O superpoder dos protagonistas lembra aquele da série Sense8¹, quando uma pessoa pode acessar as habilidades de outras por meio de uma conexão transcendente. No caso deste filme, a conexão se dá apenas entre uma pessoa e sua versões alternativas nos diversos universos. Por exemplo, a heroína Evelyn pode adquirir as habilidades de dança, culinária, arte marcial e outras tantas das outras Evelyns espalhadas pelo multiverso.

A troca de corpos é o que impressiona no filme justamente por causa da caprichadíssima edição de imagem. Muita coisa acontece a cada frame. Os atores estão constantemente mudando de aparência, de roupa, maquiagem, personagem. Em segundos vemos diferentes versões dos personagens, incluindo figurantes, e cada ação reverberando entre suas versões alternativas. 

Everything Everywhere All at Once (2022)

Realmente foi um trabalhão para a equipe de figurino, cenário e toda a edição e montagem das cenas. Merecidamente ganhou o Oscar de melhor montagem. Também ganhou o Oscar de melhor filme de 2022, o que tenho minhas dúvidas. Melhor montagem? Com certeza. Melhor filme do ano? Acho que não. 

Apesar da temática sci-fi e de uma história dramática de família, o filme como um todo é cômico e brinca com as múltiplas possibilidades do multiverso. Por exemplo, existe um universo onde os protagonistas são pedras e outro onde a evolução levou os humanos a desenvolverem bizarros dedos de salsicha.

Everything Everywhere All at Once (2022)

Everything Everywhere All at Once (2022)

O que é o cinema? É, entre outras coisas, uma experiência emocional, algo que herdou do teatro. Um bom filme leva você a experimentar sentimentos, a ficar imerso no mundo e na história dos personagens, seja por causa da ação, do terror, do drama, da comédia, do romance, etc.

O aparato técnico é importante para que um filme alcance esse objetivo. Por exemplo, se trata-se de sci-fi, os efeitos especiais contam muito. Em um romance, a trilha sonora será muito importante para criar o clima. No fim das contas, porém, os elementos fundamentais de um filme são o que importa: o roteiro e a atuação, ambos mediados pela direção e demais profissionais técnicos.

Com base nisso, eu diria que The Whale (2022) é que merecia ser o filme do ano, pois oferece uma experiência humana intensa, um drama convincente, imersivo. Nas redes sociais há muitos comentários de pessoas que assistiram, de cinéfilos e críticos ao público comum, e a impressão geral é que o filme mexe com as emoções, causa impacto. É algo que você termina de assistir e continua pensando a respeito. Como algo assim não foi reconhecido como o filme do ano?

Talvez aí entre um aspecto político do Oscar. A Academia tentou buscar um meio termo entre cinema cult e popular, pois Everything Everywhere... tem isso, essa mistura de uma temática mais cabeça, a complexidade do multiverso, com uma maneira de se comunicar mais voltada ao público jovem, à geração TikTok que gosta de frames rápidos, de nonsense e coisas absurdas acontecendo, como os dedos de salsicha.

Além disso, The Whale tornou-se alvo do tribunal do cancelamento, pelo simples fato de abordar os dramas de uma pessoa com obesidade mórbida, então isto pode ter pesado (ops) na decisão da Academia. De toda forma, a Academia não pôde fechar os olhos para a grande atuação do Brendan Fraser, de modo que pelo menos ele ganhou o Oscar como melhor ator.

Notas:


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