Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Apocalipse

Um poema 
apocalíptico.
Cada estrofe
catastrófica.

(31,10,2022)

A obsessão pela igualdade

Em 2015, o radialista Joe Gelonesi¹ escreveu um artigo expressando uma interpretação perturbadora da realidade das famílias na sociedade. Ele cita a proposta de Platão, de uma sociedade em que as crianças são criadas pelo estado, e também os filósofos contemporâneos Adam Swift e Harry Brighouse.

Ele diz que os pais que são atenciosos com seus filhos, por exemplo, tendo um momento com eles para ler uma história de ninar, deveriam ocasionalmente pensar em como, com este hábito, estão dando a estas crianças uma vantagem em relação àquelas que não têm uma família saudável. O que ele pretende com isto? Implantar um sentimento de culpa? Os pais amorosos devem pedir desculpas à sociedade porque estão preparando seus filhos melhor que os pais abusivos?

"I don’t think parents reading their children bedtime stories should constantly have in their minds the way that they are unfairly disadvantaging other people’s children, but I think they should have that thought occasionally."

Argumenta que as condições econômicas influenciam na desigualdade de oportunidades, pois uma família com mais recursos pode pagar escolas mais caras e aulas de reforço, o que faz sentido, mas também inclui outro elemento: crianças com uma família funcional, que recebem carinho, que têm um bom convívio no lar, se tornarão adultos mais preparados para a vida em sociedade do que aquelas que foram privadas disto. Não há como negar esta constatação.

A bizarrice começa quando o artigo propõe uma solução para o problema da desigualdade. Segundo Swift, uma proposta é abolir a família. Isso mesmo. Já que há tanta diferença nos ambientes familiares, uns saudáveis, outros abusivos, então uma maneira de planificar as condições das pessoas é remover este fator da equação. Que gênio! 

"One way philosophers might think about solving the social justice problem would be by simply abolishing the family. If the family is this source of unfairness in society then it looks plausible to think that if we abolished the family there would be a more level playing field."

Ele chega a argumentar com um tom de petulância e sugerindo a intervenção estatal nos mínimos detalhes da vida familiar. Basicamente diz que o estado não deveria "permitir" que as famílias fossem muito atenciosas e carinhosas, pois isto criaria filhos com vantagem em relação a outras pessoas que não tiveram a mesma sorte.

"What we realised we needed was a way of thinking about what it was we wanted to allow parents to do for their children, and what it was that we didn’t need to allow parents to do for their children, if allowing those activities would create unfairnesses for other people’s children".

Swift constata que ter um ambiente familiar saudável é mais decisivo para o futuro da criança do que estudar em uma escola particular. No shit, Sherlock.

"The evidence shows that the difference between those who get bedtime stories and those who don’t—the difference in their life chances—is bigger than the difference between those who get elite private schooling and those that don’t,’."

Eu sei por experiência própria o que é ter crescido em uma família disfuncional e abusiva, conheço muito bem os danos que este tipo de infância causam, o peso que põe sobre nossas costas, tornando tudo mais difícil na vida. Olhando para meu passado, posso identificar decisões erradas que tomei ou obstáculos que enfrentei com dificuldade e que eu teria lidado de uma forma bem diferente se tivesse recebido uma nutrição afetiva mais saudável. Todos aqueles que viveram em um lar problemático entendem este sentimento.

No entanto, não tenho este sentimento de inveja para com aqueles que desfrutaram da bênção de uma família funcional. Esta inveja impregna a mentalidade daqueles que querem planificar a sociedade e, se possível, até a natureza, a fim de igualar todos e igualar por baixo. É uma obsessão por uniformidades, eliminando da equação humana toda a diversidade de condições, experiências e características. Querem transformar a humanidade em uma linha de produção, produzindo humanos todos iguais, feitos na mesma forma.

A natureza abomina a simplicidade. Ela se ramifica sempre em busca do complexo, da riqueza e variedade e para isto submete todas as criaturas a diferentes condições, cada qual com suas vantagens e desvantagens. Como seres conscientes, nós temos a capacidade de questionar e intervir na natureza, mas até certo ponto. O desejo de igualdade é como o desejo de liberdade, ambos têm limites, pois a versão absoluta disto e daquilo seria a pura aniquilação.

Imagine se algum destes utópicos extremistas ganhasse o poder divino para moldar o universo. Ele reduziria toda a natureza, todos os seres, planetas e seres vivos a um grande mar feito puramente de hidrogênio, todos iguais na sua simplicidade, todos feitos de apenas 1 próton e 1 nêutron.

Notas:

[Rascunho] Ideias sobre as funções dos players num jogo cooperativo

Já é bem sabido no mundo dos games que, em jogos cooperativos baseados em classes, o suporte é sempre a classe menos escolhida. Só que o problema não para por aí. Também acontece de players escolherem determinada classe, mas por desconhecimento ou teimosia acabam não realizando a função daquela classe. 

Quando o Overwatch tinha espaço para dois tanks, era comum que um deles trabalhasse como off-tank, ou seja, praticamente um flanco ou dps, ajudando a matar os inimigos na linha de frente ou protegendo o suporte atrás. Agora que Overwatch 2 só tem espaço pra um tank, o preferível é que este player de fato exerça o papel de tank, só que vez ou outra algum espertinho quer brincar de off-tank, deixando o mid totalmente desprotegido e o time decepcionado.

Como então convencer o player a se ater à sua tarefa? Obviamente deve haver estímulos e recompensas mais voltados a isto, a orientar o player a cumprir a função de sua classe. 

Por exemplo, um tank pode ter uma área delimitada em volta do objetivo do jogo, seja o local do mid ou o carro que o time deve carregar. Se ele se afastar demais desta área, pode começar a levar dano do ambiente, dano que aumenta quanto mais longe ele fica do mid, até o ponto de ser mortal. Por outro lado, quanto mais perto do mid, mais ele recebe uma porção de cura passiva.

Esta combinação de estímulo e punição inevitavelmente vai convencer o player a ficar no lugar certo para um tank. 

Jogadores de suporte podem por sua vez receber uma cura passiva sempre que estão curando alguém. Também podem ter outros bônus, como aumento da defesa e velocidade, facilitando sua fuga quando perseguidos por flancos. Eles verão que jogar como suporte se torna bem mais fácil se de fato se dedicarem a curar os outros, pois quando não curam ficam mais fracos, lentos e vulneráveis.

Jogadores de flanco podem têm um bônus de dano contra suportes, assim eles aprendem de vez que sua tarefa é ir atrás do suporte e não ficar gastando dano com o tank. Também podem receber mais dano de tanks, o que fará com que evitem se aproximar de um. 

Jogadores de dano podem causar mais dano nos tanks e ter o benefício do life steal, se curando um pouco à medida em que causam dano.

Acho que todas as classes devem ter algum tipo de cura passiva que funciona de acordo com o cumprimento da função de cada classe. Isso diminui a cobrança sobre os suportes, mas a cura passiva obviamente não deve se comparar à do suporte, senão esta classe se torna dispensável.

Enfim, eis algumas maneiras de incentivar as classes. Por outro lado, também é interessante a ideia de jogos competitivos sem classes específicas, onde os players podem fazer um pouco de tudo ou montar builds mistas conforte o gosto. Neste caso, as classes acabam acontecendo espontaneamente de acordo com o interesse de cada player, o que torna as partidas bem imprevisíveis e únicas.

Um exemplo prático disso é um modo experimental de partida no Paladins em que a escolha de classes e personagens é totalmente livre. É possível pegar personagens repetidos e mesmo montar um time inteiro com o mesmo personagem. Cada partida deste modo é bem peculiar, dada sua composição complexa. Imagine um time só de suportes contra um time só de tanks, etc.

A normalização do útero artificial

Artificial womb

É bizarro pensar que já presenciamos o desenvolvimento de algo tão futurista quanto o útero artificial¹. Já não há obstáculos tecnológicos para a concretização deste conceito. Por outro lado, a normalização da tecnologia enfrentará obstáculos ao longo das próximas décadas.

É de se esperar que a princípio haja uma resistência cultural de boa parte da população, seja pela simples estranheza com algo tão disruptivo, seja por motivos morais e religiosos. Pessoas vão alegar que isso é brincar de Deus, é antinatural, uma afronta à criação, até mesmo algo satânico, por roubar da mulher o seu dom sagrado da gestação.

Por quanto tempo haverá esta resistência, é difícil prever. Todavia, o que a história mostra é que mesmo os grupos religiosos mais dogmáticos acabam se rendendo às novas tecnologias e aceitando a sua normalização. Há exceções, como no caso das Testemunhas de Jeová que jamais cederam à tecnologia de transfusão de sangue. Assim sempre haverá grupos mais fechados que vão rejeitar algo tão estranho como o útero artificial.

De toda forma, no geral a teologia irá se adaptar a esse novo conceito. É dito que "teologia é escrita a lápis", justamente porque com o progresso humano certas visões de mundo têm de mudar e a teologia não pode ficar pra trás. 

Haverá, por outro lado, também uma resistência psicológica por parte da sociedade. Não por motivos religiosos ou ideológicos, mas sentimentais, afetivos, até mesmo psicossomáticos. Isto deverá sem mais frequente nas mulheres.

Ora, desde sempre os homens estão habituados a viver sem a experiência física da gestação. Podem ter a experiência psicológica de saber que sua prole está sendo gerada; há até culturas indígenas onde os homens ficam de resguardo após o parto da gestante.

O fato é que nenhum homem sabe realmente como é estar grávido pelo óbvio motivo de que ele não possui a estrutura fisiológica que permita esta experiência. Logo, para os homens em geral, ser privado da gestação não é um incômodo. Já nasceram com esta limitação e vivem acostumados a ela.

A mulher, por outro lado, cresce se dando conta de que ela tem este poder, este dom, esta possibilidade de abrigar um bebê no ventre. O simples fato de saber disto influencia a visão de mundo feminina de um modo diferente da masculina. A mulher tem sua vida sexual marcada pela preocupação ou expectativa com a gravidez de uma forma bem mais intensa que o homem, afinal é ela quem vai levar o bebê dentro de si por vários meses.

Para algumas mulheres esta possibilidade é assustadora, mas para outras é uma experiência desejável e única. Muitas mulheres sonham em engravidar e, a despeito dos fardos desta condição, sentem-se satisfeitas e realizadas com a experiência da gestação.

Sendo assim, para os homens em geral será bem mais fácil aceitar a tecnologia do útero artificial, já que a gravidez nunca foi algo que eles esperassem vivenciar. Já entre as mulheres, haverá aquelas que querem usufruir da gravidez como um direito natural e não irão ceder este privilégio a uma máquina.

Por outro lado, existem mulheres que têm pavor da gestação, seja pelos riscos envolvidos, seja pela alteração do corpo, da rotina, até mesmo da aparência. Estas sentir-se-ão aliviadas em poder delegar a tarefa da gravidez a um útero artificial.

A princípio é certo que a maior parte das pessoas que irão recorrer ao útero artificial serão aquelas incapazes de optar pelos meios naturais, casais inférteis ou com qualquer limitação fisiológica. Nestes casos, a máquina será a solução de um problema.

Notas:

É proibido fumar

Proibido fumar

Sou contra proibições arbitrárias. A vida em sociedade não é uma ciência exata e não basta simplesmente criar uma pilha de leis para cada situação do cotidiano. É preciso ter bom senso e tato para entender as relações humanas e o real impacto de uma lei na psique coletiva. 

Um exemplo de lei arbitrária, para não dizer estúpida, é a proibição de saleiros nas mesas de restaurante. Pois é, tem algumas cidades onde existe esta lei que ultrapassa o bom senso. Alegando proteger a saúde do cidadão, os legisladores apenas inventam mais um mecanismo para a indústria de multas. 

Ora, a simples presença do saleiro não vai forçar o cliente a se entupir de sal. Se o cliente for do tipo que gosta de muito sal, ele vai consumir muito sal em casa, em qualquer lugar. Na ausência do saleiro, ele vai pedir os pacotinhos de sal e se entupir de todo jeito. 

Além disso, não existe por parte do restaurante algum objetivo de induzir o cliente a consumir mais. O restaurante não ganha nada com isto. A tradição do saleiro nas mesas existe por causa dos próprios clientes. É uma conveniência. As pessoas costumam pedir por ele, então para facilitar a vida de todos é melhor já deixar o saleiro na mesa. 

Por outro lado, há certas proibições que considero justas, mesmo sendo controversas, como é o caso do cigarro.

Eu entendo o sentimento de insatisfação dos fumantes, pois não poder fumar na hora que dá vontade em um espaço público é frustrante. Há pessoas que precisam do cigarro para aliviar a ansiedade (em muitos casos causada pelo próprio vício do cigarro) e a tensão de não poder fumar em um restaurante, uma sala de espera ou ônibus, aumenta o nível stress nestas pessoas.

Entendo isto. Todavia, também enxergo a coisa na ótica das pessoas que se incomodam ou são prejudicadas pelo cigarro alheio e estou incluso na segunda categoria.

Quando era criança, durante o São João eu estava brincando com a famosa chuvinha, aquele canudinho de papel cheio de pólvora. Acabei aspirando aquela fumaça quente e tóxica da pólvora e passei muito mal. Fiquei a noite deitado com muita falta de ar, à beira da morte.

Desde então, meu organismo ficou bastante sensível a fumaça, qualquer uma. Todo ano durante o São João, a fumaça das fogueiras nas ruas se espalhava pelo ar, entrava nas casas e era sempre um sufoco para mim, pois depois daquele acidente da chuvinha parece que meus brônquios ficaram alérgicos e com a fumaça eles se contraíam. 

Em certa ocasião, fui com meus pais até a casa de um tio. Ele e a esposa eram fumantes compulsivos e estavam ali todos conversando à vontade e o casal fumando muito. A casa era pequena e eu percebia que o ar estava todo embaçado com tanta fumaça. Meus pais pareciam não se importar, mas eu estava chegando ao limite do sufocamento e pedi para sair até a calçada.

Moral da história: não se trata apenas de um mero incômodo. Há pessoas que não gostam do cheiro do cigarro, mas também há pessoas com problemas respiratórios, asmáticos, alérgicos, etc. que não podem se expor a fumaça. Sem contar o óbvio fato de que a fumaça do cigarro contém toxinas. 

Sou contra proibir qualquer pessoa de expor o próprio corpo a toxinas. Cada um deve ter a liberdade de expor o corpo aos perigos que quiser: cigarro, bebidas, excesso de sal, de açúcar, drogas, tatuagem, tintura de cabelo, whatever. O corpo é seu. Proibir uma pessoa de tratar mal o próprio corpo é bastante problemático, porque pode estabelecer um princípio de que o corpo é uma propriedade do estado e isto é muuuito perigoso. O corpo é do indivíduo. É, de fato, seu bem mais fundamental: seu corpo, sua vida, sua mente.

Assim como sou livre para fazer o que quiser com meu corpo, este mesmo princípio implica que não tenho o direito de fazer nada prejudicial ao corpo das outras pessoas, pois só elas têm este direito. Eu posso danificar meu corpo se eu quiser, você não.

Esta é uma grande diferença entre álcool e cigarro. Eu ingiro o álcool e ele fica no meu corpo. Já o cigarro é algo que não tem limites espaciais. A fumaça se espalha pelo ar e outras pessoas vão ingerir contra a vontade delas, afinal estamos todos respirando o mesmo ar.

"Os incomodados que se retirem" é um ditado problemático e não é justificativa para alguém fumar perto de outras pessoas que não aprovam isto. 

Sound of Freedom, um filme sério sobre o tráfico humano

Sound of Freedom (2023)

Na época em que Sound of Freedom (2023) foi lançado, os veículos de mídia repetiram em coro o mesmo mote: "o filme mais polêmico do ano". Em uma espécie de efeito manada, era assim que os sites e comentaristas ecoavam a mesma coisa, como se o filme fosse um grande escândalo. O curioso é que muitos destes comentaristas sequer devem ter assistido ao longa e compraram a ideia de que era polêmico por questões externas à obra, por questões políticas.

Uma vez que você de fato assiste Sound of Freedom, acaba percebendo que não tem nada de escandaloso, polêmico ou controverso. É a história de um agente especial, Tim Ballard (Jim Caviezel) que investiga redes de tráfico infantil, prendendo criminosos e resgatando as crianças. Ele acaba viajando até a Colômbia e se infiltrando numa rede barra pesada de tráfico.

O filme baseia-se em um personagem real, Tim Ballard, que é de fato um ex-agente americano e fundador de uma ONG de combate ao tráfico infantil, a Operation Underground Railroad. A história narrada em Sound of Freedom naturalmente não deve ser um relato real em seus mínimos detalhes, mas o fato é que não tem nada de absurdo ou inverossímil na obra.

Tim Ballard
O real Tim Ballard.

Que existem redes de tráfico humano no mundo, todos devem saber, mesmo que a maioria das pessoas não faça ideia das atrocidades que acontecem neste submundo e de como esta é uma indústria gigantesca, movimentando bilhões de dólares em todo o globo ao custo da vida de humanos que são literalmente escravizados e submetidos às condições mais degradantes.

Logo, fazer um filme em que o protagonista luta contra isto não deveria ter nada de polêmico. Ao contrário, é nobre. A maneira como a história é contada em momento algum recorre à apelação, ao choque ou sensacionalismo. É uma narrativa delicada, que evita cenas de sexo explícito, que apenas deixa subentendida a violência.

Onde estava então a polêmica? Estava fora do filme, na repercussão nas redes sociais e na imprensa, pois o tema despertou comentários sobre teorias conspiratórias envolvendo as elites do mundo que exploram crianças até mesmo para extrair um elixir da vida, etc. Bom, não sou eu que vou dar o veredito sobre este assunto, mas o filme em si em momento algum envereda por este caminho.

No fim das contas, ficou parecendo que esta acusação de "polêmico e conspiratório" foi forjada a fim de prejudicar sua publicidade. Inveja de Hollywood ao ver um indie caminhando para o sucesso, talvez? Algum tipo de birra de militantes progressistas por acharem que o filme tem mais apelo para um público conservador? Um mero efeito manada, quando comentaristas passaram a ecoar a mesma ideia sem sequer ter visto o filme?

Talvez até o simples fato do longa ser protagonizado pelo Jim Caviezel tenha sido o estopim para disparar esta onda de hate da mídia. Caviezel é conhecido por ter interpretado ninguém menos que Jesus Cristo, em A Paixão de Cristo, de 2004. Hoje em dia ele não é muito bem quisto em Hollywood ou na imprensa progressista em geral, devido ao fato dele ser cristão militante. Bom notar que o Mel Gibson participou da produção e divulgação do longa e já faz algum tempo que Hollywood implica com ele também.

Mas enfim, deixando de lado toda essa rixa e birra dos veículos de mídia, a verdade é que Sound of Freedom é um filme decente, com um drama sensivelmente narrado. Inclusive vale destacar a atuação da jovem Cristal Aparicio, que interpretou a criança que Tim Ballard buscou ao longo de toda a história. A cena em que ela reencontra o pai é tocante.

Cristal Aparicio, Jim Caviezel; Sound of Freedom (2023)

Palavras-chave:

Barbie é mais profundo do que parece

Margot Robbie, Ryan Gosling; Barbie (2023)

Barbie é inegavelmente um fenômeno cultural. Sua linha de bonecas é produzida pela Mattel desde a década de 60 e por setenta anos tem sido o sonho de consumo de muitas meninas e até mulheres adultas.

Sim, sim, hoje em dia tem se falado bastante em quebrar estereótipos, até mesmo no que diz respeito ao tipo de brinquedo adequado para meninos ou meninas, mas é um fato que a Barbie, bem como outras bonecas do tipo, é majoritariamente uma preferência feminina, afinal a sua temática é feminina, o que se destaca até mesmo na cor predominante da marca que é a rosa.

Anyway, hoje em dia bonecas e bonecos têm se tornado brinquedos cada vez mais raros na vida de crianças que agora se divertem mais com celulares, tablets e consoles de video game. De toda forma, Barbie continua relevante, tanto que virou um filme live action e foi um sucesso de bilheteria.

Barbie já teve muitas animações voltadas para o seu nicho específico, mas o live action de 2023 quebrou a barreira e foi assistido por meninas, meninos, homens, mulheres, famílias inteiras, alcançando uma bilheteria de 1,4 bilhão!

Barbenheimer

Algo curioso no lançamento é que Barbie foi exibido nos cinemas na mesma época que Oppenheimer, do Christopher Nolan. Dois filmes tão distintos. Um com temática lúdica e infantil, o outro totalmente sério e adulto; um com estética colorida, solar, cheia de rosa, o outro sombrio e evocando a morte. Ambos, porém, falam de guerra. Esta rivalidade de ambos os filmes gerou o meme Barbenheimer.

Enquanto Oppenheimer se passa durante a Segunda Guerra Mundial, Barbie narra o conflito, uma verdadeira guerra civil, que estoura no mundo da Barbie, a Barbieland, depois que os Kens que ali vivem tomam consciência de um negócio chamado "patriarcado" e resolvem tomar o poder. 

Enquanto isto, a Barbie protagonista, interpretada pela Margot Robbie, vive uma jornada existencial em que ela tem de lidar com uma série de questões envolvendo sua existência como boneca, mas também como mulher, numa espécie de aventura pinóquiesca, em que ela vai descobrindo sua humanidade e o temor da morte, algo que distingue radicalmente bonecos de humanos.

Greta Gerwig, Noah Baumbach

Com roteiro de Greta Gerwig, feminista assumida, e Noah Baumbach, Barbie acaba sendo mais profundo e dando mais pano para manga em discussões ideológicas e filosóficas do que era de se esperar. Muitos esperavam que o filme trataria de feminismo, mas ele foi além disso. Bom lembrar que Greta e Noah são casados e têm filhos, o que torna um tanto irônico eles contarem uma história sobre guerra dos sexos. Ou não. Talvez justamente a vida de casados dê a ambos o "lugar de fala" sobre isto.

É curioso que um filme ambientado em um universo tão infantil acabou tendo camadas muito sérias e adultas. Devido à estética colorida e que replica com maestria um mundo de brinquedo, Barbie pode agradar crianças, mas a trama em si, os diálogos, está tudo repleto de conteúdo para adultos. 

Há uma sátira exagerada da sociedade, extrapolando suas características patriarcais. A masculinidade é caricaturizada para parecer patética e expor a insegurança masculina que os homens se esforçam para esconder. Até mesmo a Mattel é alfinetada pela "crítica social foda" do filme, por causa de sua fria ambição capitalista. Hollywood, aliás, adora fazer isto, brincar de criticar o capitalismo e os acionistas, mesmo que ela própria seja uma indústria capitalista.

A camada mais profunda é quando chegamos ao aspecto humano e universal da existência, como o medo da morte, de adoecer, de quebrar. A Barbie deixa de ser só uma boneca no dia em que ela acorda e se depara com estas questões. É o que distingue humanos de bonecas e, mais ainda, humanos de robôs, de máquinas. Nós vivemos com a foice da Morte sobre nossas cabeças.

Ryan Gosling; Barbie (2023)
I'm just Ken!

A trama principal gira em torno da guerra dos sexos, o conflito de classes primordial que existe desde o início da humanidade. Sendo originalmente um matriarcado, a Barbieland passa por uma insurreição dos Kens que implantam o patriarcado, mas no fim a ordem original é restaurada, com algumas conceções para os coitados dos Kens. E tudo isto narrado em estilo de musical.

Algo irônico na recepção do público é que, ainda que o Ken principal, interpretado pelo Ryan Gosling, seja apresentado como um antagonista da Barbie, quase um vilão, ele acabou sendo muito querido pelo público, justamente por causa do carisma do ator. O Ryan Gosling roubou a cena, os momentos musicais mais memoráveis são dele, como quando performa a música I'm Just Ken. Ryan Ken Gosling virou um meme material que inundou a internet.

Margot Robbie, Ryan Gosling; Barbie (2023)

Palavras-chave:


Inclassificável

Eu dispenso rótulos,
dispenso estereótipos.
Não há nada que possa
definir-me, impor limites.
Sou no todo caótico
com uma fração de ordem.
Não pertenço a hordas.
Eu sou um indivíduo.

(11,02,2024)

Depressonho

Vivo neste limbo delirante
entre a apatia e o fascínio.
Ora empolgado, sonhando acordado,
ora desespero e desanimo.

Bendita é a imaginação
que me eleva para o sublime.
Frio e melancólico, lunaticaótico,
semiacordado, semionírico.

A tristeza é a minha cama.
De fato confortável e fofinha.
Sou acostumado a viver neste estado
entre o Hades e os Campos Elísios.

Depressonho é o substantivo,
é o verbo que bem me define.

(29,05,2023) 

 

Algumas reflexões sobre robôs, capitalismo e o trabalho humano

Atlas robot

As novas tecnologias sempre visam aprimorar e facilitar o trabalho humano, realizando tarefas com menos tempo e menos esforço. Logo, é natural que a tecnologia reduza a quantidade de pessoas necessárias para fazer uma tarefa. 

As máquinas e a automação preocupam pessoas já há séculos. Em 1811, o movimento ludista na Inglaterra realizou protestos quebrando máquinas justamente pelo fato delas estarem tomando o emprego das pessoas. Já havia naquela época o temor apocalíptico de que as máquinas iam acabar de vez com os empregos humanos.

Duzentos anos se passaram desde o movimento ludista e até hoje ainda há bastante emprego para todo mundo que quiser um e se dedicar a ter a qualificação mínima para tal. Mesmo com todo o avanço tecnológico, o trabalho humano não foi extinto, apenas se modificou ao longo do tempo. 

De fato, na nossa era atual existem mais opções de emprego do que nunca e boa parte disto surgiu graças à tecnologia. Antes da revolução industrial, as opções de carreira para as pessoas eram bem mais limitadas. A tecnologia criou inúmeras novas áreas, novas especializações. Com a internet então, as opções explodiram.

Quantas pessoas hoje em dia fazem dinheiro de alguma forma por meio da internet? A internet criou um mundo de novas possibilidades de emprego e renda que simplesmente não existiam e eram impensáveis no século XIX.

E estamos só começando, pois o mundo virtual está crescendo exponencialmente ano após ano, de modo que estamos criando uma espécie de planeta paralelo, o ciberespaço ou metaverso, onde muito provavelmente boa parte das pessoas vão trabalhar num futuro próximo, enquanto as máquinas se ocupam com as tarefas mais materiais aqui no mundo físico.

Tradicionalmente se entende que um trabalho é feito por dois elementos fundamentais: os meios de produção e a mão de obra. Para pintar uma casa, é preciso tinta e pincel (os meios de produção) e uma pessoa que manipule estes objetos (o pintor com sua mão de obra).

Acontece que estamos prestes a presenciar o surgimento de uma nova classe de trabalhadores, robôs humanoides como o Atlas da Boston Dynamics ou o Optimus da Tesla. Em um futuro próximo eles serão aptos a substituir humanos em inúmeras tarefas, praticamente qualquer tarefa que exija contato físico: faxineiros, encanadores, jardineiros, trabalhos com carga e descarga, atendentes de escritórios, caixas de supermercado, cuidadores de idosos, até mesmo cirurgiões um dia serão robóticos.

Fantasia (1940)

Quando isto acontecer, será a fusão do meio de produção com a mão de obra, pois um robô é ambos. O robô é como um martelo, uma ferramenta, só que não precisa de uma mão humana. É um martelo que tem vida própria, como os objetos animados na casa do Mickey no filme Fantasia (1940).

Será desta vez que o trabalho humano acabará de vez? Não mesmo.

O Paradoxo da Automação

Primeiro, há um paradoxo nesta questão da automação. Sim, os robôs um dia vão ser capazes de tomar o emprego dos humanos, mas se os humanos ficarem todos desempregados e sem renda, não vão poder comprar os produtos ou serviços fornecidos pelos robôs. Essa conta não fecha. Ora, de que adianta uma padaria funcionar com robôs padeiros, fazendo pães e bolos, se os humanos desempregados serão pobres e incapazes de comprar os pães? Esta padaria simplesmente vai falir.

Para que a automação aconteça, será preciso que também se desenvolva uma maneira dos humanos continuarem gerando renda, fazendo a roda do capitalismo girar. Não adianta de nada robôs produzirem coisas que ninguém poderá comprar. Este tipo de automação entraria rapidamente em colapso.

Como, porém, já mencionamos acima, a coisa pode não ser tão catastrófica assim, uma vez que o metaverso vai criar uma abundância de empregos para os humanos. O trabalho físico será em sua maioria realizado por robôs, mas também trabalhos intelectuais serão feitos pela IA. A IA estará em toda parte, até mesmo na arte. Mas não subestimemos a criatividade humana. O metaverso terá uma variedade gigantesca de atividades, de modo que vai ter ocupação pra todo mundo, máquinas e humanos.

Matrix battery

Uma curiosa e futurista possibilidade é que os humanos passem a produzir e possuir um tipo peculiar de moeda: energia. Energia é algo que os robôs precisam para trabalhar, de modo que uma maneira das pessoas comprarem aquilo que é produzido pelos robôs seria por meio de algum tipo de "crédito de energia". 

No segundo episódio de Black Mirror, intitulado Fifteen Million Merits, vemos um mundo onde as pessoas ganham créditos literalmente pedalando em bicicletas. Não é explicado em detalhes que diabos de trabalho é esse, mas é de se supor que eles estão gerando energia ao pedalar e em troca são pagos por esta atividade.

Este futuro, porém, parece improvável, uma vez que estamos cada vez mais perto de desenvolver fontes de energia revolucionárias, como a fusão nuclear. Este método tornará a geração de energia extremamente abundante e barata, de modo que as máquinas não precisarão de humanos pedalando para alimentá-las. 

Há ainda uma esperança para os humanos. Sim, os robôs vão varrer a casa, cortar a grama, fazer as comprar no mercado, fazer entregas, etc. Mas alguém será dono dos robôs, o que inclui empresas, mas também indivíduos. 

Digamos que, por exemplo, você compre um robô ou, fazendo um pé de meia, compre uma pequena equipe de robôs. Você pode alugar estes robôs, fazer que eles trabalhem pra você, de modo que a renda que eles gerarem será sua e você terá apenas o custo da manutenção de seus robôs que, no fim das contas, são os meios de produção.

Olhando desta forma, o robô não necessariamente vai tomar seu emprego, mas vai trabalhar no seu lugar. Um mestre de obras humano pode ter uma equipe de robôs sob seu comando. Você pode empregar seu robô, ou robôs, como faxineiro na casa de alguém. 

Esta é a mesma lógica do transporte urbano. Por que existem táxis, ônibus, uber, mototáxis? Por que uma pessoa que tem um veículo está disponibilizando ele para transportar as que não têm. Assim, nem todo mundo vai ter um robô doméstico, mas muitos vão contratar os serviços de um robô doméstico.

Este é apenas um exemplo simplório de como os robôs poderão funcionar como fonte de renda para pessoas comuns. E uma vez que os robôs vão trabalhar por você e pra você, é possível que tenhamos uma interessante era de ócio que será extremamente benéfica para algumas pessoas, para as que sabem usar o ócio de maneira construtiva. As atividades mentais, a especulação filosófica, artística e até mística, podem experimentar uma nova renascença.

Ou podemos nos tornar o mundo de Wall-E.

Algumas reflexões sobre política, natureza humana e IA

I, Robot (Isaac Asimov)

Política é basicamente a arte da convivência entre as pessoas. 

Onde houver pessoas, a política é inevitável, pois naturalmente haverá a necessidade de um entendimento comum, de um acordo para que as pessoas possam conviver com um mínimo de harmonia, afinal cada indivíduo tem seus próprios interesses e rejeições. Se o que uma pessoa faz incomoda outra que vive próximo dela, será preciso um acordo, uma política para evitar o conflito.

A solução mais primitiva para as divergências de convivência é a violência. É a solução dos bárbaros, das feras. No filme 2001, vemos uma situação em que dois bandos de hominídeos encontram uma fonte de água. Em vez de negociarem o acesso à água, eles começam a gritar e gesticular histericamente, e o grupo que conseguir afugentar o outro terá a água para si. Este é o fundamento da guerra. Ou era, pois as guerras modernas, embora ainda envolvam disputa de recursos e territórios, têm causas bem mais complexas.

Acontece que a guerra é insustentável a longo prazo. Como disse Gandhi: "olho por olho, e o mundo acabará cego". A humanidade não pode existir em um perpétuo estado de guerra, não sem ter um grande prejuízo para todos os lados envolvidos. Se a guerra escala, ela chegará no ponto da extinção. Já sabemos qual é este ponto: a hecatombe nuclear.

A guerra, portanto, existe quando a política falha, no caso, um dos braços da política que é a diplomacia.

Em termos mais individuais, a política serve para evitar a guerra do indivíduo contra o indivíduo, para garantir que as pessoas convivam em uma "pólis", daí o nome "política". À medida em que esta arte se desenvolveu, tornou-se refinada, sendo banhada pela filosofia e teologia desde a época milenar dos egípcios, gregos e romanos. 

Mais recentemente, a política também enriqueceu-se com as ciências, especialmente a economia, de modo que várias escolas de pensamento se desenvolveram. No geral, estas escolas de pensamento resumem-se em três grandes correntes, de maneira simplificada apelidadas de direita, esquerda e centro.

Há livros e livros sobre a teoria da política, debates e mais debates entre os grupos com pensamentos antagônicos. Um fato muitas vezes ignorado, porém, é que o fundamento intelectual da política é apenas uma de suas camadas. Existe outra camada mais íntima, mais humana, ou melhor, mais reptiliana e límbica: a camada das emoções e paixões.

Por mais que as pessoas argumentem a respeito de suas opiniões políticas, muitas delas não têm consciência das motivações profundas por trás destas opiniões. O que levou uma pessoa a se alinhar à direita ou à esquerda? Será mesmo que foi apenas uma adesão intelectual ou existe uma causa primordial que tocou suas paixões?

Citarei um exemplo bem simplório para ilustrar: imagine uma criança que um dia viu um policial agredindo gratuitamente um feirante na rua. Esta cena pode ficar gravada na memória da criança de tal maneira que ela crescerá com um sentimento profundo de aversão à força policial e talvez até mesmo à força estatal. 

Esta criança pode, ao longo da vida, ir se identificando com correntes de pensamento mais anarquistas. Ao ler sobre a teoria do anarquismo, o conceito fará sentido em sua mente, mesmo que esta pessoa nem se lembre daquele evento da infância e não faça a correlação entre sua atual identificação com o anarquismo e o trauma de infância.

Eu sei, é um exemplo simplório, mas que dá uma pista de como uma ideia pode ser semeada na mente de uma pessoa desde a infância e crescer e ramificar-se a partir de breves momentos de imprinting, de visão de mundo.

Não que a visão de mundo não possa mudar. De fato há pessoas que ao longo da vida vão mudando de opinião sobre a política, sobre a vida, a religião e tudo mais. Isto mostra que as experiências individuais, tudo o que uma pessoa viveu, viu e sentiu, vai moldando o seu caminho, vai guiando suas decisões e pensamentos ao longo da vida. Se o pensamento é uma vela de navio, as experiências individuais são o vento que a empurra para este ou aquele caminho.

Não raro as pessoas abraçam determinada ideologia por influência de pessoas próximas, de amigos, de parceiros amorosos, familiares, o meio em que convivem. Também o inverso pode ocorrer, e uma pessoa afasta-se daquelas que pensam diferente dela e busca novas amizades com pessoas que pensam parecido. A aglomeração dos semelhantes é algo natural nas sociedades.

Nota-se, portanto, que a política vai muito além das ideias. Não se trata apenas de qual escola de pensamento está com a razão. Trata-se de pessoas e seus sentimentos. Política é paixão. 

Por isto a política também pode catalisar o que há de pior no ser humano. A profissão de político proporciona certas oportunidades que são atraentes para pessoas pervertidas, psicopatas, aproveitadores. Alguns dos humanos mais perversos na história da humanidade foram políticos.

Se isto é regra ou exceção, não sou eu que vou dizer. Como em todas as atividades humanas, há pessoas bem intencionadas e mal intencionadas. Convenhamos, todavia, que há certas atividades que são mais atraentes para pessoas mal intencionadas, assim como outras são menos atraentes. Alguém que tem uma índole perversa e que satisfaz-se em mentir e tirar proveito das pessoas, tendo a oportunidade de escolher entre ser um professor ou um político, provavelmente vai preferir ser político, uma vez que a profissão de professor é pouco gratificante para almas gananciosas.

Sendo, enfim, uma atividade essencialmente humana, a política é essencialmente defeituosa e problemática, pois somos humanos e não anjos. Mesmo pessoas bem intencionadas podem cometer erros na política e erros que podem prejudicar gravemente milhares, milhões, bilhões de pessoas. É por isto que utopias são por definição impossíveis, pois não é possível que o perfeito seja alcançado por agentes imperfeitos. 

Utopias não me apetecem, mas não sou necessariamente contra a ideia de se acreditar em uma utopia, pois o simples fato de ser motivado pela crença utópica pode trazer algum bem para indivíduos e sociedades. Um indivíduo que sonha com um mundo melhor pode ele próprio se esforçar para fazer o mundo melhor. 

Por outro lado, há pessoas maquiavélicas que pensam que é justificável cometer atos moralmente questionáveis em nome da utopia, do bem maior. É no mínimo irônico que alguém sonhe com um suposto mundo melhor e uma sociedade mais justa ao mesmo tempo em que considera válido buscar este sonho colocando no gueto ou no paredão aqueles que discordam. 

Também há pessoas que usam a utopia como um pretexto para seus desejos de poder e dominação, tentando impor sobre os demais as suas vontades e planos. É por isto que na história humana algumas utopias se tornaram distopias, quando um sonho de criar uma suposta sociedade perfeita resultou em tiranias e na barbárie.

Eis que agora, após milênios de civilização humana, com todas as voltas e reviravoltas da política, com toda a ramificação de escolas de pensamento, estamos diante de uma mudança radical que será promovida pela inteligência artificial.

A inteligência artificial veio para aliviar os fardos humanos, para fazer coisas que humanos faziam, a fim de que estes não precisem mais fazer. Logo, inevitavelmente a política também será dominada pelo trabalho robótico. Os políticos humanos até vão tentar resistir a isto, atrasar este processo, afinal eles não querem perder seus empregos, mas a automação é um caminho sem volta.

Com a IA assumindo a política, haverá uma certa descontaminação das paixões humanas. Tomemos como exemplo os nossos legisladores, os parlamentares. Cada parlamentar é um humano com seus próprios interesses e, quando ele propõe um projeto de lei, sua intenção não é simplesmente tentar melhorar a sociedade. Pode haver diversas motivações por trás disto, pode haver um lobby, a influência de um grupo de interesse, ou pode haver simplesmente uma vaidade humana, o desejo de ser aplaudido pela criação de uma lei que talvez seja bonita no papel, mas ineficiente na prática. 

Por exemplo, as legislações no mundo todo estão cheias de leis ecológicas que parecem bonitas, bem intencionadas, mas que na prática pouco bem fazem à natureza, como, digamos, criar uma lei obrigando o uso de canudos de papel em vez de plástico, para "salvar as tartarugas". Quão eficiente de fato é esta medida? Será mesmo que faz alguma diferença ou é um mero enfeite jurídico, uma sinalização de virtude, um varrer o problema para debaixo do tapete?

A IA não será movida por tais sentimentos. Ela buscará a eficiência com base em dados. Todavia, a IA precisará de uma dose de humanidade, de empatia, para não buscar a eficiência a todo custo e causar dano às pessoas neste processo. Convenhamos, porém, a política tem mais a ganhar do que a perder com a IA. 

Em termos econômicos, a estrutura política de uma sociedade poderá ser mais eficiente e enxuta com a IA. Um computador poderá fazer o trabalho de centenas de políticos, de modo que o que antes custava milhões ou mesmo bilhões (ainda mais levando em conta a sangria de dinheiro público causada pela corrupção política) vai custar centavos por hora com o trabalho da IA.

Obviamente, a IA também pode ser usada para fins de corrupção, como no grande exemplo fictício do Big Brother, do livro 1984. Neste caso, a IA poderá favorecer um sistema tirânico, oprimindo as pessoas com uma eficiência muito superior à das tiranias puramente humanas. Este é um assombroso risco que corremos.

A ficção sempre esteve repleta de temores quanto a uma revolta dos robôs, mas Isaac Asimov, nadando contra a maré de pessimismo, escreveu diversas histórias nas quais os robôs se mostram grandes amigos da humanidade. No conto Evidente (1946), por exemplo, ele especula justamente sobre a possibilidade de um robô ocupar um cargo político e que, neste caso, provavelmente seria muito mais benéfico do que um humano, justamente por não ter as paixões cruéis de um humano.

Logo, a IA é uma grande aposta. Ela pode dar muito certo ou muito errado. O fato é que este é o caminho inevitável. A tecnologia já alcançou uma velocidade quase impossível de ser freada e a civilização agora só tem a opção de seguir em frente. Acredito, porém, que a implementação da IA na política é bastante promissora e só em pensar que enfim estaremos livres de corruptos e psicopatas que serão substituídos por uma máquina sem paixões, já sinto um certo alívio. A era da farra dos políticos está acabando.

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Algumas reflexões sobre sexualidade, rótulos e edição genética

Antes de mais nada, devo reiterar aqui o que considero óbvio: este texto não tem qualquer intenção de ofender algum indivíduo ou grupo. Trata-se apenas de um humilde ensaio filosófico, mais precisamente, ontológico. Creio, porém, que pode ser inevitável que pessoas se ofendam com alguns raciocínios aqui desenvolvidos, caso não se encaixem em seus próprios pontos de vista.

Aliás, isto é algo que merece também um comentário: o fato de que corremos um risco de confundir o ato de discordar ou de expor uma opinião diferente com uma ofensa. A fronteira que separa a ofensa da opinião é tênue, como tudo na vida, mas nada que não se resolva com uma pitada de boa-fé, de disposição para aceitar que as pessoas podem discordar. Discordar não é ofender.

Pois bem, vamos ao assunto. A androginia sempre existiu na espécie humana e mesmo em outros seres. É curioso ver que até mesmo em ícones religiosos milenares, como algumas divindades gregas e hindus, podemos observar uma caracterização que mistura traços masculinos e femininos.

Em todas as culturas do mundo, os conceitos de homem e mulher sempre foram de senso comum por um motivo simples: o imperativo da natureza. Cientificamente é sabido que a espécie humana, assim como outras espécies assexuadas, possui dois tipos de configuração cromossômica que geralmente resultam em dois tipos de humanos, macho e fêmea, cada qual com suas respectivas características fenotípicas.

A princípio não é um grande mistério fazer esta distinção. Desde sempre, as pessoas identificavam um homem pela presença do pênis e a mulher pela vagina. Esta era a principal característica usada para saber o sexo de um bebê logo quando nascia. De fato, até para identificar se alguns animais são machos ou fêmeas, como um cão, um gato, um bezerro, é usado este critério. Se tem "pipi", é macho, se não tem, é fêmea.

Como as civilizações foram desenvolvendo certos costumes e tabus, como o uso de roupas, não se tornou tão comum identificar um homem ou mulher olhando para  suas genitálias. Como então saber o sexo de uma pessoa que está vestida? Aí temos outras características. Mulher tem seios, homem não tem; homem tem barba, mulher não tem. Estas características não são tão precisas, uma vez que só se desenvolvem depois da puberdade e mesmo assim as pessoas já identificavam o sexo das crianças simplesmente ao olhar para elas. Por quê? Por que o próprio corpo de meninos e meninas é um pouco diferente, bem como a voz. 

Bebês e crianças na primeira infância são indistinguíveis em termos de sexo. Eles parecem todos iguais. Após alguns anos, porém, alguns traços começam a se manifestar, o formato do corpo e do rosto vai se moldando de uma maneira que facilmente as pessoas olham para uma criança e pensam: este é menino, aquela é menina. Em geral, mas há suas exceções.

Há meninos cuja aparência parece indistinguível de uma menina e há meninas que se parecem com meninos. É algo um tanto relativo, até subjetivo, pois envolve também o comportamento, a voz, etc. É aí que começa o conceito de androginia, de uma pessoa ter traços tanto masculinos quanto femininos em uma dosagem, uma proporção que foge ao padrão da maioria das pessoas.

Depois da puberdade, fica bem mais fácil identificar as características masculinas e femininas, e mesmo homens que não desenvolvem barba acabam sendo identificados como homens por outros detalhes e mesmo pelo formato do corpo. De uma maneira bem simplista, podemos dizer que o corpo dos homens é mais quadrado, enquanto o das mulheres é mais curvilíneo. Homens têm músculos e ossos mais proeminentes, rosto mais quadrado, enquanto mulheres parecem mais delicadas.

Esta é, obviamente, uma impressão geral da coisa, pois todo padrão tem suas exceções. Vemos homens com corpos mais femininos, mulheres com corpos mais masculinos... enfim, não vou me delongar sobre inúmeros detalhes que observamos no corpo das pessoas que nos fazem perceber se são masculinos ou femininos.

Aliás, tenho uma curiosa lembrança a respeito. Quando era adolescente, estava voltando de ônibus para casa e entrou um velhinho cego com uma bengala. Claramente se podia perceber que ele era cego. Ele sentou do meu lado, estendeu a mão apalpando o ar até que tocou em meu braço. Então disse: "ah, é homem".

Fiquei surpreso com a percepção dele. Ele nem tinha ouvido a minha voz, apenas tocou em meu braço magrinho de adolescente, e foi o suficiente pra identificar meu corpo. Deduzi que ele sentiu os pelos no meu braço, que também não eram muita coisa. Mas enfim, voltemos ao assunto.

A diferenciação entre masculino e feminino vai além do físico e chega ao comportamento. Já na Grécia antiga havia a palavra "malakos" para descrever homens que se comportavam de uma maneira delicada e que hoje traduzimos como "afeminados". Também antigos termos surgiram para definir pessoas que tinham práticas sexuais fora do padrão heterossexual, alguns destes termos com uma forte carga pejorativa, como "sodomita".

A heterossexualidade sempre foi a norma no comportamento humano pelo próprio imperativo da natureza, afinal é por meio desta relação que a nossa espécie se reproduz. Se a maioria da humanidade não tivesse o interesse básico em copular com o sexo oposto, jamais teríamos chegado aos bilhões de humanos que temos hoje.

É curioso que há milênios já havia textos religiosos enfatizando que o "certo" é o sexo entre homem e mulher e nada além disso. Ora, se havia textos sagrados, se havia sermões e até leis falando sobre isto, significa que havia gente que se comportava de maneira diferente deste padrão. A homossexualidade e a bissexualidade são tão antigas quanto a humanidade, mas sempre foram um fenômeno de minoria, uma exceção à regra. Ainda hoje é assim.

A civilização levou milênios para começar a aceitar isto. Bem recentemente, até passamos a desenvolver termos que definem este grupo de pessoas. Os mais clássicos são homossexual, bissexual, gay e lésbica. 

Há algumas décadas estava na moda aqui no Brasil a sigla GLS, que definia gays, lésbicas e simpatizantes. Depois ela foi substituída para LGB (lésbicas, gays e bissexuais), depois LGBT (incluindo transexuais) e recentemente esta sigla saiu do controle e tem se ampliado com mais e mais letras a ponto de ficar desatualizada em questão de meses, quando uma nova letra aparece. No momento, se não me engano, ela está como LGBTQIAPN+.

Chegamos então a um ponto em que tem se tentado ser cada vez mais específico a respeito da característica sexual de grupos e indivíduos, criando-se termos como transgênero, não-binário, pansexual, demissexual, agênero, etc. Existem até bandeiras que simbolizam cada tipo. Perguntei ao ChatGPT quantas bandeiras existem e ele disse apenas que existem "muitas". Insisti que fosse mais preciso e falou que há cerca de 200. Isto até o momento.

Não sei quem cria estas bandeiras e definições, mas o número crescente delas me faz perceber algo: o ser humano, o indivíduo, é muito complexo e multifacetado. Será mesmo que é possível definir alguém, o todo de uma pessoa, usando estes rótulos?

Vejamos: em termos biológicos, uma pessoa é macho ou fêmea, mas mesmo biologicamente estas características se manifestam em graus diversos, o que depende, por exemplo, da quantidade de hormônios masculinos ou femininos. Uma mulher com muita testosterona naturalmente terá um corpo mais masculinizado, a voz mais grossa. Todavia, ela pode ser feminina no comportamento, nas roupas, pode ser heterossexual. Da mesma forma, um homem pode ter baixos níveis de testosterona, ter poucos pelos, o corpo esbelto e delicado, voz fina, e, ainda assim, comportar-se de uma maneira tida como masculina e ter interesse sexual apenas pelo sexo oposto. Inversamente, pode ter mulher fisicamente muito feminina, mas com modos de machão, ou que não gosta de homens; pode ter homem peludo, musculoso, um verdadeiro brucutu, e que tem maneirismos femininos e interesse sexual homoafetivo.

Estes são apenas alguns exemplos rasos de como a combinação de características masculinas e femininas varia de pessoa para pessoa. Ninguém é 100% masculino ou feminino. Há uma gradação, uma fórmula que varia em cada indivíduo e que em certo ponto chega ao nível da androginia.

Mesmo com as mais de 200 bandeiras, no fim das contas ainda é possível identificar as pessoas apenas por dois elementos clássicos: o masculino e o feminino. Estes elementos existem em uma fórmula única em cada pessoa e geralmente um deles prevalece, de modo que temos a visão geral de uma pessoa como sendo masculina ou feminina. Quando não há a prevalência de um dos dois, mas uma combinação incomum, temos o andrógino.

Desta forma, qualquer que seja a classificação e a bandeira aplicada a uma pessoa, ela sempre pode ser resumida em um de três tipos: masculino, feminino ou andrógino. Isto se refere ao comportamento, aparência e até o papel social que a pessoa assume. Ultimamente tem se falado em não-binário, mas o não-binário nada mais é do que um andrógico cuja combinação de elementos masculinos e femininos é bem fora do padrão, tornando difícil a sua identificação.

Podemos de fato fazer uma distinção entre sexo biológico e a tríplice característica sexual. Biologicamente, uma pessoa é macho ou fêmea. Isto é algo que não se pode negar, não sem colocar em risco a própria integridade da ciência e da biologia. Há obviamente exceções no hermafroditismo, mas são raríssimas. Bom, por enquanto são raríssimas, mas num futuro relativamente próximo isto pode mudar com a normalização da edição genética. 

Pois é, um dia chegaremos a um ponto em que as pessoas vão editar os próprios genes. Neste caso, as convenções da natureza, que existem há milhões, bilhões de anos, vão ser desafiadas. Se uma mulher quiser ter um pênis natural brotando de seu corpo, virando uma verdadeira futanari, isto será possível. Parece fantasia pensar isto agora, mas a tecnologia capaz de editar genes já existe, hein. Com o toque mágico da edição genética, uma fêmea pode virar macho e vice-versa.

Eu sei, muitos podem pensar que isto é algo absurdo, herético, que estaremos brincando de Deus. O fato é que vai acontecer. Já estamos correndo neste trilho em alta velocidade. Como as religiões e as opiniões das pessoas vão lidar com esta nova realidade, é algo que o tempo vai resolver.

Acho improvável, porém, que ultrapassemos os limites do humano, pois a própria humanidade vai reagir a isto, vai regular esta tecnologia. Uma coisa é um homem mudar seus cromossomos de XY para XX e outra coisa é ele se transformar literalmente em um sapo. Creio que algumas pessoas vão fazer algumas "brincadeiras" com fins estéticos. Por exemplo, se alguém acha bonito ter orelhas pontudas de elfo ou dentes de vampiro, será possível com edição genética. Mas haverá limites e laboratórios serão proibidos de ultrapassá-los. Claro que, na obscuridade, nos porões secretos de governos e laboratórios, todo tipo de experiência bizarra será feita. O que não vem ao caso.

O que vem ao caso é que, hoje em dia e mais ainda no futuro, é impossível resumir uma pessoa a um rótulo que identifique seu grau de masculinidade, feminilidade e androginia. Por que então não voltamos ao simples e prático?

O simples e prático é: biologicamente existe macho e fêmea; em termos comportamentais existe masculino, feminino e andrógino; em termos de interesse sexual existe heterossexual, homossexual, bissexual e assexual. Todo mundo pode se encaixar numa combinação destas definições.

Sim, são definições generalizadas e não muito específicas, mas o generalismo é importante para respeitar o fato de que o ser humano é holístico, é complexo e multifacetado e não pode ser resumido, reduzido a uma definição extremamente específica. Dizer que alguém é demissexual, por exemplo, pouco diz sobre esta pessoa, sobre quem ela de fato é como um todo. Rótulos reduzem a riqueza que é o indivíduo.

The Gray Man e a renascença dos filmes de ação

The Gray Man (2022)

O cinema de ação está mais vivo do que nunca. Depois de sua renascença, trazida pelo John Wick¹, cada vez mais tem surgido bons filmes de brucutu, com tiro e porradaria bem ao estilo anos 90, porém, em certos aspectos, eu diria que até melhor que os anos 90.

Podemos marcar o ano de 2014 como o renascimento do cinema de ação, não apenas por causa de John Wick, mas também de Capitão América 2. De um lado temos os Irmãos Russo e do outro o Chad Stahelski. São estes os grandes nomes desta nova era da ação.

Enquanto o Chad Stahelski tem se concentrado na sua cria favorita, a franquia John Wick, os Irmãos Russo fizeram carreira na Marvel e depois lançaram uma franquia própria, Extraction², que até o momento teve dois filmes (2020,2023).

Dito isto, temos The Gray Man (2022), também dos Russo. Na Marvel eles fizeram amizade com alguns atores que depois acabaram participando de outros projetos. É o caso do Chris Hemsworth, o Thor da Marvel, que se tornou o protagonista brucutu de Extraction; e em The Gray Man temos o Chris Evans, o Capitão América, que atua como o vilão da história.

É interessante ver como o Chris Evans, que encarnou o sério e bom moço Capitão, agora performa um vilão bem desprezível, um sádico com um jeitão infantil e um bigodinho. Ele consegue convencer no papel.

Temos também a Ana de Armas, que encarna uma agente badass e curiosamente sem qualquer traço de sensualidade, algo que os diretores costumam aproveitar nos filmes com ela. Tem também o Wagner Moura, que teve o privilégio de ficar pertinho da Ana de Armas. A caracterização dele ficou tão boa que durante o filme eu nem me dei conta que era ele.

A grande estrela, porém, é o Ryan Gosling, interpretando o misterioso agente Six. Convenhamos que é impossível fazer um filme com o Ryan Gosling sem que ele roube a cena. Ele conseguiu roubar a cena até no filme da Barbie, contrariando as expectativas do roteiro que tentou fazer do Ken um personagem desprezível. O carisma do ator fez todo mundo amar o Ken.

julia butters turkey sandwich

Ryan Gosling, que já fez romance, comédia, musica, drama e sci-fi, agora encarna o puro brucutu e com um ar de Léon, pois ele é o assassino que se afeiçoa a uma garota e a protege como se fosse sua filha. Para quem sente que já viu esta atriz (Julia Butters) em algum lugar, ela foi aquela garotinha que contracenou com o DiCaprio em Once Upon a Time in... Hollywood (2019)³ e que no Oscar de 2020 mostrou que levava um sanduíche na bolsa, virando meme por um momento.

The Gray Man é melhor do que eu esperava. Realmente capricha na ação e com uma característica bem peculiar dos Irmãos Russo que é não extrapolar na suspensão de descrença. É uma ação sem absurdos e os personagens são humanos de verdade, que sentem dor quando se machucam, ficam cansados e tal. Mesmo assim, o protagonista Six é um cara fora do comum, inventivo como o MacGyver e casca grossa como o Jason Bourne.

Notas:


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No Man's Sky, Starfield, New World e Cyberpunk, os 4 cavaleiros do apocalipse gamer

No Man's Sky (2016)

Existem alguns jogos que começam com o pé errado no lançamento, em grande parte por culpa da própria desenvolvedora e de um marketing errado. Um grande exemplo foi No Man's Sky em 2016. Este jogo fez tantas promessas não cumpridas, especialmente a promessa de um mundo multiplayer. Isto foi o que mais irritou a comunidade, pois todos estavam esperando se deparar com players voando e pousando por aí, o que daria uma imersiva sensação de vida naquele universo.

Além disto, o jogo tinha problemas de bugs e a geração procedural dos mundos não parecia ser suficiente para superar a sensação de repetitividade, de que a cada novo planeta você encontrava sempre as mesmas coisas. Com o tempo, porém, a Hello Games conseguiu se redimir.

Ao longo dos anos, novos updates foram polindo o No Man's Sky e acrescentando mais conteúdos, enriquecendo o jogo, além de inserir uma instância multiplayer. Assim, este jogo envelheceu como vinho, ficando cada vez melhor, de modo que hoje em dia sua comunidade está bastante satisfeita e No Man's Sky se tornou um dos mais elogiados jogos de exploração espacial, até mesmo um modelo para o gênero.

Starfield (2023)

É curioso ver como NMS, que a princípio enfrentou uma onda de hate, agora vem sendo usado como parâmetro de um bom jogo espacial. Agora em 2023 veio Starfield, novo jogo da Bethesda, e as comparações com NMS foram inevitáveis. Em vários aspectos o NMS se mostrou melhor, como no fato de se poder voar livremente pelos planetas com as naves e veículos terrestres, a riqueza dos biomas e a real sensação de mundo aberto, pois NMS tem pouquíssimas telas de loading, enquanto Starfield tem loading até para se entrar em uma sala dentro de um edifício.

A verdade é que Starfield não tem a mesma proposta de NMS. Não é um jogo focado em exploração espacial, mas em história e interação com os personagens. Quem, como eu, gosta de explorar mundos, não vai ter muito prazer em Starfield. Inclusive a capacidade de carregar loot é limitadíssima, algo bem irritante para jogadores dados à exploração. Eu quero sair catando e colecionando tudo o que encontro, mas não dá.

Starfield é para quem curte diálogos, a imersão no roleplay. Inclusive dá até para flertar com os personagens e estabelecer um relacionamento. É um jogo interessante para streamers justamente por causa deste roleplay.

Joguei pouco de Starfield, mas assisti a algumas horas de streaming, o suficiente para concluir que não é meu tipo de jogo. Todavia, acho que houve um hate exagerado da comunidade, pois o jogo está bonito, rico em detalhes e com uma história bem elaborada. De toda forma, assim como NMS, Starfield vai precisar de tempo para ser polido e acrescentar as features que a comunidade deseja. Não duvido que ele terá a mesma redenção que NMS teve.

New World (2021)

Outro caso de grande hype seguida de decepção foi o New World, um MMORPG que joguei por algumas centenas de horas e já escrevi muito sobre ele aqui. No mês de lançamento, ele chegou a bater 900 mil players diários. Os grandes streamers estavam todos jogando, havia aquele clima de empolgação com o retorno do gênero MMORPG. Parecia até que teríamos uma nova era de ouro dos MMOs.

Então vieram as decepções. New World foi lançado precocemente, veio mal polido, cheio de bugs irritantes e com um conteúdo limitado. Tornou-se uma piada interna do jogo falar que ele não tem montaria, um recurso básico na maioria dos MMOs, e também dos mobs que são muito parecidos em todo o mapa. Era mesmo entediante explorar o mapa e encontrar por toda parte sempre os mesmos modelos de criaturas - piratas, zumbis, fantasmas... 

A gota d'água porém foi um exploit que a comunidade considera imperdoável: a duplicação de itens. Players folgados começaram a se aproveitar deste bug, duplicando materiais, fazendo fortuna, manipulando o mercado, tendo uma injusta vantagem competitiva contra os demais. Somando todos estes problemas, o jogo perdeu 90% de seu público no primeiro semestre e nunca mais o recuperou.

New World tem tentado se redimir. Em 2023 os devs programaram todo um calendário de atualizações, incluindo a tão solicitada montaria. Aos pouco o jogo está melhorando, enriquecendo, mas parece que a confiança perdida não será restaurada tão fácil, pois o New World se fixou em certa quantidade de players (uns 15 ou 20 mil diários) e daí não saiu mais.

Cyberpunk 2077 (2020)

Além destes três, temos outro caso recente de jogo que foi uma grande hype-decepção: o Cyberpunk 2077.

Sendo produto da CD Projekt RED, aclamada desenvolvedora da série The Witcher, Cyberpunk era uma grande promessa, com a proposta grandiosa de trazer um mundo aberto cheio de vida, uma grande cidade repleta de NPCs e sem telas de loading, com edifícios, ruas e becos plenamente exploráveis. De fato, já no lançamento Night City era enorme e deslumbrante. Esta promessa foi mesmo entregue. O problema de Cyberpunk foi mais no polimento, pois o jogo veio extremamente bugado.

A grande decepção veio por causa disto, os bugs, crashes, a péssima otimização que deixava o jogo pesado até em computadores de última geração. A cidade era repleta de NPCs, mas muitos deles repetidos e se comportando de maneira tosca, fazendo a famosa T-pose. Cyberpunk 2077 virou motivo de piada.

Então se passaram dois anos e a cada patch o jogo foi ficando melhor. Veio o grande patch 1.0, depois o 2.0 e agora a expansão Phantom Liberty. Em seu estado atual, já pode-se dizer que Cyberpunk 2077 se redimiu. Finalmente o jogo mostra seu verdadeiro potencial, está polido, rico em conteúdo e também otimizado. 

Foram acrescentadas as tecnologias de ray tracing e DLSS que extraem o máximo de beleza dos gráficos. Pude constatar isto vendo algumas gameplays, pois para usufruir do máximo de beleza deste jogo é preciso ter um computador robusto. O comportamento da luz, refletindo nos carros, nos pisos de cerâmica, nas janelas, é realmente formidável.

Quanto a mim, jogo com uma modesta (para os padrões atuais) RTX 2060 Super. Ela atende aos requisitos mínimos e de fato consigo jogar com os gráficos no máximo, mas as configurações de ray tracing ficam no mínimo a fim de conseguir uns 45-50 FPS. Mesmo assim, no meu humilde PC o jogo está rodando liso e com gráficos decentes. Parece realmente otimizado.

Enfim, destes quatro jogos, dois já se redimiram totalmente, No Man's Sky e Cyberpunk 2077. Estes outrora cavaleiros do apocalipse tornaram-se anjos queridos pelo seu público gamer. New World está seguindo numa lenta jornada de redenção, aprimorando-se a cada update, enquanto o Starfield, o mais novo dos quatro, também vai precisar de uns bons anos para melhorar.

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