Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Facebook quer criar o metaverso

Facebook/Meta
Ok, o logo é genérico, mas bonitinho.

Seguindo o exemplo da Google (que adotou o nome Alphabet para a sua colossal holding), a empresa Facebook está mudando seu nome para Meta, de modo que Facebook será apenas mais um produto entre vários da gigante. O nome tem um propósito ambicioso: a empresa quer assumir a dianteira do chamado metaverso.

O conceito de metaverso, em se tratando de internet, tem a ver com um mundo virtual imersivo e que permite a interligação de diversas plataformas, serviços, etc. É como uma cidade digital, algo exemplificado no filme Ready Player One (2018)¹.

Mark Zuckerberg
A versão virtual do Zucker até deixou ele menos estranho.

A tendência natural da internet é que algum dia se torne em um mundo virtual "habitável", 3D, imersivo, quase indistinguível da vida no mundo material. O Neuromancer, lááá em 1984, já havia predito algo assim. Logo, não é uma ideia nova e o Facebook/Meta, nem mesmo é o primeiro a tentar algo do tipo.

Google Lively
Google Lively, a pré-história do metaverso.

Lembro que nos idos de 2008, quando o Orkut estava no auge, a Google lançou esse projeto experimental chamado Google Lively que tinha uma proposta bem parecida à atual. Era um mundo virtual habitado por bonequinhos, avatares, e que pretendia ser uma rede social com cara de metaverso. Obviamente ainda era muito cedo pra isso dar certo e o Lively agora faz parte do cemitério de projetos descontinuados da Google.

Será que também ainda é cedo para o Meta? Talvez. Hoje até temos tecnologia acessível para tornar possível estes ambientes virtuais, mas convenhamos, não é prático ficar andando por aí com os trambolhos que são os óculos VR. Esse negócio de metaverso e realidade aumentada só vai pegar mesmo quando o smartphone for substituído pelo smart glass, o que ainda deve levar pelo menos uma década. 

Notas:

Parafilias e nonsense em A Dirty Shame

Selma Blair; A Dirty Shame (2004)

A sexualidade é talvez a coisa mais louca da vida humana. Não à toa a psicologia se debruçou tanto sobre o assunto por considerá-lo um enigma a ser desvendado. O erotismo é como o onirismo, mistura-se à fantasia, à imaginação e, logo, ao nonsense.

Talvez por isso nos anos 80 floresceu um gênero de filmes eróticos que misturava de forma bem interessante a sacanagem e a completa falta de sentido. Nos anos 90 este gênero ficou consagrado na longa franquia American Pie e posteriormente recebeu homenagens, como em Extreme Movie¹.

Pois bem, este é o caso de A Dirty Shame (2004), que no Brasil ficou como O Clube dos Pervertidos. Embora dirigido por John Waters, um diretor de loonga carreira, parece bastante um filme indie de algum diretor jovem e iniciante que teve ideias enquanto participava de orgias na faculdade de cinema.

A história envolve uma cidadezinha polarizada em dois grupos: as pessoas muito caretas e puritanas, chamadas de neuter (assexuais) e as depravadas. Acontece que a depravação tem uma causa comum: são pessoas que bateram a cabeça em algum acidente e este evento como que virou a chave dentro do cérebro. É como se a sexualidade pudesse ser ligada ou desligada por um botão, que no caso é a pancada na cabeça.

Bom, não há muito como descrever o filme. Os diálogos são bem aleatórios; a maioria dos atores são figurantes sem qualquer talento em atuação; uma das protagonistas, interpretada pela bela Selma Blair, tem seios enooormes; tem um cara que é como o líder de uma seita de tarados, o Ray Ray, que chega a ter poderes místicos e parece uma mistura de Lúcifer e Jesus.

Em certos momentos, a coisa ganha até um ar didático e se torna uma espécie de dicionário de parafilias, mostrando e explicando as taras diversas das pessoas, como sploshing, age regression, tem até um cara que tem fetiche por lixo e outro que, bem ao estilo do saudoso Serguei, transa com uma árvore. No fim, a cidade é tomada por tarados como num apocalipse zumbi erótico.

Fiquem com a Tracey Ullman descendo na boquinha da garrafa.


Notas:

Sobre o certo e o errado

O certo e o errado são estatísticos e situacionais. Ninguém está sempre certo, ninguém está sempre errado. O fato de alguém estar errado em determinado momento não anula a possibilidade de estar certo em outros. Citar os erros de uma pessoa para refutar seus acertos não faz sentido, bem como o inverso disto. Cada erro ou cada acerto deve ser analisado por si só, em seu específico contexto. Por outro lado, existe o aspecto estatístico do certo e do errado. É mais confiável a palavra de quem acertou mais vezes do que de quem errou mais vezes. É a estatística que define os votos de confiança e de desconfiança. Se alguém erra repetidamente, aumenta o score da desconfiança que provoca, tornando-se um charlatão. Se alguém acerta muito, torna-se uma autoridade. O medíocre charlatão é facilmente identificado. O grande risco para a sociedade está nas autoridades que em determinado momento cometem charlatanismo, pois o rótulo de autoridade as blinda da análise crítica e seus erros são tolerados ou aceitos como acertos. A mentira divulgada pelos respeitáveis promotores da verdade é a mais perigosa.

(24,10,2021)

A minha multidão

Assim como você, também sou feito de muitos. Uma multidão vive em mim. Alguns eus são pedaços, fragmentos de pessoas, projeções daquelas que conheci, que me influenciaram, que me fizeram bem ou mal e deixaram em mim estas partículas, estas cópias imperfeitas delas mesmas. Alguns são criações imaginárias, brincadeiras da mente, fantasmas do subconsciente. Outros são mais que fragmentos, são seres completos, complexos, nascidos e nutridos dentro desta cidade, não, deste universo que é a mente. Alguns são fortes, heroicos, impressionantes, outros são frágeis e precisam de proteção, refugiando-se nas sombras. Há gênios e tolos vivendo em mim, fadas e monstros. Como conciliar tantas vidas em um só corpo? Como chegar a um acordo? Quem fica na superfície, quem habita as profundezas? Como manter coeso esse vaso feito de tantos cacos colados pelo amálgama dourado do amor-próprio? Às vezes parece que a qualquer momento a estrutura irá desmoronar ou que a pessoa errada irá tomar a liderança do bando. Existir é uma busca constante de equilíbrio. E pensar que esta trama intrincada e delicada do eu é apenas o átomo de outra trama ainda mais vasta...

(22,10,2021)

A laranja amarga

Um homem construiu sua casa em uma terra árida na beira de uma estrada. Era um lugar deserto, com pouca vegetação, castigado pelo sol, mas foi onde ele escolheu viver.

Certo dia, enquanto comia uma laranja (compada na feira a alguns quilômetros dali), ele jogou as sementes na terra do lado da casa e, após algumas semanas, nasceu um broto. O homem ficou satisfeito em ver que logo teria um pé de laranja fazendo sombra e dando frutos, mas não se deu ao trabalho de cuidar da planta. Ela nascera ao acaso e cresceria por conta da sorte.

A plantinha bebia a água que raramente a chuva lhe dava, nutria-se da maneira que conseguia naquela terra seca e dura. Cresceu lentamente e tornou-se uma árvore de galhos ressequidos pelo sol. Quando enfim deu seus primeiros frutos, o homem voltou a interessar-se pela planta, indo colher as laranjas maduras.

Satisfeito em não precisar mais comprar laranjas na cidade, o homem sentou-se na calçada e descascou uma laranja da sua planta. Pôs um gomo na boca e mastigou com vontade, mas logo cuspiu o bagaço, jogou a laranja no chão e xingou a planta. O fruto era amargo, azedo, impossível de se consumir. Ele amaldiçoou a planta por ser inútil para ele, por dar frutos intragáveis.

A planta, coitada, não podia falar para se defender. Se pudesse, ela explicaria que não foi capaz de dar frutos doces e deliciosos porque não recebeu a devida nutrição. O homem não regou a planta, não adubou, deixou-a crescer ao deus-dará e, mesmo assim, achava-se no direito de cobrar dela um fruto doce.

Assim são os pais displicentes que não nutrem seus filhos com o mínimo de afeto e os castigam com o sol ardente da violência e do descaso. Na velhice, estes pais se vêem tomados pela carência e querem exigir destes filhos o afeto que nunca lhes deram.