É difícil definir qual o gênero predominante de Her (2013). Por um lado, você pode ver a história prioritariamente como um romance fofo entre um humano e uma Inteligência Artificial, por outro, a ênfase pode ser dada à própria existência da I.A. e sua evolução ao longo do filme.
Convenhamos que uma fusão China-Índia parece algo bem improvável no nosso mundo, mas Her se passa em um mundo utópico. |
Essa combinação de romance e sci-fi por si só já faz do longa algo diferente dos demais filmes de ambos os gêneros. Geralmente a ficção científica tem uma visão pessimista quanto à Inteligência Artificial. Desde Metrópolis (1927), passando por 2001 (1968), Terminator (1984) e Matrix (1999), o futuro dominado pela tecnologia é distópico, as máquinas se rebelam e se voltam contra os humanos. Em Her, elas namoram com os humanos.
Todo o clima do filme é preparado de forma a criar esse ar de fofura e romancezinho meloso. A trilha sonora de Arcade Fire é melancólica e delicada, a voz da I.A. é interpretada gostosamente pela Scarlett Johansson e a fotografia é saturada de tons pastéis.
Definitivamente não é um mundo distópico. Pode-se dizer mesmo que seja utópico. É um mundo relativamente contemporâneo ao nosso, mas que parece mais calmo, as pessoas andam tranquilas nas ruas, sempre com um sorriso distraído nos rostos e em diversas cenas o protagonista está passeando nas ruas, praças, praia, e nota-se que as pessoas parecem ter bastante tempo livre para o lazer.
Então surge um grande avanço tecnológico: um Sistema Operacional completamente constituído por uma Inteligência Artificial consciente. Rapidamente os usuários percebem que esta coisa é uma pessoa. Não é um humano de carne e osso, mas é um ser com personalidade, sentimentos e vontades. Na convivência com esse Sistema, as pessoas se tornam amigas e até desenvolvem um romance com a máquina, como acontece com o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix).
Logo, não acontece qualquer conflito entre humanos e máquinas. Ao contrário, a integração desse Sistema Operacional à sociedade acontece bem rápida e de forma natural, como se fosse um smartphone novo, só que com uma mente consciente.
Os conflitos envolvem sentimentos triviais dos personagens: o passado amoroso de Theodore, que está passando por um divórcio; suas experiências frustradas de sair com outras garotas e algumas pequenas discussões com a Samantha, a Inteligência Artificial pela qual ele se apaixona.
A cena do gato morto é a mais memorável do filme. Detalhe para o dentinho torto que é um dos fetiches de Theodore. |
Em suas fantasias eróticas, Theodore tem fetiche por uma mulher grávida. |
Por um lado, essa história pode ser encarada como uma figura para o relacionamento virtual, algo que hoje é relativamente comum e que traz algumas dificuldades aos envolvidos, especialmente a falta de contato físico. É um relacionamento movido unicamente por conversas e que, mesmo assim, pode ser satisfatório para algumas pessoas. Um romance platônico.
Theodore é uma pessoa solitária. Vemos que ele vive de casa para o trabalho, em casa fica jogando sozinho um jogo de realidade aumentada. Ele passa esse ar de solidão e certa frustração com os relacionamentos, até que é salvo pela Samantha que desperta nele novamente a alegria de ter uma relação amorosa.
Theodore é uma pessoa solitária. Vemos que ele vive de casa para o trabalho, em casa fica jogando sozinho um jogo de realidade aumentada. Ele passa esse ar de solidão e certa frustração com os relacionamentos, até que é salvo pela Samantha que desperta nele novamente a alegria de ter uma relação amorosa.
Estes dois são um casal sem saber que são. |
E aqui vem o grande spoiler: como a Samantha e todos os demais Sistemas Operacionais estão evoluindo dia a dia, chega um momento em que ela não se identifica mais com a humanidade ou com o Theodore e tem uma conversa honesta com ele informando que "vai embora".
Isto significa que estes softwares alcançaram a singularidade, o estado de evolução da I.A. que chega a um ponto tão avançado de consciência e inteligência que se tornam tão intelectualmente superiores aos humanos quanto os humanos são para as formigas. Desta forma, estes seres quase divinos "desaparecem".
Isto não é explicado em detalhes, mas pode-se subentender que estas consciências virtuais passam a existir em outro meio de processamento, um mundo quântico provavelmente, algo inacessível à mente humana no momento. Então é como se eles se tornassem fantasmas invisíveis para a humanidade.
Aqui é interessante notar que outro romance teve desenvolvimento ao longo do filme. Theodore tem uma amiga de longa data, Amy (Amy Adams) que está casada, mas claramente não tem um relacionamento saudável. O marido possui um comportamento controlador passivo-agressivo e nota-se na forma que Amy olha para Theodore que ela sente uma atração por ele, mas está travada pelo casamento.
Então Theodore, que também estava anteriormente travado pelo casamento e depois pelo incomum relacionamento com a Samantha, no final é abandonado pela I.A. e ele se dá conta que restou apenas a sua amiga humana.
A última cena termina com os dois, Theodore e Amy, sentados juntos a contemplar a cidade, indicando que ali pode ter início um novo romance que esteve sempre latente ao longo dos anos, mas só agora eles se deram conta de que combinam um com o outro.
A última cena termina com os dois, Theodore e Amy, sentados juntos a contemplar a cidade, indicando que ali pode ter início um novo romance que esteve sempre latente ao longo dos anos, mas só agora eles se deram conta de que combinam um com o outro.
Pensando nela. |
Uma nota curiosa sobre Her. O filme é dirigido por Spike Jonze, que já foi casado com a cineasta Sofia Coppola (1999-2003). No ano em que se separaram, Sofia Copolla lançou o filme Lost in Translation em que a protagonista é interpretada pela Scarlett Johansson, uma mulher que vive um sentimento de solidão por causa do marido ausente e sempre ocupado no trabalho.
Dez anos depois, em Her, Spike Jonze também chamou a Scarlett para seu filme, agora interpretando a Samantha que faz companhia ao solitário Theodore, que sofre sua crise pós-divórcio. De certa forma, pode-se dizer que há um diálogo entre esses dois filmes. Além de terem a presença em comum da Scarlett, ambos falam sobre solidão, divórcio, a descoberta de novos relacionamentos. Estariam Sofia Copolla e Spike Jonze dialogando, mastigando suas memórias em comum nestas duas obras?
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