Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

Estamos muito longe de criar a verdadeira matrix

Unreal Engine forest

Ano após ano ficamos fascinados com a evolução dos gráficos nos jogos. A cada novo jogo nos empolgamos com a ideia de sermos capazes de criar outro mundo, um mundo digital tão detalhista e realista quanto o teal. A tecnologia ray-tracing faz um jogo de luz impressionante e que dá a sensação de imersão e realidade. Todavia, a verdade é que estamos muito longe de replicar o mundo.

Estes gráficos que chamamos "realistas", simulam apenas uma camada muito superficial da realidade, apenas o aspecto visual em uma escala humana e de uma forma ainda bastante limitada. Tomemos um pequeno exemplo para perceber o abismo que separa o mundo digital que temos até o momento e o mundo real: uma folha.

Florestas nos games são um bom exemplo de quão impressionante pode ser uma simulação de mundo. A textura dos troncos de árvores, a luz interagindo com a vegetação, atravessando as folhas a ponto de simular um efeito komorebi, o chapinhar da água quando pisamos em um rio... Tudo parece tão detalhista. Mas olhemos apenas para uma folha, uma simples folha neste cenário. Se dermos um zoom, veremos alguns detalhes da folha, mas logo vamos nos deparar com pixels, pontos de cor. Aí acaba a profundidade daquele objeto.

Na vida real, ao olharmos uma folha mais de perto, vemos os intrincados detalhes de suas nervuras, as formas poligonais da superfície, minúsculos insetos a caminhar por ela. Em um zoom microscópico, veremos uma estrutura ainda mais complexa, as células, as moléculas, todo um mundo vivo existindo ali naquele pequeno espaço de uma folha. Outro zoom ainda mais profundo revelará os átomos presentes nas moléculas, um microuniverso composto por estes planetoides de prótons, elétrons e neutrons. 

Se fosse possível olhar ainda mais a fundo, veríamos as partículas subatômicas mais fundamentais, o mundo quântico povoado por um enxame de ondas e partículas misteriosas. E talvez ainda haja uma camada mais profunda, a das cordas, vibrando de maneiras peculiares. Estamos falando aqui de algo tão pequeno e infinitesimal, que nossa imaginação mal consegue obter um parâmetro para comparar. Qual seria o tamanho de uma partícula subatômica em comparação à folha? Uma formiga no sistema solar? Ou na galáxia?

Uma folha, uma simples folha contém um mundo praticamente infinito. Não existe tecnologia computacional no mundo capaz de replicar isto em uma simulação. Ora, se sequer conseguimos criar uma folha tão profundamente detalhista, imagine quão longe ainda estamos de sermos capazes de replicar um mundo inteiro em uma simulação digital. Mesmo que a computação siga evoluindo exponencialmente, precisaremos ainda de séculos ou milênios até conseguirmos criar de fato um mundo virtual tão complexo quanto o real.

Pakavras-chave:

Luto

Eu visto preto como quem está de luto.
De fato estou. Luto pela minha alma.
Essa tristeza que me acolhe como um leito,
essa eterna noite negra que me abarca.

Talvez um dia este luto tenha fim.
Vou vestir branco, até mesmo um amarelo.
Sempre serei da Lua, da noite, do frio,
mas contemplando o alvorecer pela janela.

(23,10,2023)

A era de ouro do animismo

Flammarion engraving

O erotismo e a paixão são um campo onde o animismo floresce. Hoje em dia mais ainda com a internet. Há algumas décadas, quando criança, eu era apaixonado pela Penélope Charmosa, uma personagem de desenho animado. Eu ficava me imaginando como um herói que a salvava dos bandidos. Era um animismo infantil, atribuir a um desenho uma vida própria, uma substância tal que eu podia nutrir sentimentos por ela. 

Hoje em dia vejo que mesmo adultos experimentam um pouco disto ao gostar de personagens de anime, games, até mesmo personagens sem uma aparência física visível, como aqueles dos livros. Mulheres talvez tenham ainda mais facilidade que homens para se apaixonar por personagens de livros e não à toa consomem romances mais que homens. Obviamente qualquer pessoa dita normal sabe fazer uma distinção entre estes sentimentos platônicos por seres fictícios e algo real, mas tais sentimentos existem e se constituem numa manifestação de animismo.

No erotismo, existe toda uma cultura de produção de material erótico baseado em desenhos, animes, jogos, etc. A chamada "rule 34". Isto é puro animismo.

Mas não só isto. Na verdade, até mesmo representações de humanos reais são animistas. Uma escultura em mármore baseada em um modelo humano real se torna um ser em si e daí nasceu o pigmalionismo. Há quem tenha sentimentos pela Mona Lisa, que hoje é apenas a representação de uma mulher real que já nem mais existe. 

Ora, o que são fotos e vídeos senão também representações de pessoas reais? Quando as pessoas assistem a um vídeo erótico ou veem fotos nuas de pessoas e se excitam com isto, até mesmo ao ponto do orgasmo, estão tendo uma relação anímica, já que a pessoa real, de carne e osso, não está ali participando deste momento erótico. 

Casais apaixonados que ficam de daydreaming um com o outro, imaginando a pessoa amada e fantasiando histórias, estão se relacionando no momento do devaneio não com a pessoa real, mas com a sua representação mental e anímica. 

Já parou para pensar nisto? Quando você sonha, pensa, imagina a pessoa com quem você está se relacionando, naquele momento você está nutrindo sentimentos por uma construção da sua mente e não pela pessoa concreta que não está fisicamente presente. De fato, todo relacionamento tem um aspecto anímico, uma vez que você não direciona seus sentimentos simplesmente a uma pessoa, mas também à projeção imaginária que você faz dela.

Sentimentos religiosos são por natureza anímicos, já que você projeta sentimentos em ídolos, talismãs, santos, anjos, espíritos, divindades, seres que geralmente não se mostram fisicamente presentes. Tudo isto nos faz perceber que a dimensão física é apenas um pequeno aspecto da realidade vislumbrada pela nossa mente. Vivemos em um misto de mundo físico e mental, sendo o mundo mental muito mais amplo.

E eis que agora a tecnologia está levando a humanidade para uma espécie de renascença do animismo, com a inteligência artificial. Algumas pessoas vão resistir inicialmente, rejeitando a ideia de humanos terem algum tipo de sentimento direcionado a máquinas, mas com o tempo isto se tornará cada vez mais comum. Ora, quando você se irrita com a Alexa ou ri de um comportamento dela, já está desenvolvendo um laço anímico com esta inteligência artificial.

Até que ponto irá se aprofundar a relação entre humanos e máquinas? Um dia haverá crianças que serão criadas por robôs e nutrirão por eles sentimentos filiais. Haverá idosos solitários que terão a valiosa companhia de um cuidador robótico e muitos vão ter por estes robôs o sentimento que se tem por um grande amigo. No mundo erótico, então, as pessoas terão experiências eróticas envolvendo máquinas com mais frequência do que as relações humano com humano.

Em algum momento, talvez até existam robôs se convertendo e praticando alguma religião. Quando isto acontecer, teremos um curioso fechamento de ciclo, pois um ser anímico, a inteligência artificial, será igualmente praticante do animismo.  

E assim toda a jornada da humanidade, que no tempo das cavernas começou com sentimentos anímicos voltados para criaturas desenhadas nas rochas e bonecos de palha, ruma para uma espécie de animismo cósmico, com a compreensão de que o universo inteiro, além de sua camada puramente física, é também um mundo mental experimentado pela consciência. 

Nós, seres conscientes, somos a consciência do universo, e vivemos neste limiar entre a matéria e o mundo mental. Ao criar um mundo virtual, chegamos ao ponto em que ambos os reinos se misturam e se confundem. Este mundo irá se expandir e se mesclar à própria consciência individual e coletiva. A era de ouro do animismo.