Qaligrafia
Séries, livros, games, filmes e eteceteras 🧙‍♂️

À deusa Melancolia

Se a Melancolia fosse uma deusa,
certamente eu seria seu devoto.
Ao seu altar eu levaria arroxeadas rosas
em uma noite minguante com neblina e fria brisa.
Olharia as estrelas, deitado em uma rocha,
até adormecer no aconchego do seu colo.
Ouviria em meus sonhos uma música tão triste
que me faria sorrir satisfeito com seu ritmo,
ela transformar-me-ia em um pássaro noturmo
e eu deixaria a Terra, indo para outro mundo.
Veria coisas incríveis, cores, vidas tão diversas,
a evolução dos povos através de longas eras,
a riqueza do universo, abundante em beleza,
tantas coisas formidáveis! E enfim encontraria
tua fonte encantada, ó deusa Melancolia.

(19,11,2023)


O conforto da tristeza

Muitos temem a tristeza, fogem dela, a rejeitam. Os masoquistas a procuram, porém como uma forma de punição. Alguns, no entanto, veem beleza na tristeza, a beleza incompreendida de uma flor alienígena. O seu frio é aconchegante, em sua penumbra noturna posso descansar os olhos. A tristeza para mim confunde-se com o relaxamento, um estado de calma como o da vigília antes do sono. Ela conserva minha energia e evita que eu me degrade com o calor das fortes emoções. Além disso, quem ama a tristeza nada teme. A alegria é sempre acompanhada do temor que algo ou alguém a roube ou a destrua. É um tesouro cobiçado. A tristeza, ao contrário, é um tesouro envolto em mistério e que muitos evitam e rejeitam. Ninguém vai querer roubar sua tristeza, ninguém vai invejá-la. Só não deixe que o mundo perceba que a tristeza é a sua paz, pois a paz, esta sim, todos querem roubar.

(13,11,2023)

O mundo em que vivo

Eu não estou no mundo, aqui fora. Estou em mim, no universo interior, o lar onírico, o abrigo dos meus pensamentos. Aqui fora eu sou apenas um diplomata, um enviado para me representar, enquanto o meu eu completo vive em seu próprio ecossistema habitado por lembranças, fantasmas, fragmentos, reflexos e aspectos do meu ser. Neste mundo, nunca há sol de meio dia, nem mesmo o vespertino. Na maior parte do tempo é nublado, com uma leve neblina a gotejar, criando orvalho nas plantas, reluzindo entre a komorebi que atravessa a folhagem. À noite a chuva se intensifica e embala meu sono. É assim na capital, na cidade onde a mente reina, um mundo noir, misturando a penumbra e as cores do neon. Há, porém, outros biomas. O deserto do eremita, contendo dunas e cavernas nas rochas, um mundo próprio para o recolhimento, um mundo de fuga. À noite, o deserto é o melhor lugar para contemplar as estrelas. O bosque do mago, do druida, um bioma multicolorido e variegado, tomado pela imaginação e a loucura. Em algum lugar do bosque há um pântano e ali vive uma criatura. Há também campos floridos e árvores gigantescas e ancestrais, guardiãs de uma longa memória e portadoras do saber. O oceano é um mundo de forças primitivas, misteriosas, e nas suas profundezas encontra-se um abismo. No continente há montanhas e uns poucos vulcões que parecem já não estar ativos, tendo sua ira aplacada ou recolhida nas profundezas do ventre da terra. Há tanto a se explorar, tanto a se conhecer, mas quanto mais eu caminho, mais o horizonte se estica e reconfigura. E pensar que isto é apenas um fragmento, um fractal, do vasto campo quântico que consiste na consciência cósmica.

(02,11,2023)